Educação e vida
criativa
A educação, valor básico do homem, está
em crise no mundo. Cristalizada em dogmas,
não acompanha a evolução da humanidade – da passagem de uma sociedade
industrial para outra de informação, por exemplo. Não satisfaz, portanto, as
necessidades sociais, em um Planeta assoberbado por novas questões e crescentes
problemas. O fenômeno ocorre tanto no Ocidente, quanto no Oriente. Verifica-se
quer em países altamente evoluídos política, econômica, social e
tecnologicamente, quer em Estados carentes, até inviáveis (nestes, logicamente,
de forma mais intensa).
O fundador da Soka Gakkai
Internacional, Tsunessaburo Makiguti, já havia detectado essa inadequação educacional, essa falta de rumos
e perspectivas na formação das novas gerações – encarregadas de absorver e
transmitir o patrimônio cultural da humanidade desde os primórdios da
civilização até os dias atuais. Fez, a esse respeito, uma série de
apontamentos, ao longo de 30 anos, que resultaram no livro "Educação para
uma Vida Criativa", publicado no início da década de 30.
De lá
para cá, muita coisa mudou. O mundo conheceu nova e devastadora guerra
mundial, além de algumas centenas de conflitos regionais. O homem desvendou o
segredo mais íntimo da matéria, o átomo, e usou esse conhecimento para produzir
as mais terríveis armas, jamais construídas, capazes de eliminar da face da Terra
a humanidade e virtualmente todas as espécies animais e vegetais: as nucleares.
Um astronauta pisou na Lua. Houve uma polarização ideológica que durou mais de
quarenta anos (capitalismo versus comunismo), que só acabou após a queda do
Muro de Berlim e a desagregação da União Soviética. Países novos (e miseráveis)
emergiram com o fim do colonialismo, notadamente na África e na Ásia. O colapso
comunista "redesenhou" o mapa da Europa. O "mercado" foi
alçado como uma espécie de panacéia para todos os males, resultando na atual
"globalização" econômica, que ninguém sabe ainda no que vai dar. O
cenário é muito diferente, portanto, do da década de 30, como diversos também
são os problemas mundiais.
Mas as coisas, em termos de educação,
melhoraram nestes mais de sessenta anos, no sentido de prevenir e evitar erros,
como os cometidos ao longo deste século? Estariam as idéias e propostas de
Tsunessaburo Makiguti ultrapassadas? Não! Pelo contrário! O tempo apenas
tornou-as mais atuais. E, sobretudo, mais prementes. O diagnóstico da
"doença", feito há mais de oito décadas, foi absolutamente correto.
Como essa não foi tratada, apenas se agravou desde então.
Na introdução de "Educação para
uma Vida Criativa", da edição lançada no Brasil pela Editora Record, o
professor Dayle M. Bethel, enfatiza: "Makiguti afligia-se com as
imperfeições que percebia na educação japonesa. Suas preocupações com a
educação poderiam mesmo ser consideradas obsessivas..." E acrescenta:
"O processo de formulação do objetivo na educação era o pensamento central
de Makiguti".
"Educar para quê?", é a
pergunta que se impõe. Para condicionar o indivíduo a sustentar ideologicamente
algum tipo de regime, ou determinada espécie de governo? Apenas para produzir
mão-de-obra qualificada, robotizando o homem, tratando-o como máquina, senão
como mercadoria, como entendem muitos tecnocratas que deva ser o objetivo da
educação? Para formar elites que mantenham o "status quo" vigente?
Para condicionar o indivíduo a produzir e consumir bens materiais, a maioria supérflua,
esgotando os limitados recursos da Terra?
O líder bolchevique russo, Vladimir
Lenin, com grande franqueza (e não sem acentuada dose de cinismo), em um dos
seus textos, nos dá uma visão nua e crua de quais são os objetivos da maioria
dos sistemas educacionais mundo afora, independentes da ideologia ou forma de
governo dos seus formuladores: "A escola jamais foi apolítica; seu fim e
problema, seus programas e métodos, foram sempre fixados pela classe no
poder".
Para Makiguti, no entanto, a sociedade
erra quando age assim e deixa a cargo de acadêmicos e filósofos (a serviço de
políticos, evidentemente) as decisões relativas a objetivos e metas
educacionais, "sempre ocupados com pensamentos muito distantes da
realidade da vida diária". Propõe que tal fixação de metas seja feita por
"profissionais que atuam na educação". Entende que estes,
"embasados em suas experiências diárias, devem abstrair indutivamente
princípios e reaplicá-los em sua prática, na forma de melhorias
concretas". Ou seja, que os objetivos sejam fixados por quem "seja do
ramo". Que se crie uma "ciência da educação" e que essa seja
dinâmica, ágil, mutante, se adaptando instantaneamente às novas necessidades
individuais e da sociedade, sejam quais forem. Recursos materiais para isso
existem.
Da obra de Makiguti emergem seis temas,
ou áreas de interesse básico que, reunidos, formam a essência de suas idéias
sobre educação e de suas propostas para a reforma educacional. O primeiro
refere-se ao "objetivo". Para quê educar? "Para tornar o homem
feliz!", responde. No posfácio do livro, David L. Norton, professor de Filosofia da
Universidade de Delaware, em Newark, EUA, constata: "Makiguti defende que
a educação deve ser uma preparação para a vida
no mundo e, principalmente, para se viver bem. Segundo ele, é preciso
viver bem no presente, pois um treinamento que adia a felicidade para um futuro
indefinido é um treinamento do adiamento da felicidade".
O
próprio autor de "Educação para uma vida Criativa" enfatiza:
"Não é prerrogativa dos educadores decidir que a preparação para a vida
adulta deve ser o objetivo da educação. (...Eles) devem entender que a
escolarização que sacrifica a felicidade presente das crianças, fazendo da
felicidade futura sua meta, viola a personalidade infantil e o próprio processo
de aprendizagem". O fundador da Soka Gakkai indica, ao longo de todo o
livro, que "a realização individual está na contribuição social". Ou
seja, no acréscimo que o indivíduo pode dar ao patrimônio cultural da sua
comunidade e por extensão da humanidade (por ínfimo que seja), que será
transmitido às futuras gerações, para que estas transmitam às seguintes, e
assim sucessivamente, numa cadeia sempre evolutiva do homem rumo à perfeição.
"Começamos reconhecendo que o ser
humano não pode criar matéria. Pode, no entanto, criar valores. A criação de
valores é, na realidade, a essência da natureza humana. Quando elogiamos
pessoas por sua 'força de caráter' estamos, na verdade, reconhecendo sua
capacidade superior de criar valores", acentua Makiguti. "A questão fundamental, portanto, é
resolver para que fins, e no interesse de que valores, a criatividade humana
deve ser direcionada", conclui
Dayle M. Bethel. E essa definição o livro traz com detalhes, abordando,
ainda, entre outros assuntos práticos, a natureza do processo de aprendizagem,
o treinamento de professores e a definição de currículos, além do papel
educacional da escola, do lar e da comunidade. É uma indicação lúcida,
competente e segura, que os responsáveis pela formulação de políticas
educacionais, em especial do Brasil, deveriam olhar com atenção e aplicar os
princípios propostos, para fazer da educação o que ela deveria sempre ser: um guia seguro para orientar o homem a estar
bem consigo próprio e a relacionar-se harmoniosamente com seus semelhantes.
Boa leitura.
O Editor.
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Darcy Ribeiro, em seu livro "Confissões" fala da criação da Universidade Federal de Brasília - UNB, e os motivos de ele montar a grade curricular de vários cursos superiores de uma maneira e não de outra. Difícil e profunda a sua análise. A ordem parece ser o consumo.
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