segunda-feira, 20 de abril de 2015

Virtual para fugir do real

* Por Adelcir Oliveira


Ouço histórias. As pessoas me contam. Penso em deitá-las aqui. Protelo. Deixo de lado e esqueço. As histórias, como as pessoas, vêm e se vão. É assim mesmo.

A vida não é exatamente como a gente quer. E nisso reside parte da sua beleza. Eu, por exemplo, tenho anseios aos quais circunstancialmente não é possível dar asas. E não é garantido que um dia poderei realizá-los. Tampouco se ainda terei tais anseios. E se serão apenas estes. Ou outros. Se fosse tudo previsível, seria a vida chata demais. A imprevisibilidade é tempero. Dá um toque de emoção. Angustia, sim. Mas é melhor assim.

Hoje faz frio. Sigo em Sampa. O dia me seria belo se meu humor estivesse bom. Quando estou assim, bem pouca coisa me agrada. Quase tudo me incomoda. Mas é hoje. Só hoje. "E isso  passa..."

Sigo para o trabalho. Sim, em pleno sábado. A cidade não para. "Sou mais um na multidão". Mas onde eu gostaria de estar agora? De certo, no mesmo lugar que a maioria. Em casa. Sozinho? Sim, hoje assim. Comigo. Mas, e no decorrer do dia? Seguirei com este desejo de solidão? Não sei ao certo. Enfim...

Claro, se você não está bem. Não está agradável. É melhor ficar assim mesmo, só. Evitar. Preservar. E isso vai da importância que você dá ao outro. O cuidado que você tem. A forma delicada como trata a pessoa que gosta. Tem estima e carinho. Gosta de fazer bem a ela. Por isso, preferir estar só muitas vezes pode ser forma de expressar sentimentos. Deixe de lado a angústia.  Qualquer culpa. Sinceridade faz parte. Faz bem.

A temperatura subiu. O humor melhorou. E eu sigo. Você segue. O mundo vai. Palavras mal escritas são trocadas pela internet. Afetividade de fato, real e sincera, é escassa. O que vale é alimentar a virtualidade. Mas cuidado. Abdique de generalizações. Sempre. A internet também é espaço para expressar sentimentos sinceros. Vá com calma.

Tenho lido menos os livros que estão à minha disposição. Sigo lendo. Vagarosamente. A culpa? Dela. Da internet. Embora eu a utilize para ler também. Contudo, dada a carência, esta que é inerente ao ser humano, e absolutamente positiva e necessária, o desejo de falar com o outro se coloca em primeiro plano. E isso acontece quando você nutre carinho e sentimentos, reais e verdadeiros, que o faz querer ter com o outro, mesmo que de modo virtual, distante. Aliás, a distância é um dos maiores alimentos dos romances. Nutre saudades. Desejos. Constrói sentimentos. Tudo, evidentemente, dentro de limites. E isto é tão óbvio, que dizer pode ser desnecessário. Mas não. Melhor dizer. Deixar bem claro. Antecipar-se à crítica.

A temperatura sobe e o humor segue em compasso de melhora. O ser humano é absolutamente circunstancial. Minha cunhada diz que vivo o momento. E não poderia ser diferente. O que viver senão o momento?  Por isso o passado não me importa. O futuro não idealizo. A vida para mim é como disse o escritor, do jeito que é. Não há ninguém no comando. Se somos peças no tabuleiro, quem nos move somos nós mesmos. Melhor deixar a infantilidade de lado e assumir a responsabilidade de si.

Voltando à internet. Que agora também é móvel.  Contribui para que cada vez mais as pessoas vivam ilhadas. Falo de mim. Falo de você. Não é preciso se esconder. Eu sou o outro. Você é o outro. Você e eu somos as mesmas pessoas. E todos somos ilhas. Quanto mais distantes do outro, mais protegidos nos sentimos. E o silêncio é cada vez mais no mundo real. O virtual cada vez mais toma conta. Um barulho frenético de palavras desconexas, cujo filtro resulta em quase nada.

Terminei o dia em um bar. Festa de uma amiga em companhia de grandes amigos. Dois deles. Em pleno bairro da Praça da Árvore. Local onde morei antes de retornar para o Tucuruvi. O humor, embora tivesse melhorado, voltou a incomodar. Nem sempre é bom estar entre tantas pessoas. O desejo pelo regresso era grande. O virtual aliviou o incômodo com o real. Tive companhia muito desejada. Queria mesmo que ela estivesse comigo no real. Mas, como foi dito no início, a vida não é exatamente como a gente quer. E nisso reside a sua beleza. Vale repetir. Assim, ela esteve comigo no virtual. Expressou-se por palavras. E se ri, foi ela quem me fez rir. Deixei de lado o que me circundava, sem de fato esquecer e deixar de dar atenção aos dois amigos. Mas ela me ajudou. Virtualmente me ajudou. E fez com que eu fugisse dali sem deixar de estar. Eu, realmente, era ilha. E nesta ilha queria estar a sós apenas com ela...

•      Blogueiro e corretor de imóveis


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