Coincidência ou imitação?
A realidade, cada vez mais, supera, e
em muito, a ficção, tanto em termos de personagens, digamos, “desequilibrados”
(para não dizer outra coisa), quanto de fatos absurdos, chocantes, pavorosos e
surrealistas até, que escritor algum, por mais talentoso que seja, consegue
sequer chegar perto, quanto mais superar. Comentei isso há já algum tempo com
um amigo, o publicitário Sérgio Biscaldi, uma das pessoas mais criativas que
conheço que, após refletir alguns minutos, não teve como discordar das minhas
colocações. E olhem que ele se destaca pela originalidade em tudo o que
escreve!
A leitura de qualquer jornal diário nos
traz, a cada dia, uma carga de crueldade, de loucura, de maldade, de desamparo
e de miséria interior dos personagens envolvidos, maior, muitíssimo maior do
que a criada por escritores como Samuel Becket, Berthold Brecht, Eugene Ionesco
ou, mesmo, Donatien Alphonse François, o Marquês de Sade, celebrizado como
libertino, considerado como monstruoso psicopata e cujo nome foi usado até para
batizar uma psicopatia: o sadismo. E não são os repórteres que são criativos
nesse mister. É a loucura da vida cotidiana que proporciona esse desfile
surreal de aberrações.
As notícias mais chocantes ocorrem,
geralmente, em série.
Basta que os jornais noticiem um determinado fato, para que
outro semelhante, de idêntica natureza, ocorra no dia seguinte ou nos
posteriores. Em abril de 1989 noticiei, no Correio Popular de Campinas (quando
era editor de Internacional e comentarista do jornal), o caso das quatro
enfermeiras austríacas que, mediante superdose de insulina ou de barbitúricos
(elas eram “criativas” e variavam nos meios utilizados), causaram a morte de
pelo menos 49 pacientes do Hospital Lainz, de Viena.
Desde então, pude contar, no mínimo,
seis ocorrências semelhantes: na Rússia, na França, nos Estados Unidos e até
mesmo no Rio de Janeiro, caso que ganhou manchetes e ampla repercussão mundial.
Há uns dez anos, um enfermeiro norte-americano escapou por pouco da pena de morte,
por crime semelhante, por ter colaborado com a promotoria, denunciando colegas
que agiam como ele. Pegou sete condenações à prisão perpétua, o que não passa,
também, de aberração, convenhamos. Se a sentença foi “perpétua”, uma única
basta, não é verdade?! Ou o réu em questão tem sete vidas, como se atribui aos
felinos?
Outro exemplo? O do índio pataxó
Galdino Jesus dos Santos. Para quem não se recorda, essa pessoa teve 95% do
corpo queimado, o que, claro, lhe causou a morte, ocorrida no Hospital Regional
da Asa Norte, em Brasília, para onde foi encaminhado tão logo foi socorrido. As
queimaduras foram causadas quando cinco jovens de classe média da Capital
Federal – um dos quais menor de idade na ocasião – resolveram fazer o que
chamaram de “pegadinha” com a vítima, que dormia, placidamente, num banco de
uma parada de ônibus. Os “brincalhões” encharcaram o cobertor do índio com
álcool e atearam fogo. “Inocente” brincadeirinha de rapazes, não é mesmo?!
Enfim... Pois bem, depois desse episódio, ocorrido em 22 de abril de 1997,
verificou-se uma verdadeira epidemia de incêndios de mendigos: no Rio de
Janeiro, em São Paulo ,
em Porto Alegre
e vai por aí afora.
Mais um exemplo? O da manicure
equatoriana Lorena Bobbit, no início dos anos 90. Alegando que era constantemente
agredida pelo marido, o ex-fuzileiro naval norte-americano John Wayne Bobbit
(que não se perca pelo nome), ela cortou-lhe o pênis (uiiiiiii!), depois de uma
discussão e de ter pedido a separação, que o “companheiro” (ou carrasco) lhe
negou.
Mulheres de todo o mundo apoiaram o seu
ato, considerado “corajoso e justo”. Lorena foi declarada inocente da agressão
em janeiro de 1994, pela Justiça norte-americana, alegando “perda da razão”. O
juiz considerou que o ato foi de legítima defesa, já que a manicure provou que
há anos sofria com a violência do marido. Wayne teve o pênis reimplantado e se
tornou ator de filmes pornográficos (vejam só!). Após essa ocorrência, todavia,
surgiram centenas (quiçá, milhares) de Lorenas Bobbits mundo afora, uma das quais
em Belo Horizonte. E
os marmanjos que costumam agredir as esposas ou namoradas que se cuidem! Podem,
de uma hora para outra, se tornar eunucos, ora bolas!
A que atribuir a ocorrência de fatos,
como os mencionados, assim, em série (a mais nova onda é a do abandono de
bebês, da qual cataloguei pelo menos dez ocorrências nas duas últimas semanas,
que abordarei, prometo, numa nova crônica, oportunamente)? Seria mera
coincidência? Pode ser! Ou seria uma espécie de imitação? Ou, ainda uma
terceira hipótese (a mais provável): a imprensa ficaria mais atenta a esse tipo
de acontecimento, depois do primeiro ter sido noticiado? Cada um que escolha a
sua opção.
O que fica evidente é a comprovação da
minha tese de que é cada vez mais difícil, senão impossível, um escritor, hoje
em dia, ser original na descrição de patifes e de patifarias, de loucos e
loucuras, de maldosos e maldades, e vai por aí afora. A realidade, mais do que
nunca, supera, e em muito, a ficção. Ou é exagero da minha parte?! Você decide,
lúcido e esclarecido leitor!
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas
(atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e
do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe,
ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma
nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991
a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição
comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com.
Twitter:@bondaczuk
Pedro, há dezenas de anos venho refutando a grita geral de telespectadores que se sentem desrespeitados pelos rumos das novelas. Para eles os folhetins ensinam comportamentos indesejáveis, e estaria destruindo a família. Sempre rebati dizendo que o mundo real inspira os novelistas e não o oposto. Enfim, encontro alguém que pensa como eu a esse respeito.
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