O mistério dos extremos
O escritor e psiquiatra português, Antonio Lobo Antunes,
escreveu, certa feita, que “ninguém sabe o que é a morte”, mas que isso não faz
muita diferença “porque também nunca sabemos o que é a vida”. Porventura,
sabemos? Claro que não!!! O que temos são teorias das mais variadas cabeças e
suposições infindas, das mais plausíveis às mais exóticas. Mas certeza, certeza
mesmo, a esse propósito, não temos nenhuma. Nem sobre nosso início (qual a
finalidade da vida?) e muito menos acerca do nosso fim. Ou seja, desconhecemos
a essência dos extremos. Só sabemos que somos mortais. No entanto,
desconhecemos como e quando o nosso fim, pelo menos nesta nossa forma carnal,
se dará.
Detesto escrever sobre a morte. Contudo é um dos temas que
as circunstâncias me forçam a abordar mais vezes. Trata-se de uma das
realidades que mais me chocam e que invariavelmente me deixam incômoda sensação
de perda. O choque, claro, é maior quando morre alguém que me seja muito
próximo, caso de pessoas queridas, ou seja, parentes e amigos. Mas as mortes de
apenas conhecidos (e esse conhecimento nem precisa ser presencial, pode ser
virtual ou mesmo representado pela leitura de alguma das obras dos que morrem,
no caso de serem escritores), não deixam de me comover e de me deixar essa
amarga sensação de vazio na alma que sinto agora. E, desta vez, em dose tripla.
Explico. Nos últimos quatro dias morreram, praticamente em
sequência, três escritores com perfis e realidades de vida bem diferentes, mas
cujas mortes, igualmente, significam irreparáveis perdas para a Literatura. A
primeira dessas mortes foi a da crítica teatral – uma das maiores especialistas
da obra de William Shakespeare – Bárbara Heliodora, aos 91 anos de idade. Foi uma
figura exemplar, não somente pelo seu reconhecido talento e competência (contudo
principalmente por eles), mas por dedicar-se à atividade que era sua grande
paixão, com a mesma garra e entusiasmo da juventude, até seus derradeiros dias
de vida.
A segunda morte que registro foi a que mais me doeu, pelo
contato frequente que mantive com essa figura excepcional, nos últimos oito
anos (até a terça-feira passada, quando me encaminhou seu último conto que, com
certeza, nem ele e nem eu sabíamos que seria o derradeiro). Refiro-me ao
jornalista e escritor pernambucano, natural da cidade de Goiana, Marco Albertim.
Esse meu amigo virtual faleceu repentinamente, na sexta-feira, aos 64 anos de
idade, vítima de fulminante infarto. É o terceiro colunista do espaço que edito
na internet que nos deixa intempestiva e definitivamente. Antes dele, haviam “se
ido” o escritor e jornalista baiano, Pedro Diedrich (em 2008) e o poeta
mineiro, da cidade de Montes Claros, José Geraldo Mendonça Júnior, o talentoso
Peninha (em fevereiro passado).
Hoje fui informado, pelo amigo Edir Araújo, da morte do
combativo e admirável (e de fato admirado) escritor uruguaio Eduardo Galeano,
autor, entre outros livros, do memorável “As veias abertas da América Latina”.
Ele, que lutava contra um insidioso câncer, morreu em sua casa, em Montevidéu,
aos 74 anos de idade. Deixa, sem dúvida, grande lacuna na Literatura mundial,
sobretudo na latino-americana, que talvez nunca venha a ser preenchida. Não
tive o privilégio de manter qualquer espécie de contato com ele, mas sempre o
considerei “amigo”, pela afinidade de idéias que sempre tive com ele.
Das três mortes citadas, claro que a de Marco Albertim foi a
que mais me chocou, comoveu e doeu. Afinal, tive o privilégio e a honra de
editar 331 de seus contos, cada um mais atrativo e inteligente do que o outro. Reunidos,
eles dariam magnífica coleção de livros desse gênero que tanto aprecio, caso
viessem a ser publicados. A seu respeito, assino embaixo a opinião do não menos
brilhante e talentoso escritor pernambucano Urariano Mota, colunista fixo do
nosso espaço literário desde a sua criação, em 27 de março de 2006 (único
remanescente dos fundadores da nossa modesta revista eletrônica diária na
internet), que observou (comovido, como eu, porquanto era amigo do nosso já
saudoso contista): "Eu posso falar seguramente o seguinte: ainda não soou
a hora da justiça literária para Marco Albertim. Ele foi um contista e cronista
admirável. Infelizmente, a maioria dos leitores ainda não tomou conhecimento
disso".
As editoras – sabe-se lá por qual razão – nunca se deram conta
desse extraordinário talento ficcional. Tanto que ele tem apenas um único “livro
solo” publicado. Trata-se de “Ingrid tinha alergia à lama do Capibaribe”. A obra
foi editada pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe). É pouco, muito pouco,
pouquíssimo para um escritor tão completo e tão bom. É, como disse o Urariano: “Ainda
não soou a hora da justiça literária para Marco Albertim”. Espero que não tarde
a soar e que sua vasta obra, não somente de contos, mas de deliciosas crônicas,
seja publicada, mesmo que postumamente. A Literatura tende a ser cruel com seus
principais artífices. Espero, todavia, que neste caso se faça justiça, posto
que tardia. Além do livro citado, há textos desse hábil contista (que meus
leitores conhecem tão bem) nas coletâneas “Panorâmica do conto em Pernambuco” e
“Contos de Natal”.
Peço-lhes escusas por eventual incoerência nestas reflexões
de hoje, em ostensivo tom de desabafo. São considerações ditadas pela emoção,
com quase nada de razão. Os últimos quatro dias foram de intensa tristeza e de
amargo sentimento de perda para mim. Reitero, a título de conclusão, que nunca
consegui entender a morte, como ademais não entendo quase nada da vida. Para
mim, os extremos do homem são, e provavelmente sempre serão, insondável
mistério.
Boa leitura.
O Editor.
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A ronda da velha dama não termina, enquanto houver alguém vivo. Nos últimos sete meses perdi cinco pessoas muito próximas. Depois que envelhecemos, nosso contato com a morte passa a ser diário.
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