Amantes em vez de adeptos
O carismático poeta espanhol, Federico Garcia Llorca,
afirmou em certa ocasião: “A poesia não quer adeptos: quer amantes”. Ou seja,
não admite meios termos. Ou você se apaixona por ela ou ignora-a. É nisso que
ela se diferencia de outros gêneros: no sentimento, na empatia, na cumplicidade
que estabelece entre autor e leitor. Nesse aspecto, todo poeta (refiro-me aos
bons) é carismático. Consegue, simultaneamente, nos fazer sentir a mensagem que
se propõe a transmitir e refletir sobre seu significado. E a poetisa fluminense
Márcia Mendes, autora do livro “Permanência”, publicado pela editora “Mar de
Letras”, não foge à regra. Conta com esse carisma. Faz, de quem a lê, não
propriamente apenas admirador, mas, sobretudo, “amante” de sua poesia.
Como e por que esse fenômeno ocorre? Bem, poderia citar um
sem número de explicações, ou de tentativas de explicar, mas nenhuma delas
convence. Pelo menos eu não me sinto convencido por nenhuma delas. Para mim,
isso é inexplicável. Prefiro a explicação, que nada explica, dada pelo mesmo
Garcia Llorca, que citei no preâmbulo dessas reflexões, que afirmou: “Todas as
coisas têm o seu mistério, e a poesia é o mistério de todas as coisas”. Ou não
é?!!! Como se forjam os poetas? De onde lhes vem esse talento de nos comover,
apaixonar e refletir?
Creio que seja inato, embora o ambiente em que o poeta nasce
e vive possa ter alguma influência. Vejam o caso de Márcia Mendes. Ela nasceu
(em 7 de janeiro de 1969) em um lugarejo bucólico, próximo à cidadezinha
litorânea de Mangaratiba, no Estado do Rio de Janeiro. Passou a infância em um
ambiente que rescendia a poesia, entre o mar e a mata atlântica. “Só isso fez
dela a poetisa sensível e carismática que é?”, perguntaria o leitor mais
cético. Claro que não! Fosse “apenas” esta a causa, todos os moradores dessa
localidade seriam poetas, o que, evidentemente, não são. Entram aí, além do
talento potencial, as influências do meio ambiente, da família, da vivência e
da leitura, entre tantos e tantos fatores.
A própria Márcia deixa isso claro na entrevista que deu a
Selmo Vasconcellos, publicada no portal dele (WWW.selmovasconcellos.com.br),
ao informar: “Vivi com meus avós paternos num lugarejo próximo a
Mangaratiba. Era uma casinha rosa de janelas
verdes, construída por vovô, espremida entre o mar e a mata atlântica. Não
havia luz naquela época. As noites eram
proseadas na varanda, à luz do lampião à querosene. Minha avó, catalã, contava
histórias de sua cultura, enquanto vovô lia em voz alta a poesia de Pessoa,
Bandeira, Cecília e Drummond. A leitura
está entronizada de tal forma na minha estrutura psíquica que faz parte do meu
Eu. Leio tudo. Busco a leitura com
voracidade, inclusive novos autores.
Gosto de encontrar na pluralidade, o singular de cada autor, o original,
aquilo que me traz espanto”. Entendo que, sobretudo, ambiente, família e
talento inato, os três fatores simultaneamente, fizeram de Márcia Mendes a
excelente poetisa que é. Tudo isso e muito mais...
O carismático poeta chileno Pablo Neruda, ganhador do Prêmio
Nobel de Literatura, afirmou, certa feita, em uma de suas tantas entrevistas: “A
poesia tem comunicação secreta com o sofrimento do homem”. De fato, tem. Fala,
pois, diretamente à alma e não, propriamente, ao intelecto ou prioritariamente
a ele. É algo muito mais para ser sentido do que propriamente entendido. E essa
capacidade Márcia tem de sobejo. Não por causa de sua profissão de psicóloga,
que sonda a mente dos pacientes em busca de problemas que os afligem, como os
desavisados podem supor. Pode até ser que ajude, mas não é essencial. Fosse
assim, todos profissionais dessa área seriam poetas. Todavia, raros são.
A própria Márcia define sua aptidão, neste trecho da citada
entrevista que deu a Selmo Vasconcellos, ao fazer esta declaração: “Sabe,
Selmo, eu acho que o poeta é um alquimista capaz de transformar o
cotidiano. O verdadeiro poeta transforma
as lentes, pinta as telas, traz colorido à vida. Nossas emoções traduzem sentimentos. Sentimos
aquilo que nos emociona. O poeta percebe as sutilezas que envolvem a linguagem
e o sentir, assim, consegue decifrar esse enigma e mostrar o avesso do feio, do
triste, do mal. Não há impacto, o
impacto está na percepção do poeta.
Escrevo em cafés barulhentos, em aviões, em aeroportos, no silêncio da
madrugada, ou no meio do dia. Escrevo quando as palavras me alcançam. A palavra é viva. Enfileiram-se e dão concretude aos meus pensamentos
que traduzem as imagens mentais que percebo”.
Partilho com você, paciente leitor, o poema abaixo, publicado
no livro “Permanência”, de Márcia Mendes, destes que a gente gostaria de ser o
autor, por expressarem a caráter o que pensamos a respeito:
Morte
“Papel em branco?
Não temo.
Temo a morte que tem cara feia
Que faz o coração se soltar do peito
E sangrar,
E doer…
Morte tem cara?
Chega sem que se espere.
Entra sem ser convidada,
Suspendendo amores,
Interrompendo dizeres,
Levando pessoas
Sei lá pra onde,
Trazendo saudade.
Mal-educada, atrevida, insolente!
Morte é fio cortado
É esquina dobrada
É rosto escondido.
Dona Cotinha, carpideira convicta
diz que já viu:
É mulher, veste preto e cheira a terra.
Pro padre ela não tem rosto.
Pensando bem morte deve ser homem,
Veste branco e cheira a flores.
Somente ela foi capaz de acabar
Com dores intermináveis,
Sofrimentos inaceitáveis,
Viveres mortos.
Isolamento de tudo…
É a morte um exílio?
Pode ser.
Só sei que
Não sei morrer”.
Agora, respondam-me: como não se apaixonar por uma poesia
assim?!!! E, sobretudo, por uma poetisa tão competente e convincente?!! Sim,
leitor, como?!!!Voltarei, certamente, ao tema.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Ninguém sabe morrer, ainda assim, o último verso traz um monte de novidade e luz.
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