O talismã mágico
* Por
Evaristo da Veiga
As palavras Revolução,
Revolucionário são uma espécie de talismã mágico, com que os Governantes sabem
a propósito fazer calar a opinião pública e incutir terrores nos homens
pacíficos e moderados. E contudo as Revoluções são sempre filhas dos erros dos
Governos, pois os Povos não saem facilmente dos seus hábitos, e amam de coração
a tranqüilidade e o repouso. É depois de se haver por todos os meios
atormentado a população, calcado o seu amor-próprio, ultrajado os seus
prejuízos mais nobres, os seus direitos mais respeitáveis, que a indignação
rompe todas as barreiras, e aparecem esses vulcões, e lavas, que tudo levam
diante de si, ou esses surdos trovões, que abalam a terra. Os Governantes,
iludidos pelos seus caprichos e ambição, folgam com os maus feitos de alguns
indignos agentes, que enviam às Províncias, e que aí só tratam ou de saciar de
vinganças um partido, ou de oprimir e aviltar os cidadãos, que mostram amor
pela Pátria e sentimentos de elevada independência: ao depois, quando os
funestos efeitos de tão erradas medidas chegam a aparecer, a autoridade raras
vezes deixa de atribuí-los ao espírito de sedição, aos malvados inimigos da
ordem, & cia. e de lançar mão deste pretexto para novos atos de arbitrariedade
e talvez de tirania. Que se segue daí? A cólera do povo comprimida torna-se
ainda mais terrível, uma conspiração contém o germe de um cento delas: vítimas
inúteis são sacrificadas, e quanto mais o Governo se desvia da moderação e das
leis, tanto maior força ganha o descontentamento, pai de comoções contínuas. Se
o Poder quisesse sinceramente evitar o flagelo das Revoluções violentas, (que
na verdade não produzem bem algum), tinha à sua disposição um meio eficaz e
muito fácil; este meio consiste em ser fiel às Instituições do Estado, e dar a
conhecer que deseja a felicidade pública.
O Povo nunca é ingrato
a quem lhe faz benefícios, e os votos impotentes de alguns espíritos inquietos
e malignos perdem-se no meio da satisfação e comprazimento geral. Nem se diga
que os intrigantes exercem muitas vezes grande influência sobre a população, e
que as suas tramas são tão bem urdidas, que iludem ainda os homens bem
intencionados e sinceros. Contra os fatos nada há que valha, e quando os
Cidadãos observam que a Autoridade por atos contínuos se dirige a procurar-lhes
o maior bem possível, e se desvela na sua prosperidade, ninguém poderá por
especiosas teorias arrastá-los à revolução e às desordens. Mas suponhamos que
numa Província o Povo, vivendo debaixo da aparente proteção de uma Constituição
livre, a cada passo a vê infringida; que vê por um culpável desprezo da fé
jurada o cutelo da perseguição erguido sobre os escritores generosos, que
intentam defender os direitos dos indivíduos; o patriotismo olhado como um
título para a suspeita, e os inimigos da sociedade civil rodeando a pessoa do
Agente do Poder, benquistos, e com a sua presença afrontando todos aqueles a
quem restam sentimentos de dignidade pessoal e aferro ao país a que pertencem.
Que conseqüências poderá ter semelhante estado de coisas? Devemos confessar que
a força da autoridade é aí muito falível; que tarde ou cedo o edifício fundado
sobre a injustiça será abalado pelos alicerces, e que o Poder sucumbirá debaixo
do peso dos seus mesmos triunfos. A Lei: o bem comum, eis aí o norte que devem
ter os que governam, até para sua própria segurança. De que servem as melhores
Instituições, se na execução se iludem, se aqueles mesmos que foram postos como
vigias, e protetores dos nossos foros, são os que trabalham por frustrar-nos da
sua fruição, e se regozijam com a ilusão e perfídia, de que fazem jogo? Não
acusem ao depois o Povo; reconheçam os seus erros, filhos de paixões mal
regradas, a causa dos males que todos deploramos, e em vez de amontoarem
arbítrio a arbítrio, de substituírem o regime do terror ao engano, tratam de
estabelecer francamente o Império da Justiça e da imparcialidade legal.
Daí pende
essencialmente o nosso e o seu interesse: a Constituição é o nexo comum, que
deve prender Governantes e Governados.
(A Aurora Fluminense,
n. 59, 25 de junho de 1828).
* Poeta,
jornalista e político
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