Algumas lições que aprendi com Machado
de Assis
A obra de Machado de Assis, sobretudo seus romances (mas não
somente eles) influenciou e segue influenciando um número incontável de
escritores (e não somente do Brasil, mas de várias partes do mundo). Alguns têm
a humildade de confessar essa influência e apontam no que, e por qual livro
foram influenciados. Afinal, não há demérito algum em tal admissão. Muito pelo
contrário, é uma atitude até de respeito por seus leitores, fazendo-os uma
espécie de confidentes e de justiça com o mestre. Outros tantos escritores, todavia, omitem
esse detalhe. Porém seus textos, quando submetidos à mais superficial das
análises, refletem escancarada semelhança estilística com os do nosso maior
literato. A vaidade, no entanto, impede-nos de admitir o que é óbvio.
Da minha parte, confesso, até com orgulho, que fui, e
continuo sendo influenciado por tão magnífico mestre. E não apenas na minha
obra ficcional, mas em outros gêneros, como a poesia, a crônica e os tantos
ensaios que escrevo. Pondero, no entanto, que “ser influenciado” não significa
“escrever igual”. Cada escritor tem seu próprio estilo, de acordo com sua
realidade, com sua cultura, temperamento, gosto, personalidade e vai por aí
afora. Ademais, teria que ser um gênio (o que não sou) para escrever, já não
digo igual, mas razoavelmente parecido com Machado de Assis. Além do que,
nenhum escritor sofre influências só de um único grande mestre da Literatura.
Confesso que aprendi muito com inúmeros deles, através das tantas e tantas
leituras que já fiz.
Por exemplo, a todo o momento admito ter sido influenciado
por Jorge Luís Borges. Quando faço tal confissão, não estou exagerando e nem
particularizando. Explico. Isso não quer dizer que ele seja “o” meu modelo, ou
seja, o único, mas que é “um” deles, como também o são Mário Quintana, Fernando
Pessoa, Pablo Neruda, Graciliano Ramos etc.etc.etc. e tantos e tantos e tantos
outros. E, sobretudo... Machado de Assis, sem dúvida. Qual dos citados (e dos
milhares que sequer nomeei) me influenciou mais? É uma avaliação impossível (e
ademais desnecessária) de fazer. Até porque, muito dessas influências tem
caráter exclusivamente subconsciente. Ou seja, nem eu sou capaz de identificar
em que aspecto fui influenciado, e por quem, embora tenha convicção de ter sido.
Com Machado de Assis aprendi, por exemplo, que não há nada
de errado em fazer dos textos, não importa se ficcionais ou não, diálogo com o
leitor, mesmo que apenas monologando. O curioso é que a grande maioria dos
manuais de redação não somente não recomendam esse procedimento, como
consideram-no “deficiência de estilo”. Ou seja, algo que o redator não deve
fazer. Ora, ora, ora. Nesse aspecto, vivi, inclusive, uma experiência que me
fez adotar maior cautela sobre o que alguns teóricos tentam nos transmitir.
Há alguns anos, quando mal começava a empreender meus
primeiros “rabiscos” literários (pelo menos eu julgava que o fossem), sonhando
em me tornar escritor, decidi fazer um desses tantos cursos de redação, em
busca de um estilo próprio que ainda não tinha. Não nego que, em termos
formais, de organização dos textos, aprendi alguma coisa nessas aulas. Todavia,
em certa ocasião veio à baila essa questão referente a se o redator deve ou não
“conversar” com o leitor, como se este estivesse cara a cara com ele. O
professor disse (baseado em não sei o que) que esse procedimento era impróprio,
incorreto e, portanto, errado e que arruinava um bom texto.
Por coincidência, nessa mesma ocasião eu estava lendo, pela
primeira vez, o romance “Dom Casmurro”, de Machado de Assis (que reli “n”
vezes). E o que encontrei nele, desde o primeiro capítulo? Exatamente o tal
diálogo do autor com o leitor, que o mestre do tal curso de redação dizia ser
inadequado e condenável. A partir desse dia, resolvi deixar de freqüentar as
aulas. Sabem por que? Porque fiz o seguinte raciocínio: “Como querem me ensinar
que é errado o recurso que o maior escritor brasileiro de todos os tempos
utilizou com tamanha freqüência?!!!! Em quem acreditar? No professor do curso
de redação ou em Machado de Assis? Nem é preciso revelar a conclusão a que
cheguei, não é mesmo?
Claro que essa não foi a única influência que recebi do
Bruxo do Cosme Velho. Aprendi com ele, por exemplo, o valor de ser eclético, de
aprender (e aplicar) tudo o que me fosse possível. Aprendi, na poesia, a
valorizar, sobretudo, a reflexão, o sentimento, a emoção em vez de centralizar
meus poemas na descrição, com uso e abuso de uma enxurrada de metáforas, muitas
das quais incabíveis e até surreais. Aprendi, na criação de personagens, não me
restringir a descrever seu aspecto físico e sua indumentária e nem em me
limitar a narrar suas ações e conseqüências, mas voltar-me para seu interior e
revelar o que pensam, o que sentem e as motivações de cada um de seus atos.
Aprendi que a ironia (recurso de dificílimo manejo), quando inteligente, sutil
e não agressiva, é expediente imbatível para criticar tudo o que considere
errado. Foram tantas as coisas que aprendi com Machado de Assis que seria
necessário todo um tratado para nomeá-las uma a uma e, mesmo assim, faltaria
uma infinidade delas por não lembrá-las
todas.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
O que admiramos, mais facilmente nos influencia. No meu caso não sei dizer qual autor me influenciou mais, até por não ler tantos livros de um único autor. Percebo porém, que no começo, eu, por admiração e leitura muito intensiva (de cabo a rabo durante 30 anos) seguia de perto o manual de redação da Veja.
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