Roberto Carlos e sua estupidez
* Por
Urariano Mota
Não vou aqui recorrer ao recurso da paródia da canção do Rei, nem mesmo
aos versos “que no mundo não há mais lugar / pra quem toma decisões na vida
sem pensar”. Não. Os argumentos dos compositores do Procure Saber contra as
biografias sem autorização têm sido um desastre danoso de danação, sem precisar
de paródia ou ironia. Artistas essenciais da música brasileira como Chico
Buarque, Caetano Veloso, Djavan, Milton Nascimento e, por vizinhança da companhia,
o Rei Roberto e Erasmo Carlos, quanto mais falam mais afundam em areia
movediça. Quanto mais se revolvem no pântano, na lama, mais se perdem nos
últimos anos das suas vidas.
Eles não precisavam deste presente e desonroso capítulo. Mas Roberto
Carlos, talvez em razão da sua majestade, cometeu no último domingo a mais
expressiva decadência do grupo. O Procure Saber pode agora dispensar Paula
Lavigne para ser mais irrefletido, inculto e estúpido. O Rei fala melhor por
eles, como
nestes momentos da entrevista a Renata Vasconcellos:
“Roberto Carlos: O biógrafo também pesquisa uma história que
está feita. Que está feita pelo biografado. Então ele na verdade ele não cria
uma história. Ele faz um trabalho e narra aquela história que não é dele. Que é
do biografado. E partir do que ele escreve, ele passa a ser dono da história. E
isso não é certo.
Renata: Por uma
questão também comercial?
Roberto Carlos: Por
tudo...”.
Amigos, é de causar surpresa, e surpresa muito ruim, descobrir a
profunda ignorância de artistas da música popular sobre o próprio ofício, sobre
a própria condição da arte. Criadores, até como um dever de casa, deveriam
investigar mais as razões do seu modo de ser no mundo. Mas não. Na entrevista
ao Fantástico, Roberto Carlos é de um primarismo absoluto ao declarar a crença
de que a sua história já está feita. Ou, no caso das biografias, que a história
dele já está feita por eles. Engano. Ele quis dizer - e não soube como - que os
anos foram vividos por ele. O que já seria uma burrice, pois os que estivemos
nesse mesmo tempo somos parte legítima para contá-la. Ou em frase mais clara: a
história da vida de um homem, mesmo que de um pop star, de um semideus, será
feita por quem contá-la. Elementar. A vida será contada a partir de fatos que
foram vividos não apenas pelo biografado. Nesse particular sentido, a história
de uma pessoa está sempre a ser recontada. O fato, mesmo, é que ao lado da
ignorância de Roberto Carlos se encontra algo mais palpável: é grana, é
dinheiro, é moeda. Ele e os demais compositores querem faturar o restinho das
suas vidas com os subprodutos, como se fosse uma utilização total de um boi,
que eles creem ser subprodutos, espécie de aproveitamento de ossos de um
açougue para a sopa. Ah, não, a venda dos ossos é minha. Ou para sair da
metáfora de matadouro bovino: os compositores avançam sobre a venda de direitos
da “sua” história para o cinema e a televisão.
E disse mais Roberto Carlos à repórter do Fantástico, entre pausas e
sorrisos na máscara de maquiagem que envergonhada cobre os muitos anos no
rosto:
“Roberto Carlos: Eu estou
escrevendo a minha história. E informando muito mais a essas pessoas sobre a
minha vida, sobre as minhas coisas, muito mais do que qualquer outra fonte.
Renata: Quem
escreveria a biografia do Roberto Carlos com as bênçãos do Rei?
Roberto Carlos: Eu.
Detalhes que com certeza não vão estar em outras biografias... Também não sei
se vai caber num livro só. Talvez dois ou três livros pra escrever toda a minha
história.
Renata: A vida do
Roberto não cabe num livro só.”
Ele próprio, Roberto Carlos, vai escrever a sua autobiografia! Isso é
maravilhoso. Todos sabem que o Rei é incapaz de escrever um simples texto de 3
linhas, mais conhecido pelo nome de bilhete, mas será capaz de escrever uma
longa autobiografia. E em vários volumes, porque a sua vida não cabe em um só
livro. Meu Deus. O seu conhecimento de tempo dramático, de síntese, de montagem
e seleção, de hierarquia de acontecimentos de uma vida, é zero. Por isso ele
conclui, em um esforço de modéstia, que depois de 72 anos a sua vida pode dar 3
volumes. Imaginem se reunir os diários de todas as suas horas até hoje: o mundo
se encherá de livros com os títulos Roberto Carlos 1, Roberto Carlos 2, Roberto
Carlos 3.... infinito.
O vídeo da entrevista de Roberto Carlos está aqui Clique aqui
Para o Rei, o show já terminou. Mas disso ele ainda não tem informação,
conhecimento ou consciência.
*
Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da
redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações
Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici e “Soledad no Recife”. Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao
ensino em colégios brasileiros.
Atitude lamentável do Rei Roberto Carlos, que, infelizmente, quando a lei mudar ocupará boa parte da sua biografia.
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