Viamão: um retrato singular do descaso com as gentes
* Por
Elaine Tavares
Nara Regina foi morar no interior de Viamão, comunidade de Águas Claras,
há pouco mais de um ano. Espaço rural. Algumas casas, pequeno comércio, mas com
os serviços básicos de uma comunidade que já tem mais de sete mil almas: posto
da brigada militar, escola e posto de saúde. Uma fábrica da Ambev atraiu muita
gente e o povoado cresce a cada dia. Mas, o que pode parecer bucólico revela
toda a falta de respeito que uma administração pode ter com o seu povo.
Viamão é o maior município da região metropolitana de Porto Alegre,
maior até que a capital. Tem quase 300 mil habitantes, os quais se espalham
pelo largo território. Uma grande parte vive nas comunidades rurais ou na
periferia. Ainda assim, a prefeitura atua como se cada cidadão de Viamão fosse
filho de Porto Alegre. Pouca coisa se consegue fazer no município e quase
tudo aponta para a capital, fazendo com que as pessoas vivam uma espécie de
calvário por conta de pequenas coisas.
Um exemplo disso é a saúde. Na comunidade de Águas Claras, desde agosto
de 2012 não há médico. Qualquer um que procure o posto de saúde do local vai
ser recebido por uma moça solícita que só sabe dizer: não temos médico, não
temos condições, não temos nada. Nara tem hipertensão e precisa de
acompanhamento sistemático. Cada vez que precisa de uma avaliação precisa pegar
um ônibus e se deslocar até a parada 44, quase na entrada de Porto Alegre, onde
tem um posto central. Isso significa pelo menos uma hora de pé, em ônibus
lotados, que passam em Águas Claras de hora em hora.
Na última quinta-feira ela foi mordida por um cachorro. Com a mão
aberta, correu para o posto. A enfermeira nem sequer olhou o ferimento. “Já
temos médico, mas ele é pediatra, e não está aqui agora. Também não temos a
vacina anti-tetânica nem a anti-rábica. Melhor ir para Viamão”. Com a mão
enrolada numa toalha, sangrando, lá se foi ela para a parada de ônibus.
Quarenta minutos de espera, mais trinta minutos de viagem até o centro de
Viamão. No posto de saúde central tampouco havia vacina. Mandaram para o
hospital, na emergência. Toca esperar mais de duas horas pelo atendimento.
Feito o curativo, a médica anunciou que também o hospital não tinha a vacina.
“Vai até o posto da 44”. Mais quarenta minutos na parada e uns vinte minutos de
viagem. No posto da 44 tampouco tinha a vacina. O único jeito era ir à Porto
Alegre. De novo, mais um tanto na parada de ônibus até um centro de referência
na capital. Cada viagem no ônibus, três reais e vinte de passagem. Já se iam
quase 10 reais.
No Sanatório Partenon, em Porto Alegre, uma única médica se desdobrava
entre o atendimento dos mordidos por cachorro – que eram muitos - e o
plantão no hospital. Um desgaste tremendo para a profissional e para os que
precisam dela. “Tinha que ter um médico são para o atendimento dos mordidos,
mas não tem. Temos de dar jeito”. Toda essa odisseia entre a chegada
no posto de Águas Claras e a volta para casa demorou exatas oito horas. A sorte
da mulher foi que a mordida não lhe arrancou a mão. Ela pode aguentar.
Mas, a pergunta que fica é: como pode um município que tem uma população
rural imensa, logo sujeita a esse tipo de ocorrência (uma mordida de cão ou de
cobra) não ter, em nenhum dos seus postos uma vacina? Como pode um município
empurrar uma demanda para outro sem qualquer prurido? Como pode abandonar sua
população a esse tipo de sacrifício?
Pois esse município assim o faz. O novo prefeito, agora do PSDB, ainda
chegou ao cúmulo de retirar ônibus de circulação, deixando a população rural em
completo abandono. O que já era ruim, ficou pior. Foram retirados horários e os
coletivos que fazem os percursos rurais ficam lotados, colocando em risco a
vida das pessoas. A resposta ao caos veio da forma mais perversa possível. A
prefeitura autorizou as empresas que fazem o transporte intermunicipal a
recolher passageiros. Só que os ônibus que fazem as linhas intermunicipais não
são adequados para transportar pessoas em pé. Os corredores são bem menores e
não há onde se agarrar. É cruel ver aquelas pessoas idosas – um número bem
expressivo – passarem todo o tipo de humilhação e aperto. Uma vergonha!
Nas paradas de ônibus a reclamação é geral, mas, como sempre acontece,
os governantes não estão nem aí. Fazem ouvidos moucos. Eles não usam o
transporte coletivo. Resta ao povo a humilhante espera nos pontos e todo aquele
sofrimento para chegar em casa. Abaixo assinado, protestos, tudo já foi feito e
nada. “A gente tem que ir lá e queimar tudo, só assim eles se mexem”, resmunga
uma mulher , carregada de sacolas. “Estou aqui desde as quatro horas. Já são
cinco e 15 e nada do ônibus”. Ela conta que não pega o intermunicipal
porque a passagem é mais cara. Ou seja. A lógica é clara. A prefeitura tira os
horários dos ônibus urbanos e dá vantagem a dois grupos empresariais de uma só
tacada. Os locais que circulam menos e levam mais gente, e os intermunicipais
que podem lucrar muito mais com os passageiros extras. O povo? Que se arrombe!!!
E assim segue a vida na adorável Viamão... Até que alguém resolva
acordar...
* Jornalista de Florianópolis/SC
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