quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Viamão: um retrato singular do descaso com as gentes

* Por Elaine Tavares

Nara Regina foi morar no interior de Viamão, comunidade de Águas Claras, há pouco mais de um ano. Espaço rural. Algumas casas, pequeno comércio, mas com os serviços básicos de uma comunidade que já tem mais de sete mil almas: posto da brigada militar, escola e posto de saúde. Uma fábrica da Ambev atraiu muita gente e o povoado cresce a cada dia. Mas, o que pode parecer bucólico revela toda a falta de respeito que uma administração pode ter com o seu povo.

Viamão é o maior município da região metropolitana de Porto Alegre, maior até que a capital. Tem quase 300 mil habitantes, os quais se espalham pelo largo território. Uma grande parte vive nas comunidades rurais ou na periferia. Ainda assim, a prefeitura atua como se cada cidadão de Viamão fosse filho de Porto Alegre. Pouca coisa se consegue fazer no município e  quase tudo aponta para a capital, fazendo com que as pessoas vivam uma espécie de calvário por conta de pequenas coisas.

Um exemplo disso é a saúde. Na comunidade de Águas Claras, desde agosto de 2012 não há médico. Qualquer um que procure o posto de saúde do local vai ser recebido por uma moça solícita que só sabe dizer: não temos médico, não temos condições, não temos nada. Nara tem hipertensão e precisa de acompanhamento sistemático. Cada vez que precisa de uma avaliação precisa pegar um ônibus e se deslocar até a parada 44, quase na entrada de Porto Alegre, onde tem um posto central. Isso significa pelo menos uma hora de pé, em ônibus lotados, que passam em Águas Claras de hora em hora.

Na última quinta-feira ela foi mordida por um cachorro. Com a mão aberta, correu para o posto. A enfermeira nem sequer olhou o ferimento. “Já temos médico, mas ele é pediatra, e não está aqui agora. Também não temos a vacina anti-tetânica nem a anti-rábica. Melhor ir para Viamão”. Com a mão enrolada numa toalha, sangrando, lá se foi ela para a parada de ônibus. Quarenta minutos de espera, mais trinta minutos de viagem até o centro de Viamão.  No posto de saúde central tampouco havia vacina. Mandaram para o hospital, na emergência. Toca esperar mais de duas horas pelo atendimento. Feito o curativo, a médica anunciou que também o hospital não tinha a vacina. “Vai até o posto da 44”. Mais quarenta minutos na parada e uns vinte minutos de viagem. No posto da 44 tampouco tinha a vacina. O único jeito era ir à Porto Alegre. De novo, mais um tanto na parada de ônibus até um centro de referência na capital. Cada viagem no ônibus, três reais e vinte de passagem. Já se iam quase 10 reais.

No Sanatório Partenon, em Porto Alegre, uma única médica se desdobrava entre o atendimento dos mordidos por cachorro – que eram muitos  - e o plantão no hospital. Um desgaste tremendo para a profissional e para os que precisam dela. “Tinha que ter um médico são para o atendimento dos mordidos, mas não tem. Temos de dar jeito”. Toda essa odisseia entre a chegada no posto de Águas Claras e a volta para casa demorou exatas oito horas. A sorte da mulher foi que a mordida não lhe arrancou a mão. Ela pode aguentar.

Mas, a pergunta que fica é: como pode um município que tem uma população rural imensa, logo sujeita a esse tipo de ocorrência (uma mordida de cão ou de cobra) não ter, em nenhum dos seus postos uma vacina? Como pode um município empurrar uma demanda para outro sem qualquer prurido? Como pode abandonar sua população a esse tipo de sacrifício?

Pois esse município assim o faz. O novo prefeito, agora do PSDB, ainda chegou ao cúmulo de retirar ônibus de circulação, deixando a população rural em completo abandono. O que já era ruim, ficou pior. Foram retirados horários e os coletivos que fazem os percursos rurais ficam lotados, colocando em risco a vida das pessoas. A resposta ao caos veio da forma mais perversa possível. A prefeitura autorizou as empresas que fazem o transporte intermunicipal a recolher passageiros. Só que os ônibus que fazem as linhas intermunicipais não são adequados para transportar pessoas em pé. Os corredores são bem menores e não há onde se agarrar. É cruel ver aquelas pessoas idosas – um número bem expressivo – passarem todo o tipo de humilhação e aperto. Uma vergonha!

Nas paradas de ônibus a reclamação é geral, mas, como sempre acontece, os governantes não estão nem aí. Fazem ouvidos moucos. Eles não usam o transporte coletivo. Resta ao povo a humilhante espera nos pontos e todo aquele sofrimento para chegar em casa. Abaixo assinado, protestos, tudo já foi feito e nada. “A gente tem que ir lá e queimar tudo, só assim eles se mexem”, resmunga uma mulher , carregada de sacolas. “Estou aqui desde as quatro horas. Já são cinco e 15 e nada do ônibus”.  Ela conta que não pega o intermunicipal porque a passagem é mais cara. Ou seja. A lógica é clara. A prefeitura tira os horários dos ônibus urbanos e dá vantagem a dois grupos empresariais de uma só tacada. Os locais que circulam menos e levam mais gente, e os intermunicipais que podem lucrar muito mais com os passageiros extras. O povo? Que se arrombe!!!

E assim segue a vida na adorável Viamão... Até que alguém resolva acordar...

* Jornalista de Florianópolis/SC    


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