Historiador com talento
de ficcionista
O décimo sexto
integrante (por ordem de publicação) da antologia de contos “Histórias da Bahia”
(Edições GDR, Rio de Janeiro, 1963), que tomei como referência para esta série
de estudos sobre 23 dos principais ficcionistas baianos, é Luiz Henrique Dias Tavares.
Trata-se de um dos intelectuais mais ilustres e reconhecidos entre todos os que
já abordei (e dos que ainda irei abordar) nestas tantas considerações que tenho
a oportunidade de fazer e de partilhar com os leitores. E esse destaque é tanto
na Literatura (regional e nacional), quanto na atividade acadêmica.
Nosso personagem
dedicou décadas e mais décadas de vida á atuação como historiador e como
requisitado professor universitário de História. Neste último caso cito, apenas
para que não pareça que estou exagerando sua importância e seu prestígio, que recebeu,
se não me falha a memória em março de 2007, o título de “doutor honoris causa”
da Universidade Federal da Bahia. Para que o leitor tenha uma idéia da
importância dessa homenagem, basta informar que Luiz Henrique foi, apenas, o
terceiro a ser reconhecido com essa láurea. Os outros dois foram Thabo Mbeki –
ex-presidente da África do Sul e sucessor de Nelson Mandela, de quem foi
companheiro de lutas – e o dramaturgo
Abdias do Nascimento.
Sua dedicação ao
magistério, e à pesquisa histórica não o impediram de ser um dos maiores
escritores da Bahia e do País. Ouso afirmar, até, que seu sucesso literário tem
muito a ver com essas duas atividades correlatas. E ele destacou-se tanto em
ficção (daí integrar a antologia “Histórias da Bahia”), quanto em não-ficção.
No primeiro caso, publicou nove livros – embora só um de contos, mas vários
deles são novelas – com destaque para a mais recente delas, “Nas margens do
leito seco”, datada de 2009. A propósito dela tratarei, em texto separado,
oportunamente, pela sua importância na obra do escritor.
Luiz Henrique Dias
Tavares nasceu em Nazaré, cidade do Recôncavo Baiano, em 25 de janeiro de 1926.
É um dos integrantes da chamada “Geração dos Cadernos da Bahia”, que revelou
magníficos escritores do porte de Vasconcelos Maia, James Amado e José
Pedreira, entre tantos outros. Exerceu, a exemplo de tantos companheiros de
letras, por algum tempo, o jornalismo. Fundou, por exemplo, com Ariovaldo Matos
e Darwin Brandão, a revista “Evolução”, que viria a ser fechada, pelo DIP,
durante a ditadura de Getúlio Vargas, pelo tom crítico e independente que
adotava. Participou de outros movimentos culturais em Salvador, que
influenciaram a cultura e as artes do seu Estado. Um deles foi o “Teatro de
Estudantes”, com Heron de Alencar.
Como se vê, Luiz
Henrique nunca foi aquele tipo de escritor que se restringe a escrever, isolado
em seu gabinete de trabalho, sem contato com o público (embora não haja
demérito algum em quem age dessa maneira). Foi um ativista, no mais legítimo
sentido do termo, e nos campos da política, das artes e da cultura em geral. E,
claro, das letras. Doutorou-se em História em 1961, ano em que assumiu a
cátedra de História do Brasil na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências da
Universidade Federal da Bahia. Na mesma época, lecionou essa mesma disciplina
no principal colégio estadual soteropolitano. Pouco depois, obteve o
pós-doutorado no exterior, na Inglaterra, na renomada University of London.
Foi diretor do Arquivo
Público do Estado e membro do Conselho Estadual de Cultura. Durante anos, foi
cronista do “Jornal da Bahia” e publicou importante livro do gênero, “Moça
sozinha na sala” (Livraria Martins Editora), datado de 1960, tão bom que
obteve, com ele, o Prêmio Carlos de Laet, da Academia Brasileira de Letras do
ano de 1963. A condição de historiador contribuiu muito, em vez de
eventualmente atrapalhar, na narrativa de ficção de Luiz Henrique Dias Tavares.
Muitos dos enredos de seus contos e, sobretudo, de suas novelas, foram fatos
reais, acontecidos mesmo, que ele soube dar o devido tratamento ficcional.
Aliás, ele admitiu isso, em entrevista concedida em 2005, ao afirmar: “Meus
conhecimentos maiores são da história baiana. Então minhas novelas não deixam
de ter uma marca histórica”. Convenhamos, são raros os historiadores que
conseguem promover este “casamento” perfeito entre a ficção e a realidade.
A também historiadora
Patrícia Valim comentou, certa feita, sobre essa facilidade do seu ilustre
colega em “descobrir” nos documentos, aspectos que passam batidos de outros
pesquisadores. Comentando seu livro “Conjuração baiana”, conhecida também como “Revolta
dos Alfaiates”, um dos mais completos já publicados sobre esse episódio da
História do Brasil no Sul do País, ela observou: “Ele (Luiz Henrique) tem muita
sensibilidade para pesquisa em arquivos. É algo que talvez parte da
historiografia sobre a Conjuração não tenha. Ele não vai aos documentos apenas
para comprovar aquilo que já sabe. Quando foi diretor do Arquivo (Público do
Estado), ajudou muito a ampliar a documentação sobre aquele episódio da
história baiana”.
Para não deixar o
leitor no ar, esclareço no que consistiu a tal conjuração. Foi um movimento que
estourou na Bahia em 1798 – pouco depois da Inconfidência Mineira que resultou
no enforcamento de Tiradentes – liderado por alfaiates, que propunha, entre
outras coisas, a emancipação daquele Estado de Portugal e a libertação dos
escravos. Pouca gente sabe que essa revolta popular sequer existiu. Luiz
Henrique, porém, não apenas a trouxe à baila, como detalhou todas suas
circunstâncias e resultados (mais ou menos parecidos com o que se verificou em
Minas Gerais). Voltarei a tratar desse personagem, que conseguiu “casar” ficção
e realidade em sua riquíssima obra ficcional.
Boa leitura.
O Editor
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Dons que se aprimoram com o estudo.
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