quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Velhice não é antiguidade

* Por Mara Narciso

Uma amiga de uma amiga, vendo-me usar uma sandália em estado de nova, várias estações depois do lançamento, disse-me que eu era conservadora, coisa que nunca fui, mas, quem sabe um dia eu serei? Ela queria dizer que eu era cuidadosa, o que é muito diferente. Ainda assim preciso aceitar que sou tradicional, pois a minha casa usa caminho de mesa e eu sou a última pessoa a usar calça com vinco. Preciso me atualizar.

Coisas vão ficando antigas, e nem nos damos conta do tanto de tempo que passou. Após 25 anos, objetos tornam-se fetiches, dizem os entendidos. Tenho alguns poucos aqui, do tempo da minha mãe e avó, mas quando jovem, tinha horror a coisas antigas que eu chamava de velharia, com cheiro de mofo. Tenho asma, e mofo não é o meu forte. Naquela época, meu passado era curto e o futuro parecia imenso. Vi as transformações da tecnologia com alegria. Não seria a primeira e nem mesmo a última a aderir às novidades. Aceitei as mudanças da forma e feitio. As matérias primas foram substituídas de madeira por plástico e de vidro também por plástico e agora vemos o caminho de volta. Nem tudo que é velho é ruim, e nem tudo que é novo é o máximo.

Quando surgiu o videocassete, por exemplo, compramos numa das primeiras levas. Custou 680 dólares, numa época, 1987, em que dólar era caro. Na casa da minha então sogra, já tinha o aparelho há um punhado de anos, mas enfim, chegou o dia de a gente adquirir um. Quem nos vendeu falou que o uso do aparelho era difícil e cobrou para nos dar um curso de como usá-lo, numa tarde (para uma meia dúzia de compradores). Gravar então, só mesmo para pessoas inteligentes, o rapaz afirmou. Não fiz feio, e aprendi logo as três maneiras de fazer isso. Em relação ao aparelho toca-CD, demorei um pouco mais, e sobre o computador, quando minhas irmãs já o usavam há uma meia dúzia de anos, aderi em 2000. Não sou nenhuma pessoa tecnológica, e nem mesmo tenho smartphone, mas também não gosto de ficar para trás. É interessante quando uma tecnologia surge. Pensamos ser coisa passageira e que não vá pegar. Engano. Sendo coisa boa, logo supera a anterior, que vai para aposentadoria compulsória.

Como sou do tempo da TV de um canal só, e com torre repetidora, P& B cheia de chuviscos, gostei desse negócio de TV colorida, depois de vários canais, da TV fechada e fui aderindo, como todos os demais, às novidades, embora não veja TV. Lembro com saudade das boas coisas antigas, mas prefiro as novas. Em relação à idade das pessoas, gosto das novas, muito novas, e até das crianças com sua sinceridade ferina (aprecio), mas, para conversar prefiro aquelas um pouco mais velhas às mais jovens. Entendeu? Quanto a mim, não finjo ser o que não sou. E falo isso com a intenção de me assumir, reduzindo o preconceito contra pessoas mais velhas, especialmente mulheres, que são desvalorizadas por suas congêneres. Estas agem como se nunca fossem envelhecer e se isso vier a ocorrer, pensam que será diferente do que aconteceu com as demais. Caso não morram, envelhecerão. Cada um envelhece de um jeito, sejam os cabelos, a forma física, a pele do rosto e do corpo, a postura e mentalidade. E que as mudanças sejam bem aceitas.

Caso fosse possível congelar a imagem por volta das três décadas, idade em que somos mais bonitos, e a experiência, segurança e sabedoria continuassem a avançar, e as doenças não viessem, seria ótimo, mas não é assim. Somos apenas humanos. A vida avança e o preço cobrado não é barato. Envelheçamos sem medo. De minha parte, quero ficar a cada dia mais velha. A eterna juventude é uma busca vã, especialmente para os que não são jovens. Alguns consideram que a idade de envelhecer seria aos 40, ou aos 50, ou aos 60. O fato é que vamos empurrando o estado de velhice mais para frente. A medicina tem nos ajudado e vamos vivendo cada vez mais. E para quê? Para ficarmos lamentando que o tempo passou? Viver assim é só sofrimento. Melhor avançar sem procurar o consolar-se com auto-indulgências como o uso de eufemismos ridículos como “melhor idade” ou “idade da prata”. Viver é bom, em qualquer época, desde que vivamos em paz conosco e com os outros. Devemos aceitar a nossa história e a dos demais.

É agradável quando sabemos aceitar o que a vida nos toma e o que ela nos dá. Aos perdedores resta-lhes sapatear, debatendo-se numa lama que eles mesmos podem ter cultivado. É possível, ainda assim, levantar-se e fazer de novo, usando o lado bom da experiência anterior. Será sim, muito mais fácil. E o passado está no passado. Melhor deixar por lá os nossos mortos, mesmo os ainda vivos, pois eles não retornarão nunca mais. Pouco importa se ganhei ou se perdi, “o importante é que emoções eu vivi”.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   


2 comentários:

  1. Este seu texto é a versão em prosa da "Oração ao Tempo", do Caetano - esse compositor de destinos e tambor de todos os ritmos. Abraços, Mara.

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    1. Não a conheço, Marcelo, mas em se tratando de quem é o autor, deve ser interessante. Fico lisonjeada pela comparação. O título afugenta e quase ninguém se interessa pelo tema, nem mesmo os velhos, e especialmente eles. Ainda não vi nenhum texto sobre a velhice escrita por um jovem. Quem sabe meu filho se habilite? Obrigada pelo comentário.

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