quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Inundação de esperança


* Por Pedro J. Bondaczuk

A esperança é fidelíssima companheira que nunca nos abandona, nem nos piores momentos e circunstâncias. Impede que venhamos a dar qualquer batalha por perdida – quer seja no amor, no esforço pela sobrevivência ou no empenho por um mundo melhor e mais justo – retemperando nossas forças, reacendendo o brilho e o fogo nos olhos e na alma e nos exortando a prosseguir.

Esperamos neste mundo e em outro que, mesmo que não exista no terreno concreto, passa a existir em nosso coração e mente. Abrimos mão de muita coisa, ao longo da vida, premidos pelas circunstâncias, mas jamais nos separamos dessa companheira dileta e leal, que independe de qualquer lógica ou razão, chamada esperança. E fazemos bem em agir dessa maneira.

Há pessoas, porém, tão desencantadas face aos sofrimentos que têm, aos tropeços que experimentam, aos fracassos que vivenciam e às decepções que colecionam, que asseguram não ter mais nenhuma esperança na vida. Estão erradas, claro. No fundo, bem no âmago de seus corações, escondidinhas, estas ainda se fazem presentes. Não há quem não as acalente, mesmo que secretamente, ou de maneira inconsciente.

Até mesmo os moribundos, que vislumbram o espectro da morte ao seu redor, esperam uma miraculosa reação do seu organismo e a recuperação. Sempre que uma esperança morre, face à dureza da realidade (e isso é bastante comum e até corriqueiro), outra nasce de imediato, silenciosa e até despercebida, porém mais forte e vigorosa.

Gustave Flaubert afirmou, pela boca de um dos seus personagens, que “a recordação é a esperança do avesso. Olha-se para o fundo do poço como se olhou para o alto da torre”. E o romancista francês está coberto de razão. Quando temos esperança, olhamos para o alto, na certeza de que, aquilo que tanto queremos, vai, de fato, acontecer, sendo apenas questão de tempo. Às vezes, nunca acontece. Ainda assim, a sensação que nos fica é das mais doces e promissoras.

Quando recordamos, porém, pensamos em algo que já passou, que aconteceu, que foi bom enquanto durou, mas que se acabou, sem chance de retorno. Considero, pois, a recordação muito mais frustrante e amarga do que a esperança. Mesmo que seja agradável, traz, em si, implícito, um sentimento de perda, de algo irrecuperável. A esperança, por seu turno, por mais louca que seja, nos abstrai da realidade, principalmente quando esta é amarga e dura, e sempre nos serve de bem-vindo consolo.     

Não raro nos desesperamos por pouca coisa, e achamos que, para nós, nada mais faz sentido. Raros são os que sabem lidar bem com pontuais fracassos e eventuais frustrações. Nada como um dia depois do outro! O que conta, mesmo, é a vida que, apesar dos percalços e dos sofrimentos físicos e morais que eventualmente nos imponha, sempre vale a pena. Basta que atentemos para o seu real sentido e sua sublime transcendência.

Concordo com o que diz Érico Veríssimo, através de um dos seus personagens, no romance “Olhai os lírios do campo”: “Olha as estrelas. Sempre há esperança na vida”. Num universo tão imenso – de uma grandiosidade que a nossa mente até é incapaz de abarcar e entender – e embora não passemos, nele, de infinitésima partícula, temos o privilégio de existir. E de ter noção dessa existência. Por pior que seja a nossa situação, a solução para nossos males pode estar próxima, no segundo seguinte..

Cultivar esperanças, portanto, é um hábito saudável. Mas requer algumas cautelas, sem as quais corremos o risco de descambar para frustrações, amarguras, desilusões e profunda infelicidade. Por exemplo, devemos esperar o que seja possível, realizável, factível e alcançável e sem impor prazos para que isso aconteça.

Mas não podemos e nem devemos nos limitar apenas a esperar. Precisamos agir, com prudência e perseverança, no sentido de conseguirmos o que tanto desejamos, já que nada cai prontinho do céu em nosso colo. E, sobretudo, é conveniente que nos previnamos da possibilidade de que o que tanto esperamos não se concretize nunca, para que não nos frustremos.

Nesse caso, nada impede que substituamos uma esperança por outra, adotando, em relação a ela, as mesmas cautelas e cuidados que adotamos em relação à que não se realizou. Fernando Pessoa exorta e adverte a respeito: “Alague seu coração de esperanças, mas não deixe que ele se afogue nelas”.

O ser humano, obra-prima da criação, não foi feito, apenas, para viver um cotidiano tedioso e banal, em um mundo repleto de violência, misérias e injustiças. Todavia, para que alcance a grandeza que lhe foi destinada, para que conquiste a nobreza da qual possui pleno potencial, tem que mudar. Precisa evoluir, e muito, mental, espiritual e comportamentalmente. Tem que dominar seus instintos. Deve exercitar, em toda a sua plenitude, com constância e de forma incansável, a capacidade de amar. Precisa cultivar valores, como a bondade, solidariedade, justiça e fé e exercitá-los no dia a dia, transmitindo-os às novas gerações.

O poeta Mauro Sampaio diz isso de forma sábia e bela, nestes versos do seu poema “Esperança”:

“Um dia
os montes se abaterão aos nossos pés
e levantaremos do chão as estrelas caídas!”.

Compete ao ser humano identificar, valorizar e viver a plena felicidade, que existe, latente, dentro de si. E nunca, em circunstância alguma, guardando as cautelas que realcei acima, abrir mão da esperança. Nunca abra mão da sua, querido leitor!



* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk 



Um comentário:

  1. Neste momento estou num ir e vir do desespero e do brotar de uma nova esperança. Ando oscilando como um traçado de eletrocardiograma. Lá em cima, avisto algo bom, e nos vales perco a esperança temporariamente.

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