segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Convivência com tragédias

A tragédia, às vezes, “elege” determinadas pessoas e marca suas vidas de maneira brutal e irreversível. Já nem me refiro a uma única, que dependendo do seu porte, é terrível (todas elas são, caso contrário não mereceriam essa designação), mas uma sucessão delas. Alguns, compreensivelmente, abatem-se face essas ocorrências trágicas e sequer conseguem reagir. Outros, absorvem esses golpes, sem, no entanto, esquecerem deles. Pudera! Outros, ainda (estes muitíssimo mais raros), principalmente se forem escritores, fazem das tragédias que os afetam matéria-prima de sua literatura. É o caso do escritor uruguaio Horácio Quiroga.

Alguns de seus livros (não sei dizer se publicados ou não no Brasil) são: “El crimen del outro” (1904), as novelas “Los perseguidos” e “Historia de um amor turbio”, ambas em 1908; “Pasado amor” (1916); “Cuentos de La selva” (1918); “Anaconda” (1921); “Uma estación de amor”, “El desierto” (1924); “Los desterrados” (1926) e “Más Allá” (1935)

Sua vida, desde tenra idade, sempre esteve cercada por mortes trágicas, tanto de parentes, quanto de amigos. E a imensa maioria, em decorrência de suicídios. Já li biografias de inúmeras pessoas infelizes, marcadas pela vida, que tiveram inúmeras perdas irreparáveis. Mas o caso de Horácio Quiroga é único. Nunca li ou ouvi histórias sequer remotamente parecidas com as que o envolveram.

Antes, convém apresentá-lo para quem nunca ouviu falar (ou sequer leu qualquer de seus livros) a seu respeito. Horácio Silvestre Quiroga Forteza nasceu na cidade uruguaia de Salto, em 31 de dezembro de 1879. Foi um contista notável, uma espécie de “discípulo” sul-americano de Edgar Alan Poe, já que seus contos se caracterizavam por eventos fantásticos e macabros, na linha do escritor norte-americano tido e havido como o “pai” desse gênero literário. E foi muito bom nisso. Pude constatar isso pessoalmente, na leitura de várias das suas histórias.

Claro que apreciei sua literatura, mas o que me chamou a atenção e me fez escrever sobre ele foi a sucessão de eventos trágicos que o cercaram, e não apenas em um período da sua vida, mas praticamente ao longo dela inteira e até depois dela. Tudo começou quando Quiroga tinha apenas quatro anos de idade, ocasião em que perdeu o pai. Prudêncio Quiroga morreu em conseqüência do disparo da própria arma. A polícia concluiu que se tratou de tiro acidental. Parentes próximos, no entanto, garantem que ele, na verdade, se matou. Essa tragédia já seria suficiente para marcar a vida de qualquer um. Todavia, ela foi, apenas, a primeira, de tantas outras que envolveram seus parentes e até amigos próximos.

Quando o escritor era adolescente (estava com 17 anos), seu padrasto cometeu suicídio. Foi a segunda morte trágica a ocorrer ao seu redor, em seu círculo mais íntimo. A terceira suicida de seu círculo foi sua primeira esposa, Ana Maria Cirês, com quem havia se casado, em 30 de dezembro de 1909. O casamento se realizou um dia antes de Horácio completar trinta anos de idade. Ele conhecera a mulher que se tornaria sua esposa na época em que lecionava literatura na Escola Normal Número 8 de Buenos Aires. Ana, então com 15 anos de idade, era uma adolescente loira, de olhos azuis e bastante reservada. Era sua aluna e ambos se apaixonaram. Foi um escândalo!! Os parentes da garota, sobretudo seus pais, se opuseram a esse relacionamento, mas, finalmente, acabaram por ceder.

Nos primeiros tempos do casamento, que durou sete anos, tudo correu bem. Não tardou, porém, para o casal começar a se desentender. As brigas tornaram-se freqüentes (nessa altura, Quiroga mudara-se para uma propriedade rural do interior da Argentina), embora o casal se gostasse, conforme testemunhas. O relacionamento, porém, deteriorou-se de tal sorte, que Ana Maria, em desespero, deu cabo da própria vida, ingerindo forte dose de veneno. O suicídio ocorreu em 14 de dezembro de 1915, deixando dois filhos pequenos, órfãos, aos cuidados do escritor. É interessante observar que Quiroga relatou, em forma de ficção, os dias finais da esposa em uma de suas melhores novelas, “Passado amor”. Apesar de se tratar de excelente livro, foi um fracasso editorial. Vendeu, somente, reles 50 exemplares.;

Bem, é muita tragédia para uma pessoa só, não é mesmo? Mas não foi a última. Parecia uma maldição. Todas as pessoas que, de alguma forma, se ligavam a ele, findavam por cometer suicídio. Em 1926, dez anos após a morte de Ana Maria, Quiroga conheceu Maria Elena Bravo. Foi na localidade de Vicente Lopez, zona rural de Buenos Aires, onde alugou uma casa de campo. Foi amor à primeira vista, fulminante e forte. Mais uma vez, ele sofreu oposição da família da moça, em virtude da diferença de idade. Afinal, estava com 47 anos e Maria Elena tinha somente 18. Conversa vai, conversa vem, o fato é que os dois se casaram, um ano depois, em 16 de julho de 1927.

Como no caso da primeira esposa, os primeiros anos de casamento foram felizes e harmoniosos. Mas... Antes disso, vários dos amigos íntimos de Horácio morreram e, por trágica coincidência, todos cometeram suicídio. Nem mesmo o ex-presidente uruguaio Baltazar Brum, que foi por muitos anos seu protetor, nomeando-o para várias funções administrativas em seu governo, escapou desse destino. Também cometeu suicídio. Em 1937, o escritor foi diagnosticado com câncer gástrico, bastante avançado e, portanto, incurável. Decidiu, então, antecipar-se à doença. Cometeu suicídio, ingerindo grande dose de cianureto, na madrugada de 18 para 19 de fevereiro de 1937. Estava com 57 anos, completados um mês e meio antes.

Nem assim, com a sua morte, as tragédias envolvendo parentes e amigos, cessaram. Em 1939, por exemplo, sua filha Eglê, do segundo casamento, deu cabo da vida. Em 1954 seu filho Dario também cometeu suicídio. Ufa! Terminou? Não! Ainda havia uma derradeira tragédia, envolvendo pessoas de seu círculo íntimo. Em 1989, sua segunda esposa, Maria Elena, e a segunda filha do casal, conhecida como Pitoca, suicidaram-se.  Nunca conheci outro caso sequer remotamente parecido com este!

Boa leitura.


O Editor

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Um comentário:

  1. Dar cabo a própria vida era rotina. Muito estranho mesmo, posto que na vida real é fato relativamente incomum.

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