Convivência com
tragédias
A tragédia, às vezes, “elege”
determinadas pessoas e marca suas vidas de maneira brutal e irreversível. Já
nem me refiro a uma única, que dependendo do seu porte, é terrível (todas elas
são, caso contrário não mereceriam essa designação), mas uma sucessão delas.
Alguns, compreensivelmente, abatem-se face essas ocorrências trágicas e sequer
conseguem reagir. Outros, absorvem esses golpes, sem, no entanto, esquecerem
deles. Pudera! Outros, ainda (estes muitíssimo mais raros), principalmente se
forem escritores, fazem das tragédias que os afetam matéria-prima de sua
literatura. É o caso do escritor uruguaio Horácio Quiroga.
Alguns de seus livros
(não sei dizer se publicados ou não no Brasil) são: “El crimen del outro”
(1904), as novelas “Los perseguidos” e “Historia de um amor turbio”, ambas em
1908; “Pasado amor” (1916); “Cuentos de La selva” (1918); “Anaconda” (1921); “Uma
estación de amor”, “El desierto” (1924); “Los desterrados” (1926) e “Más Allá”
(1935)
Sua vida, desde tenra
idade, sempre esteve cercada por mortes trágicas, tanto de parentes, quanto de
amigos. E a imensa maioria, em decorrência de suicídios. Já li biografias de
inúmeras pessoas infelizes, marcadas pela vida, que tiveram inúmeras perdas
irreparáveis. Mas o caso de Horácio Quiroga é único. Nunca li ou ouvi histórias
sequer remotamente parecidas com as que o envolveram.
Antes, convém
apresentá-lo para quem nunca ouviu falar (ou sequer leu qualquer de seus
livros) a seu respeito. Horácio Silvestre Quiroga Forteza nasceu na cidade
uruguaia de Salto, em 31 de dezembro de 1879. Foi um contista notável, uma
espécie de “discípulo” sul-americano de Edgar Alan Poe, já que seus contos se
caracterizavam por eventos fantásticos e macabros, na linha do escritor norte-americano
tido e havido como o “pai” desse gênero literário. E foi muito bom nisso. Pude
constatar isso pessoalmente, na leitura de várias das suas histórias.
Claro que apreciei sua
literatura, mas o que me chamou a atenção e me fez escrever sobre ele foi a
sucessão de eventos trágicos que o cercaram, e não apenas em um período da sua
vida, mas praticamente ao longo dela inteira e até depois dela. Tudo começou
quando Quiroga tinha apenas quatro anos de idade, ocasião em que perdeu o pai. Prudêncio
Quiroga morreu em conseqüência do disparo da própria arma. A polícia concluiu
que se tratou de tiro acidental. Parentes próximos, no entanto, garantem que
ele, na verdade, se matou. Essa tragédia já seria suficiente para marcar a vida
de qualquer um. Todavia, ela foi, apenas, a primeira, de tantas outras que
envolveram seus parentes e até amigos próximos.
Quando o escritor era
adolescente (estava com 17 anos), seu padrasto cometeu suicídio. Foi a segunda
morte trágica a ocorrer ao seu redor, em seu círculo mais íntimo. A terceira
suicida de seu círculo foi sua primeira esposa, Ana Maria Cirês, com quem havia
se casado, em 30 de dezembro de 1909. O casamento se realizou um dia antes de
Horácio completar trinta anos de idade. Ele conhecera a mulher que se tornaria
sua esposa na época em que lecionava literatura na Escola Normal Número 8 de
Buenos Aires. Ana, então com 15 anos de idade, era uma adolescente loira, de
olhos azuis e bastante reservada. Era sua aluna e ambos se apaixonaram. Foi um
escândalo!! Os parentes da garota, sobretudo seus pais, se opuseram a esse
relacionamento, mas, finalmente, acabaram por ceder.
Nos primeiros tempos do
casamento, que durou sete anos, tudo correu bem. Não tardou, porém, para o
casal começar a se desentender. As brigas tornaram-se freqüentes (nessa altura,
Quiroga mudara-se para uma propriedade rural do interior da Argentina), embora
o casal se gostasse, conforme testemunhas. O relacionamento, porém,
deteriorou-se de tal sorte, que Ana Maria, em desespero, deu cabo da própria
vida, ingerindo forte dose de veneno. O suicídio ocorreu em 14 de dezembro de
1915, deixando dois filhos pequenos, órfãos, aos cuidados do escritor. É
interessante observar que Quiroga relatou, em forma de ficção, os dias finais
da esposa em uma de suas melhores novelas, “Passado amor”. Apesar de se tratar
de excelente livro, foi um fracasso editorial. Vendeu, somente, reles 50
exemplares.;
Bem, é muita tragédia
para uma pessoa só, não é mesmo? Mas não foi a última. Parecia uma maldição.
Todas as pessoas que, de alguma forma, se ligavam a ele, findavam por cometer
suicídio. Em 1926, dez anos após a morte de Ana Maria, Quiroga conheceu Maria
Elena Bravo. Foi na localidade de Vicente Lopez, zona rural de Buenos Aires,
onde alugou uma casa de campo. Foi amor à primeira vista, fulminante e forte.
Mais uma vez, ele sofreu oposição da família da moça, em virtude da diferença
de idade. Afinal, estava com 47 anos e Maria Elena tinha somente 18. Conversa
vai, conversa vem, o fato é que os dois se casaram, um ano depois, em 16 de
julho de 1927.
Como no caso da
primeira esposa, os primeiros anos de casamento foram felizes e harmoniosos.
Mas... Antes disso, vários dos amigos íntimos de Horácio morreram e, por
trágica coincidência, todos cometeram suicídio. Nem mesmo o ex-presidente
uruguaio Baltazar Brum, que foi por muitos anos seu protetor, nomeando-o para
várias funções administrativas em seu governo, escapou desse destino. Também
cometeu suicídio. Em 1937, o escritor foi diagnosticado com câncer gástrico,
bastante avançado e, portanto, incurável. Decidiu, então, antecipar-se à
doença. Cometeu suicídio, ingerindo grande dose de cianureto, na madrugada de
18 para 19 de fevereiro de 1937. Estava com 57 anos, completados um mês e meio
antes.
Nem assim, com a sua
morte, as tragédias envolvendo parentes e amigos, cessaram. Em 1939, por
exemplo, sua filha Eglê, do segundo casamento, deu cabo da vida. Em 1954 seu
filho Dario também cometeu suicídio. Ufa! Terminou? Não! Ainda havia uma
derradeira tragédia, envolvendo pessoas de seu círculo íntimo. Em 1989, sua
segunda esposa, Maria Elena, e a segunda filha do casal, conhecida como Pitoca,
suicidaram-se. Nunca conheci outro caso
sequer remotamente parecido com este!
Boa leitura.
O Editor
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk.
Dar cabo a própria vida era rotina. Muito estranho mesmo, posto que na vida real é fato relativamente incomum.
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