Empregados
do saber
O
presente século começou com dois sistemas políticos, filosóficos, econômicos e
sociais antagônicos, disputando espaço, palmo a palmo, por meios selvagens e
nada éticos, entre os povos do Planeta: capitalismo e comunismo. Um,
teoricamente, atribuía ao Estado papel secundário, de mero árbitro nas relações
entre as diversas classes sociais e agentes econômicos, deificando, por sua
vez, outra entidade também abstrata, no caso o “mercado”. O outro, por seu
turno, considerando-o verdadeiro “deus”, senhor absoluto de mentes e vontades
das pessoas que pretensamente seriam niveladas por cima, mas que, literalmente,
escravizou multidões. Por isso, ruiu.
Ambos
faliram, só que, enquanto os comunistas já sabem disso – embora chineses,
norte-coreanos e cubanos teimem em negar a evidência – os capitalistas
ortodoxos, rotulados de “selvagens”, ainda não chegaram a essa “descoberta”. O
norte-americano Peter F. Drucker, um dos lançadores da chamada “Terceira Onda”,
vislumbra o surgimento de algo novo na sociedade, uma espécie de redivisão de
papéis, virtual autogestão dos vários setores que a compõem. Em recente trabalho,
ele constatou: “O novo pluralismo da sociedade tem a forma de organizações de
objetivo único, cada uma voltada para uma tarefa social: criação de riquezas,
educação, saúde ou formação de valores ou hábitos da juventude. É totalmente
apolítico”.
Mais
adiante, Drucker explica onde está a diferença dessas entidades com o sistema
capitalista tradicional. Escreve: “As novas instituições não são baseadas no
poder e sim na ‘função’. Entretanto, embora não políticas – aliás, apolíticas –
cada uma tem que possuir considerável grau de poder sobre as pessoas – poder de
contratar, de colocar, de transferir, de demitir, poder de atribuir tarefas, de
estabelecer padrões de funcionamento, de manter a disciplina e de fiscalizar as
horas de serviço. Cada vez mais essas instituições proporcionam às pessoas nos
países desenvolvidos meios de subsistência, profissões e oportunidade para
contribuírem, serem bem-sucedidas e produtivas”.
Este
novo sistema, tão recente que os sociólogos e cientistas políticos sequer
tiveram tempo, ainda, de rotular, já finca raízes, inclusive em países mais
organizados do Terceiro Mundo (poucos), embora enfrentando as dificuldades
naturais neles existentes, como suas oligarquias e elites aferradas ao poder a
qualquer custo. Drucker, no texto mencionado, avança mais detalhes sobre esse
fenômeno e classifica essa sociedade emergente de “empregados do saber”. E
detalha: “Não são nem explorados, nem exploradores, que individualmente não são
capitalistas, mas que, coletivamente, possuem os meios de produção através de
seus fundos de pensão para a compra de títulos, e suas poupanças; que são
subordinadas, mas também muitas vezes patrões. São pessoas ao mesmo tempo
independentes e dependentes. Têm mobilidade, mas também precisam de acesso a
alguma organização – como consultores senão como empregados – para demonstrar
qualquer eficiência”.
Esclareço,
todavia, que o conceito de “terceira onda” não é propriamente de Peter Drucker.
Foi lançado por Alvin Tofler, que escreveu, em 1980, um bem sucedido livro, com
este título, que é, ainda hoje, retumbante best-seller mundial. Para que o
leitor tenha uma idéia do sucesso dessa obra, informo que apenas sua versão em
língua portuguesa já está na 31ª edição, publicada, bem recentemente (em 2012)
pela Editora Record. E tudo indica que não vá parar por aí. Trata-se de um bem
urdido ensaio, com as previsões do autor sobre uma sociedade pós-moderna, que
no seu entender irá caracterizar a maior parte deste século XXI.
E
quais foram as duas “ondas” anteriores, na visão de Tofler? Foram,
respectivamente, a “revolução agrícola” e as modificações ocorridas na
sociedade mundial em decorrência da “revolução industrial”. No seu entender,
porém, a terceira onda – que é como denomina esta “Era da Comunicação” – já
convive com uma quarta, a “relacionada à sustentabilidade e ao meio ambiente”,
que tende a sucedê-la no médio prazo. Por enquanto, ambas conviverão
harmoniosamente, no entender de Tofler.
Na
terceira onda, mente, informação e alta tecnologia constituem o capital
essencial das corporações. Todavia, para o autor dessa tese, uma empresa
somente obterá sucesso, neste século XXI, caso adote práticas de
sustentabilidade e se preocupe com a sociedade (educando-a, mantendo-a segura e
saudável e redistribuindo renda) e com o meio ambiente, produzindo sem
depredar, desperdiçar recursos não renováveis e nem poluir o ar e as águas.
Tomara que esteja certo. Afinal, o Planeta já não suporta mais tantas
agressões, tamanha poluição e o absurdo desperdício atual. A natureza está
prontinha para reagir, reação esta que pode, até, redundar na extinção da nossa
espécie ou, na melhor das hipóteses, selar o fim da civilização, tal como a
concebemos.
As
idéias de Drucker, pode-se concluir, têm tudo a ver com a “terceira onda”. E a
porta de acesso a esse novo sistema, evidentemente, é a educação universal, a
formação profissional, a informação farta e precisa, que os povos do Terceiro
Mundo, evidentemente, não dispõem, não, pelo menos, para todos. Daí, mais uma
vez, por omissão das suas elites – ou talvez proposital, quem sabe – parte
considerável da humanidade (ouso dizer que dois terços dela) estar em vias de
permanecer à margem do progresso, do bem-estar e da própria civilização.
Concluo
que a informação tende a ser a verdadeira “riqueza” deste século XXI. Só tenho
dúvidas se nós, escritores, seus geradores por excelência, com a nossa
criatividade e capacidade de análise, seremos, finalmente, valorizados ou se
tudo “continuará como antes no quartel de Abrantes”. Hoje, mesmo que rotulados
de “empregados do saber” somos, na verdade (e infelizmente) “escravos” dele.
Temo, pois, que tenha a resposta exata para essa questão e que esta não seja
nada alvissareira para nós. Enfim... não custa sonhar.
Boa
leitura.
O
Editor
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