sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Breve homenagem ao maestro José Menezes

* Por Urariano Mota

Passei a manhã escrevendo para um futuro dicionário sobre a cidade do Recife. Depois, ao começar esta coluna, fui surpreendido pela notícia da morte do maestro José Menezes. Tal notícia mudou tudo. José Menezes foi, é compositor de frevos, daqueles de carnaval tão tocados, tocantes e universais, que nem parecem ter autoria.

O que lembrar dele? Quantas vezes nós cantamos, desde aqueles domingos de encontros na casa do Gordo, o frevo Ingratidão? Roucos, arremedávamos “se eu pudesse lhe daria o céu, a terra e o mar. Mandaria pratear toda a avenida, pra ver você passar...”. Ou deveria lembrar os frevos-canções Terceiro Dia, A Casa Cai, Boneca, É Assim?, Brinquedo Bom, É Madrugada, Fogo no Coração, Vai Pegar Fogo, Tá Bom demais e Tá Faltando Alguém? Ou seria melhor Freio a Óleo?

Não sei. Daí que divulgo em primeira mão um trecho do que escrevi hoje sobre carnaval para o futuro Dicionário do Recife, à maneira de homenagem ao compositor de frevos José Menezes:

Já houve um tempo em que o carnaval do Recife era do Recife, somente do Recife, e de mais ninguém ou mais nada. Em outras terras, tão distantes do povo recifense quanto a China deve estar de Pernambuco, em outros lugares também havia carnaval, é claro, o nosso gostoso isolamento não chegava à pretensão de negar os carnavais de outras gentes. Mas o nosso carnaval, o do Recife, já então era “o maior carnaval do mundo”. (Esse exagero pernambucano, uma característica secular, bem merecia mais que um verbete, um livro inteiro entre o cômico e o científico. Sem exagero. )

Com a chegada da televisão, descobrimos que havia carnavais mais caros e luxuosos, como o do Rio de Janeiro. Mas então os mais lúcidos gritaram: “Isso não é carnaval, é desfile”. E possuíam lá sua razão, porque do Rio se mostrava apenas o luxo de Hollywood. O sucesso. Ora, quis uma longa tradição, que descia do conflito entre burguesia e povo, casa-grande e senzala, que o carnaval do Recife era, é ainda, na essência e identidade uma participação popular. Isso queria dizer que em 4 dias, contados do sábado, o carnaval para o povo era melhor que a praia. Era de todos, para todos, sem limite de raça, cor ou classe.

Se na praia os suburbanos iam para ver mulher quase nua sob o sol, sob o cheiro de mar e água salgada, no carnaval era mais: além de mulher seminua à vontade, mais louca e generosa (mas nem tanto para o que sonhavam em fazer com ela), havia música de gerar estouro em multidões (ver Frevo), e mais álcool e mais luzes para a fantasia, que não tinha nome mais próprio para os disfarces imaginados e libertos, na medida dos bolsos dos suburbanos.

Ora, naquele tempo e lugar, o carnaval era do Recife, somente do Recife, do sábado até a terça-feira somente. Mas isso foi, não é mais. Olhem só que coisa mais curiosa, ou como diria um popular mais lido, “que coisa mais evolutiva”: o carnaval do Recife hoje começa em Olinda, e com várias semanas de antecedência. Mas que coisa mais evolutiva, dizemos nós. Isso desde quando? O difícil é apontar com certeza precisa quando essa antecipação em deslocamento de lugar se deu. Sei, e sei pelo que lembro, que isso se deu a partir do crescimento do carnaval de Olinda, que veio com os prefeitos Germano Coelho, José Arnaldo e Luciana Santos. Por um lado, é claro que a manifestação popular cresce a partir de janelas que o poder público lhe abre. E por outro, mostra que esse carnaval quase deslocado se abriu para a juventude estudantil, mais à esquerda, que não podia esperar o começo do frevo no sábado lá no Recife. Assim foi, como uma ansiedade satisfeita pelos jovens, essa antecipação de tempo e lugar.

E o que parecia uma intentona, realizou-se primeiro para a classe média, depois para todos, com a classe média vestindo a fantasia de popular sem camisa. Mas se o carnaval começa mais cedo em Olinda, por que é do Recife? Quem vem de fora não sabe: para o recifense Olinda não é uma cidade, é um grande subúrbio do Recife. Do Alto da Sé, ao ver o marzão azul e o cais do porto do Recife, o recifense fala em silêncio, “o meu coração está lá e cá em dois movimentos”. É um caso claro de bigamia. Por isso nos dizemos que Olinda começa no Recife, entortando a história datada. É que a evolução econômica também muda a história e a geografia. O carnaval do Recife começa todos os anos em Olinda, mais cedo. Mas guarda a sua melhor história nos caboclinhos, nos maracatus, nos clubes, nos blocos líricos do Recife que cantam “se eu pudesse lhe daria o céu, a terra e o mar. Mandaria pratear toda a avenida, pra ver você passar”, e um arrepio corre a multidão.


* Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici e “Soledad no Recife”.  Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao ensino em colégios brasileiros.

Um comentário:

  1. O melhor daquele carnaval é a espontaneidade, a improvisação, o autêntico e o verdadeiro. Até quem pensa não gostar, acaba gostando.

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