Trocar livros é um ato de amor
* Por Mara Narciso
O termo “desapego” se esvaziou, não pela prática, mas pelo mau uso.
Então eu vou de “desprendimento”. Conheço uma mulher, artista plástica como
missão principal, mas com muitos outros predicados, entre eles enaltecer as
qualidades alheias, dar aulas de cerâmica para crianças, fazer vitrais e
mosaicos lindíssimos, entre outras artes. Seu nome é Felicidade Patrocínio, que
mora numa gostosa casa colonial entre árvores e objetos de arte, que já é uma
atração a mais para visitá-la e usufruir da sua conversa útil e agradável. O
desprendimento total, o doar-se sem limites, são características que se
destacam nesta pessoa do bem. Mas para que não fique apenas um elogio a uma
amiga que admiro, vou ao ponto: a abnegação de Felicidade Patrocínio comove e impressiona.
Disse que aprendeu com a mãe e aprendeu muito bem. Como se não bastasse o Clube
de Leitura já com dois anos de existência, no qual mensalmente um professor
mestre ou doutor em literatura apresenta texto técnico e análise crítica de uma
obra conhecida, geralmente um clássico, agora o escambo. Mas sobre o clube,
informado antes qual título será, com um mês de antecedência, o público de
leitores comuns se prepara e aproveita como pode. Quanto ao escambo, neste ano
Felicidade inventou e já fez do primeiro ao terceiro escambo e sebo de livros.
Abre sua casa e dá tudo de si para que o evento aconteça. E por contas própria.
Quem comparece a um acontecimento como este ama os livros desde menino.
E os pais ou professores foram os responsáveis, em sua maioria por este
despertar. Ao chegar com seu livro ou livros debaixo do braço, o passaporte
para entrar, a pessoa recebe um folheto explicando como funcionará a
troca. Por uma questão de justiça, é feita uma equiparação e
valorização dos livros, que são classificados por alguém entendido. É analisado
o tamanho e espessura do livro, o seu estado de conservação, e principalmente
seu título e autor, edições esgotadas, etc. A pessoa recebe uma “moeda de
plástico” colorida de acordo com a classificação do seu livro, e aguarda a
palestra que envolve temas relativos à paixão pelos livros. Ela se dá debaixo
de árvores e entre esculturas, que os presentes não se cansam de fotografar. Ao
lado está a Galeria Ateliê Felicidade Patrocínio onde acontecem aulas de
pintura, cerâmica, Yoga e outras artes, e também são lançados livros,
executam-se peças de teatro e exposições de pinturas, aquarelas, cerâmicas e
demais coisas belas. Um lugar no qual se saboreia arte e aprende-se a usufruir
cada vez melhor desse alimento do espírito.
Após o clube de leitura, como também após o escambo de livros, há no
salão principal uma sessão de comes e bebes (chás, sucos, café, bolos,
biscoitos e salgados) para enlevar o encontro com o entrosamento das pessoas e
troca de informações, ocasião onde florescem amizades entre quem tem muito em
comum, e terá ainda mais.
Desta vez o multi-intelectual Wanderlino Arruda nos falou de modo
informal sua experiência pessoal e seu interesse pelos livros, informando-nos
sobre sua voracidade em lê-los, desde os oito anos de idade. Felicidade nos
mostrou como é difícil aos loucos por livros se desvencilhar dos seus amores,
deixá-los na banca para outro levá-los para casa. Mas ficou bem destacado: o
objetivo do escambo, acompanhado pelo sebo de livros (compra por preços
simbólicos de 1, 2 e 3 reais) não é formar bibliotecas e nem ampliar o número
de títulos em casa, e sim fazer circular livros, que só existem no momento da
leitura e quanto mais gente ler cada volume melhor para todos e para as
árvores. E que não se deixem juntar poeira.
Como das outras vezes, o público compareceu em bom número, doou livros
para o sebo, trocou livros amados e fez amizades. Emociona ver as crianças
trazendo seus pertences e tendo dificuldade em deixá-los. Quando os
pequenos são assim, as pessoas podem notar os braços dos pais lotados de
livros, e nos olhos deles aquele brilho de quem antecipa o prazer de ler. Quem
gosta da leitura sabe que irá se deliciar viajando no pensamento do outro, aproveitando
o conhecimento que o outro tem, e que está ali na sua frente, mostrando seus
mistérios através das letras, meros códigos cheios de segredos. A experiência
da leitura é única, até quando relemos o mesmo livro, pois nesta nova leitura
não seremos os mesmos da primeira experiência, e sim outros leitores, já
modificados pelo prazer de ler. E então, vai um livro aí?
Galeria Ateliê Felicidade Patrocínio, Rua São José, 293ª, Bairro Santo
Expedito, Montes Claros, MG.
*Médica endocrinologista, jornalista
profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
Bela iniciativa, belo exemplo, belo relato. Vida longa ao projeto! Abraços, Mara.
ResponderExcluirÉ bonito ver as pessoas com os olhos brilhando devido aos livros. Que se consiga fazer durar essa iniciativa. Obrigada, Marcelo.
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