segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Núpcias

* Por Daniel Santos

  
Manhã no jardim, a corola da gerbera pulsa. Seu radar emite pólens da mais absoluta urgência. E a resposta não tarda.

De fato, de algum lugar progride o rumor roufenho, quase gutural, do besouro. Expectativas se adensam na véspera do grande encontro e o bater de asas abala tudo o que, até então, se mantinha sutil.

Logo em seguida, por trás da folhagem, ele surge inteiro. Vem xucro, ruivo, estabanado, mas com patinhas de veludo: intui o sítio das delícias onde vai pisar.

Pousa, afinal, cauteloso como um noivo na iminência das núpcias e seus pêlos se eriçam hirsutos, impossíveis já de tanta eletricidade. Ele não resiste a pétalas que se abrem cordiais e com igual gula, sem nada pedir em troca, sem nada obstar.

O besouro se adona, então, da corola. Fricciona-se inteiro na gema dourada até alourar-se como um namorado de domingo, inspira o hálito de oferta que a gerbera desprende, suga a umidade de estames e pistilos. Embriaguez na hora das libações.

Assim, aos poucos, ele se acalma e quase adormece sobre os pólens que vai, em seguida, distribuir pelo jardim.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.

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