Negociação
* Por Rodrigo
Ramazzini
Raul decidiu trocar o carro. A história
de três anos com o automóvel fabricado no final da década de 90 tinha chegado
ao fim. Foi sozinho até uma das revendas de veículos da cidade. Um erro. Nunca
se vai sozinho a uma revendedora de carros fazer negócio. Vira-se presa fácil.
São muitas as artimanhas verbais articuladas durante uma negociação desse tipo
pelos vendedores. Mas, Raul não é santo e também possui os seus “pecadilhos”
automobilísticos.
Chegando lá, foi recepcionado por um
sorridente vendedor. Logo, apareceu um “comentarista automotivo”, meio gordinho
que caminhava com os pés abertos, como os ponteiros de um relógio marcando 10
horas e 10 minutos. Afinal, revenda de carro que se preze precisa ter um
comentarista em sua equipe que avalize a aquisição do cliente. Assim, iniciou a
negociação de Raul para adquirir um novo carro.
- Boa tarde!
- Boa tarde! Luiz, vendedor, prazer!
- Prazer, Raul! Gostaria de dar uma
olhadinha nos carros...
- Fique a vontade, Seu Raul. Procura
algum modelo em especial?
- Quero um carro de um ponto seis para
cima. Já tive um ponto zero, mas não me adaptei...
- Certo! Deixa eu ver... Já sei! Tenho o
modelo certo para o senhor. Tenho certeza que vais gostar. Venha comigo...
Os dois caminharam cerca de 20 metros até
o veículo.
- O que achas desse, Seu Raul? Uma
beleza, né? Um ponto oito, ano dois mil e dez, faz tranquilamente treze quilômetros
em rodovias. Licenciamento e IPVA deste ano pago... Vistoria em dia... Carro
muito inteiro. Muito bom de motor e lataria. Tem direção hidráulica, pneus
novos, ar-condicionado de fábrica, GPS, pintura e bancos originais. Raridade para
esse ano! Faço-o por um bom preço para o senhor!
O comentarista, que até então acompanhava
a dupla de longe, aproximou-se e entrou em ação para cumprir a sua função, disparando
adjetivos para o carro em série:
- Esse carro aí era de mulher! Única
dona. Tirou zero da fábrica e rodou pouco... Podes olhar a quilometragem. Muito
bom mesmo! Eu que estou andando com ele. Estou apaixonado. Até comentei com o
Luiz que, se pudesse, iria ficar com ele para mim de tão bom que é! Pode levar
que não vais te arrepender!
- Sei..., retrucou Raul espiando o
painel do carro para analisar a veracidade da informação.
O vendedor assumiu novamente as rédeas
da conversa, fazendo um questionando direcionado:
- O que achaste? Bonito, né? Vamos
fechar negócio? Aproveita porque já tem um monte de gente interessada neste
veículo, Seu Raul! Uns ficaram de voltar amanhã até...
Raul apreciou o carro. Era bem o modelo
que desejava quando saiu de casa. Inclusive, a cor. Mas, não demonstrou. Era
preciso manter a seriedade em meio à negociação. Por fora, depois de uma
inspeção detalhada, Raul concluíra que o veículo estava impecável. Foi então
que, surgiu o convite.
- Quer dar uma voltinha? Aposto que o
senhor não vai se arrepender...
Incentivado pelo vendedor, Raul resolveu
fazer um Test Drive no veículo.
Retornou quinze minutos depois apaixonado, porém manteve a postura séria. Enfim,
entrou nos detalhes da negociação:
- Quanto?
- Vinte e um mil e quinhentos reais. Uma
barbada! Carro dado. Ainda, financio em quantas parcelas o senhor quiser, com
os juros bem baixos por mês...
- Hum! Aceitas carro no negócio?
- Sim! O do senhor que está lá na rua?
- Isso!
- Posso dar uma olhada?
- Vamos lá...
Os dois caminharam até o carro fora da
revenda. Lá, o vendedor deu duas voltas entorno do veículo e proferiu sua
análise:
- Tem um monte de coisinha para fazer no
teu carro... Um amassadinho na lata que vai sair uns quinhentos reais... Um
pneu mais quinhentos reais...
Enquanto o vendedor descrevia os
problemas encontrados, Raul pensou no que o seu amigo Juca lhe falara, que
vendedor de carro usa uma faixa de moeda própria, que é a moeda quinhentos
reais, pois tudo gira em torno desse valor. A confirmação dessa teoria surgiu a
seguir.
- Seu Raul! Dou sete mil e quinhentos
pelo carro...
Raul, que não é bobo, antes de sair para
negociar, havia olhado o preço médio do seu carro na internet, por meio da
tabela FIPE, e sabia que o valor de venda do modelo do seu automóvel variava em
torno de nove mil reais. Contrapropôs:
- Dá dez nele que fechamos
negócios...
- Bah! Mas, aí o senhor me quebra as
pernas, Seu Raul. Tem um monte de coisinha para fazer no carro. Vou gastar um
monte de saída... Em troca, o senhor vai levar um carro quase zero...
- Então, não tem negócio.
- Posso subir, no máximo, para oito mil.
Se não vou perder dinheiro...
Raul pensou por instante. Tinha
consciência que a avaliação sairia abaixo do mercado. Mas, pechinchar é uma
arte em meio às negociações. Lascou:
- Fecho em oito mil, mas os papéis de
transferência e afins... Ficam por tua conta... E o resto eu financio...
Aceitas?
O vendedor refletiu brevemente e
sentenciou:
- Negócio fechado!
Os dois apertaram as mãos e foram cuidar
da papelada que envolve este tipo de negociação. Na saída da revenda, depois
dos cumprimentos finais e da partida de Raul, em meio a acenos com as mãos, o
comentarista automotivo comentou para o vendedor:
- Finalmente, conseguiste vender aquele
carro. Achei que tinha um sapo enterrado nele. Quase dois meses aqui dentro
parado. Não é possível!
- Pois é...
- Será que não vais te incomodar no
futuro?
- Por quê?
- Por causa daquele probleminha no
motor...
- Nãããããããão! Aquele motor ali roda seis
meses ainda tranquilamente antes de estourar. Daí, quando der a merda, já vai
estar fora de garantia. Há! Há! Há!
- Há! Há! Há!
No outro lado da cidade, enquanto
mostrava o novo carro à esposa, Raul narrava orgulhosamente como saíra ganhando
no negócio.
- Graças a Deus que me livrei daquele
carro. No máximo, em um mês, aquela caixa de marcha começaria a dar problema...
Teria que trocar os pneus... Enfim... Iria gastar um monte para arrumar! Enrabei o cara. Ele ainda avaliou alto o
nosso carro... Achei que daria menos... Agora, é aproveitar o carro novo...
Este é só colocar gasolina e andar. Com certeza, um ano sem se incomodar com
ele!
* Jornalista
e contista gaúcho
A esperteza foi tão grande que engoliu o espertalhão. Ou espertos. Ambos felizes e ambos se ferraram.
ResponderExcluir