sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Negociação

* Por Rodrigo Ramazzini

Raul decidiu trocar o carro. A história de três anos com o automóvel fabricado no final da década de 90 tinha chegado ao fim. Foi sozinho até uma das revendas de veículos da cidade. Um erro. Nunca se vai sozinho a uma revendedora de carros fazer negócio. Vira-se presa fácil. São muitas as artimanhas verbais articuladas durante uma negociação desse tipo pelos vendedores. Mas, Raul não é santo e também possui os seus “pecadilhos” automobilísticos.

Chegando lá, foi recepcionado por um sorridente vendedor. Logo, apareceu um “comentarista automotivo”, meio gordinho que caminhava com os pés abertos, como os ponteiros de um relógio marcando 10 horas e 10 minutos. Afinal, revenda de carro que se preze precisa ter um comentarista em sua equipe que avalize a aquisição do cliente. Assim, iniciou a negociação de Raul para adquirir um novo carro.
- Boa tarde!
- Boa tarde! Luiz, vendedor, prazer!
- Prazer, Raul! Gostaria de dar uma olhadinha nos carros...
- Fique a vontade, Seu Raul. Procura algum modelo em especial?
- Quero um carro de um ponto seis para cima. Já tive um ponto zero, mas não me adaptei...
- Certo! Deixa eu ver... Já sei! Tenho o modelo certo para o senhor. Tenho certeza que vais gostar. Venha comigo...

Os dois caminharam cerca de 20 metros até o veículo.
- O que achas desse, Seu Raul? Uma beleza, né? Um ponto oito, ano dois mil e dez, faz tranquilamente treze quilômetros em rodovias. Licenciamento e IPVA deste ano pago... Vistoria em dia... Carro muito inteiro. Muito bom de motor e lataria. Tem direção hidráulica, pneus novos, ar-condicionado de fábrica, GPS, pintura e bancos originais. Raridade para esse ano! Faço-o por um bom preço para o senhor!

O comentarista, que até então acompanhava a dupla de longe, aproximou-se e entrou em ação para cumprir a sua função, disparando adjetivos para o carro em série:
- Esse carro aí era de mulher! Única dona. Tirou zero da fábrica e rodou pouco... Podes olhar a quilometragem. Muito bom mesmo! Eu que estou andando com ele. Estou apaixonado. Até comentei com o Luiz que, se pudesse, iria ficar com ele para mim de tão bom que é! Pode levar que não vais te arrepender!
- Sei..., retrucou Raul espiando o painel do carro para analisar a veracidade da informação.

O vendedor assumiu novamente as rédeas da conversa, fazendo um questionando direcionado:
- O que achaste? Bonito, né? Vamos fechar negócio? Aproveita porque já tem um monte de gente interessada neste veículo, Seu Raul! Uns ficaram de voltar amanhã até...
  
Raul apreciou o carro. Era bem o modelo que desejava quando saiu de casa. Inclusive, a cor. Mas, não demonstrou. Era preciso manter a seriedade em meio à negociação. Por fora, depois de uma inspeção detalhada, Raul concluíra que o veículo estava impecável. Foi então que, surgiu o convite.
- Quer dar uma voltinha? Aposto que o senhor não vai se arrepender...

Incentivado pelo vendedor, Raul resolveu fazer um Test Drive no veículo. Retornou quinze minutos depois apaixonado, porém manteve a postura séria. Enfim, entrou nos detalhes da negociação:
- Quanto?
- Vinte e um mil e quinhentos reais. Uma barbada! Carro dado. Ainda, financio em quantas parcelas o senhor quiser, com os juros bem baixos por mês...
- Hum! Aceitas carro no negócio?
- Sim! O do senhor que está lá na rua?
- Isso!
- Posso dar uma olhada?
- Vamos lá...

Os dois caminharam até o carro fora da revenda. Lá, o vendedor deu duas voltas entorno do veículo e proferiu sua análise:
- Tem um monte de coisinha para fazer no teu carro... Um amassadinho na lata que vai sair uns quinhentos reais... Um pneu mais quinhentos reais...

Enquanto o vendedor descrevia os problemas encontrados, Raul pensou no que o seu amigo Juca lhe falara, que vendedor de carro usa uma faixa de moeda própria, que é a moeda quinhentos reais, pois tudo gira em torno desse valor. A confirmação dessa teoria surgiu a seguir. 
- Seu Raul! Dou sete mil e quinhentos pelo carro...

Raul, que não é bobo, antes de sair para negociar, havia olhado o preço médio do seu carro na internet, por meio da tabela FIPE, e sabia que o valor de venda do modelo do seu automóvel variava em torno de nove mil reais. Contrapropôs:
- Dá dez nele que fechamos negócios...   
- Bah! Mas, aí o senhor me quebra as pernas, Seu Raul. Tem um monte de coisinha para fazer no carro. Vou gastar um monte de saída... Em troca, o senhor vai levar um carro quase zero...
- Então, não tem negócio.
- Posso subir, no máximo, para oito mil. Se não vou perder dinheiro...

Raul pensou por instante. Tinha consciência que a avaliação sairia abaixo do mercado. Mas, pechinchar é uma arte em meio às negociações. Lascou:
- Fecho em oito mil, mas os papéis de transferência e afins... Ficam por tua conta... E o resto eu financio... Aceitas?

O vendedor refletiu brevemente e sentenciou:
- Negócio fechado!

Os dois apertaram as mãos e foram cuidar da papelada que envolve este tipo de negociação. Na saída da revenda, depois dos cumprimentos finais e da partida de Raul, em meio a acenos com as mãos, o comentarista automotivo comentou para o vendedor:
- Finalmente, conseguiste vender aquele carro. Achei que tinha um sapo enterrado nele. Quase dois meses aqui dentro parado. Não é possível!
- Pois é...
- Será que não vais te incomodar no futuro?
- Por quê?
- Por causa daquele probleminha no motor...
- Nãããããããão! Aquele motor ali roda seis meses ainda tranquilamente antes de estourar. Daí, quando der a merda, já vai estar fora de garantia. Há! Há! Há!
- Há! Há! Há!

No outro lado da cidade, enquanto mostrava o novo carro à esposa, Raul narrava orgulhosamente como saíra ganhando no negócio.
- Graças a Deus que me livrei daquele carro. No máximo, em um mês, aquela caixa de marcha começaria a dar problema... Teria que trocar os pneus... Enfim... Iria gastar um monte para arrumar!  Enrabei o cara. Ele ainda avaliou alto o nosso carro... Achei que daria menos... Agora, é aproveitar o carro novo... Este é só colocar gasolina e andar. Com certeza, um ano sem se incomodar com ele!



* Jornalista e contista gaúcho 

Um comentário:

  1. A esperteza foi tão grande que engoliu o espertalhão. Ou espertos. Ambos felizes e ambos se ferraram.

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