Recomeçar é preciso
* Por Pedro J. Bondaczuk
A vida é caracterizada por um eterno recomeço, com personagens diferentes, dada a efemeridade humana. Nossa espécie é das mais recentes (e mais frágeis) sobre a Terra. Surgiu, por exemplo, 65 milhões de anos após a extinção dos grandes sáurios, principalmente os dinossauros. Fôssemos contemporâneos dessas bestas, e dificilmente estaríamos aqui. Mesmo a Bíblia relata que o homem apenas foi criado depois da existência de todos os outros animais, aves, peixes e vegetais. Em inúmeras ocasiões, a espécie esteve em vias de ser extinta, em decorrência de seus próprios erros ou, principalmente, de cataclismos cósmicos (colisão de cometas, meteoros e meteoritos com o Planeta, mudança do eixo planetário, erupções vulcânicas, terremotos, maremotos, furacões, tornados e outras hecatombes). Apesar de não nos darmos conta em nosso dia a dia, esse perigo permanece e é até maior, posto que o único ser dotado de inteligência na Terra detém o segredo nuclear. A qualquer momento, por razões naturais ou provocadas, tudo pode ir pelos ares, sem que reste qualquer vestígio desse nosso mundinho e de tudo o que ele contém.
Esta geração está escrevendo mais um capítulo da história da humanidade, iniciada quando o primeiro homem tomou consciência de que existia e começou a especular: o que sou? De onde venho? Para onde vou? Por simples que pareçam, essas questões ainda não foram respondidas e provavelmente jamais o serão. Se os episódios que registrarmos, na crônica de nossa passagem pela vida, serão positivos – com a solução dos problemas que atormentam os povos, geram tensões e nos colocam à beira do abismo da própria extinção da espécie e destruição do Planeta –, ou negativos – cujo resultado final tende a ser a tão temida (mas pouco prevenida) catástrofe –, vai depender de circunstâncias e de ações.
É possível, por exemplo, que em mil anos, em 3011, fragmentos deste texto caiam em mãos de arqueólogos, que vão se empenhar para encontrar a "chave" para a sua decifração, como foi o caso de Champolion em relação à "Pedra de Roseta", mediante a qual foi possível ler os hieróglifos com que os egípcios descreveram suas idéias e sua trajetória de progresso, há quatro mil anos. Como a linguagem é dinâmica, é possível (e provável) que todos os idiomas atuais terão sofrido alterações tão profundas, a ponto de, se estivéssemos vivos no próximo milênio, não compreendermos absolutamente nada do seu significado. Provavelmente, até o alfabeto (ou alfabetos, se existirem, como agora, várias línguas) venha (m) a ser outro(s).
Estamos diante de um novo ano, o 12º de um século que promete ser de maravilhas mas ameaça tornar-se de horrores de um milênio de avanços tecnológicos e de progressos nos relacionamentos sociais não intuídos nem pelo mais delirante dos otimistas egípcios, caldeus, babilônios, medo-persas ou gregos, dos tempos, por exemplo, de Sócrates, Platão ou Aristóteles. Quanto às realizações técnicas, é até redundante destacar as maravilhas criadas pelo homem. No comportamento, a escravidão, embora ainda subsista em diversas partes do mundo, ostensiva ou disfarçadamente (estima-se em 200 milhões o número de escravos atualmente), é, pelo menos oficialmente, combatida e inserida nos códigos jurídicos como crime. As mulheres conquistaram seu espaço e as tiranias começam a ser banidas da Terra. E a Justiça substituiu o selvagem "olho por olho..."
O que fizermos, não apenas no correr de 2012, mas do que resta das nossas vidas (quantos anos, ou meses, ou dias, ou horas teremos? Felizmente, ninguém sabe!) pode (ou não) ser determinante para a nossa sobrevivência na memória dos povos no futuro e para a constituição de uma sociedade justa, próspera, equilibrada e solidária, sem famintos, desabrigados, doentes, torturados e excluídos. "A história nunca se repete, a não ser como farsa". Somos muito mais importantes do que pensamos. Ao sabor do acaso, pode surgir, a qualquer momento, uma oportunidade para sairmos do nosso aparente ou verdadeiro ostracismo e marcarmos, para sempre, o nosso nome no coração e na mente das gerações futuras, como Homero, Platão, Cícero, Virgílio ou Ovídio. Ou como Átila, Alarico, Hitler ou Stalin. No primeiro caso, seremos reconhecidos por obras que enriquecerão o acervo cultural da humanidade. No segundo... como predadores, como feras sanguinárias e doentias, maníacos homicidas lembrados com asco e terror.
Nossa vida, também, é um permanente recomeço, do berço à tumba. Nos são concedidas inúmeras oportunidades, pequenas ou grandes, não importa. Do aproveitamento delas vai depender nosso sucesso ou fracasso. Os gregos criaram um mito que ilustra à perfeição o que ocorre conosco: o de Sísifo. Esse herói clássico cometeu um crime intelectual, desafiando os deuses do Olimpo. Como punição, foi condenado a transportar, por toda a eternidade, uma rocha até o topo de um monte. Chegando no alto, no entanto, a pedra voltava a rolar, montanha abaixo, até a base. E Sísifo tinha que recomeçar a lenta e dolorosa subida, através de séculos e séculos sem fim. A espécie humana está condenada, em decorrência da mortalidade dos indivíduos que a compõem, a idêntica sina.
Por mais que nos julguemos racionais, pouco compreendemos. E essa incompreensão é causa dos nossos erros, temores e da nossa infelicidade. Humberto de Campos captou muito bem essa ignorância humana, ao destacar: "Os que envelhecem não compreendem mais o valor das ilusões que perderam; os jovens não dão valor à experiência que não têm. Há dois clímax na vida: o passado e o futuro". O presente é tão rápido, que chega a ser mera abstração. E, no entanto, temos (ou podemos ter se permanecermos vivos) nova oportunidade, a cada ano que começa, a cada mês, a cada semana, a cada dia, a cada hora e a cada segundo que se escoa. Até quando? Só o "relojoeiro", que construiu esse fantástico e preciso "mecanismo" chamado Universo, é que sabe...
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
* Por Pedro J. Bondaczuk
A vida é caracterizada por um eterno recomeço, com personagens diferentes, dada a efemeridade humana. Nossa espécie é das mais recentes (e mais frágeis) sobre a Terra. Surgiu, por exemplo, 65 milhões de anos após a extinção dos grandes sáurios, principalmente os dinossauros. Fôssemos contemporâneos dessas bestas, e dificilmente estaríamos aqui. Mesmo a Bíblia relata que o homem apenas foi criado depois da existência de todos os outros animais, aves, peixes e vegetais. Em inúmeras ocasiões, a espécie esteve em vias de ser extinta, em decorrência de seus próprios erros ou, principalmente, de cataclismos cósmicos (colisão de cometas, meteoros e meteoritos com o Planeta, mudança do eixo planetário, erupções vulcânicas, terremotos, maremotos, furacões, tornados e outras hecatombes). Apesar de não nos darmos conta em nosso dia a dia, esse perigo permanece e é até maior, posto que o único ser dotado de inteligência na Terra detém o segredo nuclear. A qualquer momento, por razões naturais ou provocadas, tudo pode ir pelos ares, sem que reste qualquer vestígio desse nosso mundinho e de tudo o que ele contém.
Esta geração está escrevendo mais um capítulo da história da humanidade, iniciada quando o primeiro homem tomou consciência de que existia e começou a especular: o que sou? De onde venho? Para onde vou? Por simples que pareçam, essas questões ainda não foram respondidas e provavelmente jamais o serão. Se os episódios que registrarmos, na crônica de nossa passagem pela vida, serão positivos – com a solução dos problemas que atormentam os povos, geram tensões e nos colocam à beira do abismo da própria extinção da espécie e destruição do Planeta –, ou negativos – cujo resultado final tende a ser a tão temida (mas pouco prevenida) catástrofe –, vai depender de circunstâncias e de ações.
É possível, por exemplo, que em mil anos, em 3011, fragmentos deste texto caiam em mãos de arqueólogos, que vão se empenhar para encontrar a "chave" para a sua decifração, como foi o caso de Champolion em relação à "Pedra de Roseta", mediante a qual foi possível ler os hieróglifos com que os egípcios descreveram suas idéias e sua trajetória de progresso, há quatro mil anos. Como a linguagem é dinâmica, é possível (e provável) que todos os idiomas atuais terão sofrido alterações tão profundas, a ponto de, se estivéssemos vivos no próximo milênio, não compreendermos absolutamente nada do seu significado. Provavelmente, até o alfabeto (ou alfabetos, se existirem, como agora, várias línguas) venha (m) a ser outro(s).
Estamos diante de um novo ano, o 12º de um século que promete ser de maravilhas mas ameaça tornar-se de horrores de um milênio de avanços tecnológicos e de progressos nos relacionamentos sociais não intuídos nem pelo mais delirante dos otimistas egípcios, caldeus, babilônios, medo-persas ou gregos, dos tempos, por exemplo, de Sócrates, Platão ou Aristóteles. Quanto às realizações técnicas, é até redundante destacar as maravilhas criadas pelo homem. No comportamento, a escravidão, embora ainda subsista em diversas partes do mundo, ostensiva ou disfarçadamente (estima-se em 200 milhões o número de escravos atualmente), é, pelo menos oficialmente, combatida e inserida nos códigos jurídicos como crime. As mulheres conquistaram seu espaço e as tiranias começam a ser banidas da Terra. E a Justiça substituiu o selvagem "olho por olho..."
O que fizermos, não apenas no correr de 2012, mas do que resta das nossas vidas (quantos anos, ou meses, ou dias, ou horas teremos? Felizmente, ninguém sabe!) pode (ou não) ser determinante para a nossa sobrevivência na memória dos povos no futuro e para a constituição de uma sociedade justa, próspera, equilibrada e solidária, sem famintos, desabrigados, doentes, torturados e excluídos. "A história nunca se repete, a não ser como farsa". Somos muito mais importantes do que pensamos. Ao sabor do acaso, pode surgir, a qualquer momento, uma oportunidade para sairmos do nosso aparente ou verdadeiro ostracismo e marcarmos, para sempre, o nosso nome no coração e na mente das gerações futuras, como Homero, Platão, Cícero, Virgílio ou Ovídio. Ou como Átila, Alarico, Hitler ou Stalin. No primeiro caso, seremos reconhecidos por obras que enriquecerão o acervo cultural da humanidade. No segundo... como predadores, como feras sanguinárias e doentias, maníacos homicidas lembrados com asco e terror.
Nossa vida, também, é um permanente recomeço, do berço à tumba. Nos são concedidas inúmeras oportunidades, pequenas ou grandes, não importa. Do aproveitamento delas vai depender nosso sucesso ou fracasso. Os gregos criaram um mito que ilustra à perfeição o que ocorre conosco: o de Sísifo. Esse herói clássico cometeu um crime intelectual, desafiando os deuses do Olimpo. Como punição, foi condenado a transportar, por toda a eternidade, uma rocha até o topo de um monte. Chegando no alto, no entanto, a pedra voltava a rolar, montanha abaixo, até a base. E Sísifo tinha que recomeçar a lenta e dolorosa subida, através de séculos e séculos sem fim. A espécie humana está condenada, em decorrência da mortalidade dos indivíduos que a compõem, a idêntica sina.
Por mais que nos julguemos racionais, pouco compreendemos. E essa incompreensão é causa dos nossos erros, temores e da nossa infelicidade. Humberto de Campos captou muito bem essa ignorância humana, ao destacar: "Os que envelhecem não compreendem mais o valor das ilusões que perderam; os jovens não dão valor à experiência que não têm. Há dois clímax na vida: o passado e o futuro". O presente é tão rápido, que chega a ser mera abstração. E, no entanto, temos (ou podemos ter se permanecermos vivos) nova oportunidade, a cada ano que começa, a cada mês, a cada semana, a cada dia, a cada hora e a cada segundo que se escoa. Até quando? Só o "relojoeiro", que construiu esse fantástico e preciso "mecanismo" chamado Universo, é que sabe...
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
Nem o relojoeiro sabe.
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