quarta-feira, 7 de dezembro de 2011



Não deixe que escrevam seu epitáfio...

* Por Gustavo Pilizari


Lá, do alto da escarpa, partículas espumantes de um véu sedoso emanavam, resquícios de um fog denso, iniciado nas beiradas da madrugada...
- Não há como não sermos o que somos sem sermos o que os outros são -, balbucia frouxamente alguém de cachecol solitário na pradaria úmida, período posterior a neve derretida, caída feito pluma na tarde última...
(o jardim de trás da velha casa, deixada anos antes pelo último morador, que hoje encontra-se apenas como epitáfio enegrecido pelas horas, está apenas com finos longos tortos caules que indiciam a exuberância de outrora)...
De muros altos, encardidos de um bolor penetrante; assim é feita a fachada do cemitério. “Descanse em paz” é a última sentença daqueles indivíduos que não dispuseram de tempo para escolher suas últimas palavras para deixar aos outros (na verdade, muitos não se incomodam com seus epitáfios, postergam aos vivos a causa de apenas fixar, acima de seus ombros, uma medíocre placa com tal inscrição já decorada e copiada: “Descanse em Paz”)...
Chopin nos arrebata do eixo com sua ode Tristesse... Sua Marcha Fúnebre é uma nênia a nos carregar à plataforma da mudez e da paralisação temporal. Sema (túmulo) e soma (corpo) serão um nada vastamente grandioso... Não importará o quanto tenhamos caminhado, o quanto tenhamos aberto de sendeiros nesta planície; um dia, um belo dia, todos seremos serenamente chamados a nos situarmos num espaço insignificante... voltaremos, pela primeira vez, a viver em nossos corpos, livres de sentidos, da palavra, dos Mitos e de todos os sintomas inventados e ritualizados pelas mentes vivas...
Cabe aqui, trecho do ultrassensível-aterrorizante-verdadeiro valor da vida tecido em palavras... Ah! As palavras que me tornam a ser o que nunca fui e sou sempre!
Nadine Stair, em seu poema Instantes, escreveu:
“Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais. Seria mais tolo ainda do que tenho sido (...). Seria menos higiênico. Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria mais rios. Iria a mais lugares onde nunca fui, tomaria mais sorvete e menos lentilha, teria mais problemas reais e menos imaginários. Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata e produtivamente cada minuto da sua vida. Claro que tive momentos de alegria. Mas, se pudesse voltar a viver, trataria de ter somente bons momentos. Porque, se não sabem, disso é feito a vida: só de momentos – não percas o agora. Eu era um desses que nunca ia a parte alguma sem um termômetro, uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um paraquedas; se voltasse a viver, viajaria mais leve. Se eu pudesse voltar a viver, começaria a andar descalço no começo da primavera e continuaria assim até o fim do outono. Daria mais voltas na minha rua, contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças, se tivesse outra vez uma vida pela frente. Mas, já viram, tenho 85 anos e sei que estou morrendo”.
E, delicadamente, alguém com seus dedos, retira o pó da inscrição...


• Jornalista, mestre em Comunicação pela Unimar

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