O retrato de Sibonei
* Por Talis Andrade
(Inspirado em um desenho de Marcos Cordeiro)
Determinaram tudo seria mais fácil
se em lugar de um nome
Sibonei tivesse um número.
A prática se mostrou bastante útil
nos campos de Treblinka e Dachau.
E Sibonei foi marcada
como o ferro marca o gado.
Um único número
para todos os documentos:
certidão de nascimento,
carteiras de motorista,
identidade, CPF,
pis e sus.
Um único número
economiza papel
e tinta.
Um único número
aligeira a burocracia
e facilita a localização de Sibonei
entre as demais jovens da boiada.
Importante para Sibonei,
um único número
evita que seja confundida
com as homônimas que perambulam
desnorteadas pelas ruas e pérgulas.
O número tatuado no braço,
Sibonei não precisa justificar que não é
a que tem cobrança em cartório,
a que foi presa
por falta de decoro
ou por não estar conforme
ao que é conforme.
A polícia tudo sabe
sobre Sibonei:
a herança genética,
os dias férteis,
os pensamentos mais secretos.
A polícia tudo sabe
com um simples toque
em uma tecla do computador.
A polícia tudo sabe.
Basta perguntar pela jovem 04578.
A polícia sabe tanto,
que a imagem de Sibonei
refletida no espelho do quarto
não confere
com o boneco cadastrado.
A polícia sabe tanto,
que o retrato de Sibonei
perante si mesma
não confere
com as informações codificadas.
A polícia sabe mais de Sibonei
do que Sibonei possa imaginar,
o humano entendimento de Sibonei
possa alcançar.
A polícia sabe mais de Sibonei
que o amante.
E que desaponto:
justamente quem se dizia dono
do corpo de Sibonei,
justamente quem acreditava
ter-lhe presa a alma
em uma miniatura cortesã.
A polícia sabe mais de Sibonei
do que o jovem que a criou,
como se tivesse segurado
a mão firme e terna que a desenhou.
A polícia sabe mais de Sibonei
do que o jovem pintor.
O pintor Marcos Cordeiro
que, extasiado pelo corpo de Sibonei,
ao sagrado útero retornou.
* Jornalista, poeta, professor de Jornalismo e Relações Públicas e bacharel em História. Trabalhou em vários dos grandes jornais do Nordeste, como a sucursal pernambucana do “Diário da Noite”, “Jornal do Comércio” (Recife), “Jornal da Semana” (Recife) e “A República” (Natal). Tem 11 livros publicados, entre os quais o recém-lançado “Cavalos da Miragem” (Editora Livro Rápido).
* Por Talis Andrade
(Inspirado em um desenho de Marcos Cordeiro)
Determinaram tudo seria mais fácil
se em lugar de um nome
Sibonei tivesse um número.
A prática se mostrou bastante útil
nos campos de Treblinka e Dachau.
E Sibonei foi marcada
como o ferro marca o gado.
Um único número
para todos os documentos:
certidão de nascimento,
carteiras de motorista,
identidade, CPF,
pis e sus.
Um único número
economiza papel
e tinta.
Um único número
aligeira a burocracia
e facilita a localização de Sibonei
entre as demais jovens da boiada.
Importante para Sibonei,
um único número
evita que seja confundida
com as homônimas que perambulam
desnorteadas pelas ruas e pérgulas.
O número tatuado no braço,
Sibonei não precisa justificar que não é
a que tem cobrança em cartório,
a que foi presa
por falta de decoro
ou por não estar conforme
ao que é conforme.
A polícia tudo sabe
sobre Sibonei:
a herança genética,
os dias férteis,
os pensamentos mais secretos.
A polícia tudo sabe
com um simples toque
em uma tecla do computador.
A polícia tudo sabe.
Basta perguntar pela jovem 04578.
A polícia sabe tanto,
que a imagem de Sibonei
refletida no espelho do quarto
não confere
com o boneco cadastrado.
A polícia sabe tanto,
que o retrato de Sibonei
perante si mesma
não confere
com as informações codificadas.
A polícia sabe mais de Sibonei
do que Sibonei possa imaginar,
o humano entendimento de Sibonei
possa alcançar.
A polícia sabe mais de Sibonei
que o amante.
E que desaponto:
justamente quem se dizia dono
do corpo de Sibonei,
justamente quem acreditava
ter-lhe presa a alma
em uma miniatura cortesã.
A polícia sabe mais de Sibonei
do que o jovem que a criou,
como se tivesse segurado
a mão firme e terna que a desenhou.
A polícia sabe mais de Sibonei
do que o jovem pintor.
O pintor Marcos Cordeiro
que, extasiado pelo corpo de Sibonei,
ao sagrado útero retornou.
* Jornalista, poeta, professor de Jornalismo e Relações Públicas e bacharel em História. Trabalhou em vários dos grandes jornais do Nordeste, como a sucursal pernambucana do “Diário da Noite”, “Jornal do Comércio” (Recife), “Jornal da Semana” (Recife) e “A República” (Natal). Tem 11 livros publicados, entre os quais o recém-lançado “Cavalos da Miragem” (Editora Livro Rápido).
Um passeio vibrante pelas verdades e mentiras de Sibonei.
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