sexta-feira, 2 de setembro de 2011



O lápis

* Por Mário Prata

Sem eletricidade pela manhã e precisando escrever um texto, procurei as canetas. Secas, falhando ou soltando tinta demais, sabe como é? E ali estava um lápis que eu não tenho a menor idéia de como surgiu e há quanto tempo. A ponta apontada.
Comecei a escrever com o lápis. Algumas coisas começaram a acontecer na minha memória e no meu coração. Voltei correndo para o Grupo Escolar D. Henrique Gelain (emérito bispo da diocese de Lins) e comecei a recordar das primeiras letras, ditadas pela dona Gessy Beozzo, no caderno de caligrafia. Senti que a minha mão ainda fluia bem com o lápis. Além de tudo, é higiênico.
Só que a ponta acaba. E foi com uma afiada faca de churrasco que fiz o serviço. Que prazer, gente, fazer a ponta de um lápis. Fiz devagarzinho para não desperdiçar a emoção da minha volta ao passado.
E me lembrei que todos nós começamos a escrever com ele. Mas, ainda com sete anos, o sonho era começar a usar a caneta tinteiro e o mata-borrão. Mas isso era coisa para o pessoal mais velho, do segundo ano, na classe da dona Clara. A caneta era com pena que a gente mergulhava no tinteiro. Voltava imundo para casa. Aí o sonho era a caneta Parker (que eu um dia escrevi aqui Park) que já vinha com tinta que a gente carregava em casa, num mecanismo avançadíssimo.
Depois o sonho foi a Lettera 22, depois a IBM de bolinha (dava para apagar os últimos dígitos errados) e depois veio o computador e agora o sonho é um Pentium 5. E o lápis ficou lá atrás. Só que ele não seca, não acaba e não suja.
Aí me lembrei que existiam uns lápis que tinham uma borrachinha na outra ponta. Para apagar erros. Não resisti, sai e comprei. Não um, mas vários. E, é claro, um apontador. Não aqueles modernos com manivela, de mesa, mas daqueles pequenininhos, que hoje são de plástico transparente. Na minha época não existia plástico. Eles eram de madeira mesmo. Aproveitei e comprei uma caixa de lápis colorida. Trinta e duas cores. Uma lata bonita.
Aí, não tendo mais o que inventar para brincar, resolvi escrever um texto com letra de forma (porque se chama de forma?), escanear e ver se o computador reconhecia o meu texto. Não. Não por culpa dele, mas pela minha letra mesmo que, nestas últimas décadas, dado ao desuso, não apenas o computador não reconhece. Afinal, hoje em dia, além de preencher cheques, para que serve escrever à mão? Como para que serve saber somar ou subtrair se as maquininhas estão aí? Para que serve o curso primário?
É aqui que eu queria chegar. Não adianta o governo testar alunos e professores e universidades. Vai dar sempre zebra. O buraco é bem mais embaixo senhor Ministro da Educação. Vamos voltar ao lápis e ao dois mais dois. Vamos começar pela base. Vamos escrever a lápis. Mesmo porque, se não der certo, a gente apaga e começa de novo.

Crônica publicada no jornal O Estado de São Paulo em 7 de julho de 2004

• Escritor, dramaturgo e jornalista

Um comentário:

  1. Os cheques também estão desaparecendo, e nem neles se escreve à mão. As máquinas os preenchem e apenas a assinatura é feita manualmente. Até quando? Todos temos relação de amor com os lápis. Muita saudade também. Adoro os textos de Mário Prata.

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