Longa jornada para o sucesso
A trajetória de Eugene O’Neill, dos bares ordinários e cafés de quinta categoria que freqüentou, por muitos anos, mundo afora, nos vários lugares por onde passou, para o sucesso, a consagração e a glória, foi uma jornada memorável. Parodiando seu livro mais célebre, foi uma “longa jornada noite adentro”, ou melhor, “vida adentro”.
Nem sempre o mero talento basta para resultados tão espetaculares, como este. Quantos e quantos e quantos escritores talentosos fazem tudo direitinho, escrevem bem, divulgam com competência seus escritos, são criativos e aplicados, no entanto... permanecem anônimos e obscuros. Por que? Diria que por causa das tais circunstâncias, de que o filósofo espanhol, José Ortega y Gasset, tratou tão bem.
Se a vida pessoal de Eugene O’Neill foi marcada por equívocos, por infelicidades e até por tragédias, não se pode dizer o mesmo da sua carreira literária. Suas peças foram (e são até hoje) disputadas por editores e produtores teatrais do mundo todo e raras deixaram (e deixam) de fazer sucesso. Quase todas permaneceram (e ainda permanecem) por anos a fio em cartaz.
Três de suas peças tiveram especial importância, não por serem especificamente melhores, mas por lhe valerem o mais cobiçado prêmio dos Estados Unidos na sua categoria, o Pulitzer. Foram “Beyond the horizon” (Além do horizonte), escrita em 1920 e nesse mesmo ano premiada; “Anna Christie”, história de uma prostituta que se regenera por amor, que O’Neill concluiu em 1921, quando obteve outra premiação e, principalmente, “Strange interlude” (Estranho interlúdio). Esta última foi escrita em 1926 e foi, de todas as suas peças, a que mais dividendos comerciais lhe rendeu. Calcula-se que seu lucro líquido, com essa obra, foi de US$ 200 mil.
Ela permaneceu em cartaz, na Broadway e nas principais praças teatrais do mundo, por vários anos. E, além de tudo, valeu-lhe o terceiro Pulitzer da sua brilhante carreira: o de 1928.
O Prêmio Nobel veio em um período de sua vida em que os críticos murmuravam que o escritor já estava acomodado e não nutria mais ambições. Será? Mesmo que fosse verdade, não seria de se estranhar. Afinal, não é qualquer escritor que conquista três prêmios Pulitzer, quase que em sequência, e vê suas peças brilhando nos mais importantes teatros do mundo.
As loucuras da juventude haviam ficado para trás. Vivia prolongado momento de felicidade pessoal, com um casamento estável com Carlotta, sua terceira mulher. Havia abandonado o álcool, aos 38 anos e nunca mais, até a sua morte, aos 65 anos, voltou a beber. A única coisa que atormentava Eugene O’Neill eram seus “demônios interiores”, as lembranças dos vários conflitos familiares da adolescência e início da maturidade e o sentimento de rejeição, do qual nunca pôde se livrar.
A tragédia dos pais, também, o incomodava muito. Notadamente da mãe, Ella Quinlan, perdida nos delírios da droga, viciada que era em morfina. O pai, por seu turno, nutria profundo complexo de culpa por não ter sido o marido que a esposa (que o adorava) esperava que fosse. E o irmão mais velho, James, havia se tornado alcoólatra incorrigível, vício do qual nunca se livrou e que iria provocar sua morte, ocorrida em 1945.
A velhice de Eugene foi, no mínimo, irônica. Coberto de glórias, não tinha, no entanto, o que sempre desejou na vida: paz de espírito e, sobretudo, afeição. Seus últimos anos de vida foram caracterizados por doenças, certamente causadas pelos excessos cometidos na juventude.
A obra teatral de Eugene O’Neill é das mais vastas e profundas, possivelmente a mais sólida da dramaturgia contemporânea. Entre 1911 e 1914, escreveu quatro peças, que mais tarde renegou, por entender que tinham baixa qualidade. Dessas, apenas a última chegou a ser encenada. As obras renegadas foram: “A wife for life” (Uma esposa para sempre), “The web” (A teia de aranha), “Bound east for Cardiff” (Sede, rumo a leste de Cardiff) e “Fog” (Névoa).
Em 1920, ganhou o primeiro Pulitzer, com “Beyond the horizon”, tendo escrito, ainda, “Chris Christopherson”, “Exorcism”, “Gold”, “Anna Christie” e “Emperor Jones”. No ano seguinte produziu mais três peças: “The first man”, “The fountain” e “The hairy ape”. Em 1922, não acabou nada, mas em 1923 escreveu “Welded” e “All god’s children got wings”.
Os três anos seguintes foram muito produtivos, tendo escrito: “Desire under the elms”, em 1924; “The grat god Brown” e “Marco Millions”, em 1925; e “Strange Interlude” e “Lazarus Laughed”, em 1926. A maior tragédia americana, “Mourning becomes Electra”, O”Neill escreveu em 1931. Em 1933, veio a peça “Days without end”. No ano anterior, havia escrito uma de suas raras comédias, “Ah, wildness!”.
Foi em 1941 que Eugene O’Neill escreveu sua peça atualmente mais conhecida (não necessariamente a melhor), “Long day’s journey into night” (Longa jornada noite adentro). Nela, expressou, e imortalizou, todo o drama que cercou sua vida. Retratou o pai, na figura do personagem James Tyrone; a mãe em Mary, também viciada em drogas, que misturava fantasias e lembranças com a realidade; e o irmão, do qual não se deu o trabalho de sequer mudar o nome.
O personagem que retrata o autor, Edmund, tem o nome de outro irmão, falecido, e que nem chegou a conhecer. A história se passa no curto período entre as 8h30 da manhã à meia-noite de um único dia. Através da memória, fatos da tormentosa vida dos personagens são reconstituídos, nesse curtíssimo espaço de tempo.
Os versos do poema “A despedida”, de Algemon Charles Swinburne, recitados por James ao final do quarto ato, resumem o drama familiar e expressam a maneira com que Eugene O’Neill encarava a vida:
“Levantemo-nos e separemo-nos, ela não saberá.
Vamos até o mar, como os grandes ventos
carregados de areia e de espuma...
De que serve estarmos aqui?
É inútil! Que assim são todas as coisas
e o mundo é amargo como uma lágrima!
E ela não saberá como essas coisas são.
Embora procuremos explicar-lhas”.
A primeira encenação de “Longa jornada noite adentro”, no Helen Hayes Theatre de Nova York, ocorreu em 1956. Contrariou-se, dessa forma, a vontade de Eugene O’Neil, que havia deixado instruções explícitas para que a peça fosse divulgada e representada só vinte e cinco anos após sua morte. Foi montada, todavia, após apenas três anos do desaparecimento desse escritor controvertido, mas genial, que soube fazer das desventuras de sua vida a matéria-prima de seu retumbante e invejável sucesso literário.
Boa leitura.
O Editor.
A trajetória de Eugene O’Neill, dos bares ordinários e cafés de quinta categoria que freqüentou, por muitos anos, mundo afora, nos vários lugares por onde passou, para o sucesso, a consagração e a glória, foi uma jornada memorável. Parodiando seu livro mais célebre, foi uma “longa jornada noite adentro”, ou melhor, “vida adentro”.
Nem sempre o mero talento basta para resultados tão espetaculares, como este. Quantos e quantos e quantos escritores talentosos fazem tudo direitinho, escrevem bem, divulgam com competência seus escritos, são criativos e aplicados, no entanto... permanecem anônimos e obscuros. Por que? Diria que por causa das tais circunstâncias, de que o filósofo espanhol, José Ortega y Gasset, tratou tão bem.
Se a vida pessoal de Eugene O’Neill foi marcada por equívocos, por infelicidades e até por tragédias, não se pode dizer o mesmo da sua carreira literária. Suas peças foram (e são até hoje) disputadas por editores e produtores teatrais do mundo todo e raras deixaram (e deixam) de fazer sucesso. Quase todas permaneceram (e ainda permanecem) por anos a fio em cartaz.
Três de suas peças tiveram especial importância, não por serem especificamente melhores, mas por lhe valerem o mais cobiçado prêmio dos Estados Unidos na sua categoria, o Pulitzer. Foram “Beyond the horizon” (Além do horizonte), escrita em 1920 e nesse mesmo ano premiada; “Anna Christie”, história de uma prostituta que se regenera por amor, que O’Neill concluiu em 1921, quando obteve outra premiação e, principalmente, “Strange interlude” (Estranho interlúdio). Esta última foi escrita em 1926 e foi, de todas as suas peças, a que mais dividendos comerciais lhe rendeu. Calcula-se que seu lucro líquido, com essa obra, foi de US$ 200 mil.
Ela permaneceu em cartaz, na Broadway e nas principais praças teatrais do mundo, por vários anos. E, além de tudo, valeu-lhe o terceiro Pulitzer da sua brilhante carreira: o de 1928.
O Prêmio Nobel veio em um período de sua vida em que os críticos murmuravam que o escritor já estava acomodado e não nutria mais ambições. Será? Mesmo que fosse verdade, não seria de se estranhar. Afinal, não é qualquer escritor que conquista três prêmios Pulitzer, quase que em sequência, e vê suas peças brilhando nos mais importantes teatros do mundo.
As loucuras da juventude haviam ficado para trás. Vivia prolongado momento de felicidade pessoal, com um casamento estável com Carlotta, sua terceira mulher. Havia abandonado o álcool, aos 38 anos e nunca mais, até a sua morte, aos 65 anos, voltou a beber. A única coisa que atormentava Eugene O’Neill eram seus “demônios interiores”, as lembranças dos vários conflitos familiares da adolescência e início da maturidade e o sentimento de rejeição, do qual nunca pôde se livrar.
A tragédia dos pais, também, o incomodava muito. Notadamente da mãe, Ella Quinlan, perdida nos delírios da droga, viciada que era em morfina. O pai, por seu turno, nutria profundo complexo de culpa por não ter sido o marido que a esposa (que o adorava) esperava que fosse. E o irmão mais velho, James, havia se tornado alcoólatra incorrigível, vício do qual nunca se livrou e que iria provocar sua morte, ocorrida em 1945.
A velhice de Eugene foi, no mínimo, irônica. Coberto de glórias, não tinha, no entanto, o que sempre desejou na vida: paz de espírito e, sobretudo, afeição. Seus últimos anos de vida foram caracterizados por doenças, certamente causadas pelos excessos cometidos na juventude.
A obra teatral de Eugene O’Neill é das mais vastas e profundas, possivelmente a mais sólida da dramaturgia contemporânea. Entre 1911 e 1914, escreveu quatro peças, que mais tarde renegou, por entender que tinham baixa qualidade. Dessas, apenas a última chegou a ser encenada. As obras renegadas foram: “A wife for life” (Uma esposa para sempre), “The web” (A teia de aranha), “Bound east for Cardiff” (Sede, rumo a leste de Cardiff) e “Fog” (Névoa).
Em 1920, ganhou o primeiro Pulitzer, com “Beyond the horizon”, tendo escrito, ainda, “Chris Christopherson”, “Exorcism”, “Gold”, “Anna Christie” e “Emperor Jones”. No ano seguinte produziu mais três peças: “The first man”, “The fountain” e “The hairy ape”. Em 1922, não acabou nada, mas em 1923 escreveu “Welded” e “All god’s children got wings”.
Os três anos seguintes foram muito produtivos, tendo escrito: “Desire under the elms”, em 1924; “The grat god Brown” e “Marco Millions”, em 1925; e “Strange Interlude” e “Lazarus Laughed”, em 1926. A maior tragédia americana, “Mourning becomes Electra”, O”Neill escreveu em 1931. Em 1933, veio a peça “Days without end”. No ano anterior, havia escrito uma de suas raras comédias, “Ah, wildness!”.
Foi em 1941 que Eugene O’Neill escreveu sua peça atualmente mais conhecida (não necessariamente a melhor), “Long day’s journey into night” (Longa jornada noite adentro). Nela, expressou, e imortalizou, todo o drama que cercou sua vida. Retratou o pai, na figura do personagem James Tyrone; a mãe em Mary, também viciada em drogas, que misturava fantasias e lembranças com a realidade; e o irmão, do qual não se deu o trabalho de sequer mudar o nome.
O personagem que retrata o autor, Edmund, tem o nome de outro irmão, falecido, e que nem chegou a conhecer. A história se passa no curto período entre as 8h30 da manhã à meia-noite de um único dia. Através da memória, fatos da tormentosa vida dos personagens são reconstituídos, nesse curtíssimo espaço de tempo.
Os versos do poema “A despedida”, de Algemon Charles Swinburne, recitados por James ao final do quarto ato, resumem o drama familiar e expressam a maneira com que Eugene O’Neill encarava a vida:
“Levantemo-nos e separemo-nos, ela não saberá.
Vamos até o mar, como os grandes ventos
carregados de areia e de espuma...
De que serve estarmos aqui?
É inútil! Que assim são todas as coisas
e o mundo é amargo como uma lágrima!
E ela não saberá como essas coisas são.
Embora procuremos explicar-lhas”.
A primeira encenação de “Longa jornada noite adentro”, no Helen Hayes Theatre de Nova York, ocorreu em 1956. Contrariou-se, dessa forma, a vontade de Eugene O’Neil, que havia deixado instruções explícitas para que a peça fosse divulgada e representada só vinte e cinco anos após sua morte. Foi montada, todavia, após apenas três anos do desaparecimento desse escritor controvertido, mas genial, que soube fazer das desventuras de sua vida a matéria-prima de seu retumbante e invejável sucesso literário.
Boa leitura.
O Editor.
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O material pessoal dá ao autor uma grande autonomia e a segurança de falar do que entende.
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