terça-feira, 6 de setembro de 2011



Crônica e bom-humor

A crônica tem, por definição, como principais características, a abordagem de temas triviais do cotidiano, a leveza do texto e principalmente o bom humor. Um cronista sisudo e bilioso não faz sequer para o cafezinho. Não é o caso do jornalista Pedro Fávaro Júnior, em seu livro "Para o Sonho Não Escapar", que traz reminiscências do autor e é retrato fiel, de corpo inteiro, da vida, como ela de fato é. Ou seja, engraçada, às vezes; trágica, em tantas outras ocasiões; aparentemente rotineira; mas sempre válida, como a máxima dádiva de Deus e que tantas pessoas não sabem aproveitar (e nem valorizar ou às vezes sequer identificar como tal) e que se apressam em "jogar fora", como algo inútil e imprestável.

Aliás, é cada dia mais difícil manter-se bem-humorado e otimista (pelo menos durante um dia inteiro), por uma série de motivos, desde os problemas pessoais, em geral pequenos e sem importância, mas que irritam e desgastam, à própria loucura da chamada "vida moderna", com sua violência, injustiças e contradições, para não falar dos estúpidos pomposos que se julgam "gênios" com quem temos que conviver. Hoje são raros os verdadeiros cronistas na imprensa. Isto que determinados colunistas publicam nos jornais pode ser tudo, menos crônica.

Pedro Fávaro, porém, sem maiores pretensões, como quem não quer nada, atenua a saudade que o leitor de crônicas sente dos grandes mestres do gênero, alguns já não mais entre nós. De um Rubem Braga, de um Paulo Mendes Campos, de um Fernando Sabino (já não tão freqüente quanto antes na imprensa), de um Henrique Pongetti, de um Carlos Drummond de Andrade, de um Vinícius de Moraes ou de um Guilherme de Almeida, os três últimos consagrados poetas, mas que conseguiam prender nossa atenção com sua prosa leve, descontraída, coloquial, aparentemente sem importância, mas de enorme profundidade! Outro nome digno de registro é o de Luís Martins, que por muitos anos nos deliciou com seus trabalhos nas páginas do jornal "O Estado de São Paulo". Ou o de Sérgio Milliet, com suas observações sempre úteis sobre livros e escritores.

Hoje em dia, confunde-se bom humor com escracho. Ainda se soubessem explorar essa veia, vá lá . Mas não sabem. Estão muitíssimo longe de Sérgio Porto, o saudoso Stanislaw Ponte Preta, que com sua irreverência fazia a delícia dos leitores da extinta "Última Hora", nos anos 60. Deve-se, por questão de justiça, abrir uma exceção para Luís Fernando Veríssimo, que é ótimo. Ou para o sempre "jovem" Millôr Fernandes. No mais... Falta elegância e até mesmo estilo para os que se julgam cronistas e que, talvez por preguiça dos editores em procurar algo melhor para publicar, ou por "lobby" dos autores, têm colunas fixas à sua disposição nos jornais de grande circulação. Não confundir com articulistas. Estes há ótimos.

Cronista com "C" maiúsculo --- provavelmente o mestre de todos --- foi nosso genial Machado de Assis. É possível que o norte-americano Samuel Clemens, cujo pseudônimo literário (com o qual se consagrou) era Mark Twain, viesse a ser um bamba do gênero se houvesse enveredado por ele. Há tiradas geniais do autor de "As Aventuras de Tom Sawyer", "As Aventuras de Huckleberry Finn" e tantas outras obras imortais, citadas como livros para a juventude, mas que o são para todas as idades. Esse sim tem texto atraente, gostoso, instigante e que desperta a empatia do leitor, ao qual acumplicia. E era de uma irreverência deliciosa. Não tinha tema que considerasse tabu.

O livro de Pedro Fávaro, no entanto, resgata esses grandes mestres. É construtivo, é instrutivo, é criativo: desde o título e o desenho da capa, ou seja, grades para evitar que as ilusões mais deliciosas que um ser humano pode experimentar, "os sonhos", escapem e se percam na mesmice e na mediocridade do dia-a-dia de pessoas que desperdiçam de tudo, principalmente o bem mais precioso que possuem: a vida.

São textos para se ler de um só fôlego, deliciando-se com as histórias: muitas divertidas, outras pungentes. Muitas sentimentais, outras de um realismo cru, que só o jornalista experiente consegue passar para o leitor. É um livro, sobretudo, para "curtir" as reminiscências do autor, parte das quais, mudando-se os cenários e um ou outro personagem, são as mesmas de todos nós. Contêm os mesmos ingredientes básicos que nos acompanham nesta curta e fascinante aventura de viver: amor e desamor; fantasia e realidade; angústia e euforia; solidariedade e egoísmo e tantos e tantos outros contrapontos.

Boa leitura.



O Editor.



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Um comentário:

  1. Li Monteiro Lobato, ao mesmo tempo em que conheci Paulo Mendes Campos e Rubem Braga, aos 11 anos. Assim, considero que meu gosto pela literatura começou pelos braços e palavras dos grandes da crônica.

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