domingo, 5 de junho de 2011







Sem-terra

* Por Haroldo Campos

Os sem-terra afinal
estão assentados na
pleniposse da terra:
de sem-terra passaram a
com-terra: ei-los
enterrados
desterrados de seu sopro
de vida
aterrados
terrorizados
terra que a terra
torna
pleniposseiros
terra-tenentes de uma
vala (bala) comum:
pelo avesso afinal
entranhados no
lato ventre do
latifúndio
que de improdutivo
revelou-se assim
ubérrimo:
gerando pingue
messe
de sangue vermelhoso
lavradores sem
lavra ei-los
em mortuários despojos:
ataúdes lavrados
na escassa madeira
(matéria)
de si mesmo: a bala assassina
atocaiou-os
mortissentados
sitibundos
decúbito-abatidos
predestinatários de uma
agra (magra)
re (dis) (forma)
--- forma agrária:
ei-los gregária
comunidade de meeiros
do nada.

Envegonhada
agoniada
avexada
envergoncorroída de
imo-abrasivo remorso ---
a pátria
(como afanar-se da?)
apátrida
pranteia os seus
despossuídos párias ---
pátria parricida:
que talvez só afinal
a espada-flamejante
do anjo torto
da História
chamejando o
contravento
e afogueando
os agrossicários
sócios desse
fúnebre sodalício
onde a morte-marechala
comanda uma
torva milícia
de janizaros-jagunços:
somente o anjo esquerdo
da História escovada a
contrapelo com sua
multigirante espada
poderá (quem dera!) um dia
convocar dor ror
nebuloso dos dias
vindouros o dia
afinal sobrevivente
do justo
ajuste de contas.


• Poeta e tradutor, pioneiro e expoente do concretismo

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Quem sabe esse sonho tão cada vez mais distante
    tome forma e corpo.
    Quem sabe a nossa tão honrada sociedade limpe de
    seus olhos a omissão.
    E, quem sabe "...um dia
    convocar dor ror
    nebuloso dos dias
    vindouros o dia
    afinal sobrevivente
    do justo
    ajuste de contas.

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