Pronunciamento duñesco de Ano Novo
* Por Marcelo Sguassábia
“Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Melhor o meio termo, ou seja, a lama. A do Dalai ou a de Araxá, que tem poderes comprovadamente rejuvenescedores para a pele e reabilita em oito meses a função do apêndice”. Ante olhares pasmos de alguns poucos criadores de bichos-da-seda e de quatorze mochileiros que por ali colhiam cogumelos, assim iniciou sua preleção o Venerável Duña, em aparição relâmpago ocorrida ontem, por volta das nove da noite, no cume de uma montanha mantiqueira.
Teólogos e teóricos das mais díspares correntes esotéricas concluem que o inusitado pronunciamento revela um Duña menos extremado em suas exortações, um líder messiânico mais disposto a valorizar o equilíbrio e a ponderação em detrimento do fundamentalismo inflexível de algumas seitas – que caracterizaram inclusive a sua própria Ordem em outros tempos.
“A segunda década do século 21 que ora iniciamos será certamente marcada pela concórdia entre os homens. E isso não é sandice profética ou retórica de ocasião. Tomem como exemplo a questão percentual do dízimo. Um fiel que, por liberalidade, queira destinar mensalmente à nossa seita doze por cento ao invés dos dez regulamentares, não merece ser discriminado pelos demais seguidores. Até porque essa participação mais generosa ao erário sagrado não implica necessariamente na aquisição de um quinhão maior no latifúndio celeste. Há que se ter tolerância e compreensão aos que voluntariamente optam por oferecer mais”, disse o sacerdote supremo, enquanto de suas têmporas pululavam raios ionizantes de cor violeta.
Ajoelhando-se, o Iluminado prosseguiu:
“Fazei com ambas as mãos a caridade que deveis praticar. Ajudai os coxos a atravessarem a rua utilizando ambas, degusteis o desjejum, o almoço e a janta usando ambas, digitai em vossos laptops empregando indistintamente ambas e, para que a discórdia não se instale entre ambas, que ambas depositem oferendas igualmente generosas sempre que se proceda à passagem da sacolinha nos cultos sagrados.
Caso não seja do tipo meia-cura, separai o queijo da goiabada como quem separa o joio do trigo, pelo fato de ser impossível o convívio pacífico entre a velha e boa goiabada de tacho à moda mineira e queijos dos tipos parmesão, gruyère, prato, fresco, provolone, gorgonzola e todos os demais produzidos com leite de vaca, ovelha ou cabra.
Lembrai que os doze mil Oráculos, que peregrinam em trabalho missionário pelo planeta, são a representação carnal do Excelso Ser Duñesco, sendo por ele investidos de plena autoridade para dirimir desavenças entre torcidas e arbitrar soberanamente sobre demais litígios – sejam eles de natureza desportiva, culinária, sexual, filosófica ou fitoterápica. Contai com seus sapientes conselhos ao longo de todo o ano de 2011.
Orai e vigiai para que a dama de incisivos proeminentes, que doravante vos governará, mantenha os subsídios federais à produção e importação de velas, incensos, indumentárias e demais paramentos necessários aos nossos rituais litúrgicos.
E a vós, que aqui presenciais esta minha aparição, sugiro que deixeis de criar bichos-da-seda e de colher cogumelos, pois tais afazeres não vos levarão a parte alguma. Muito menos à salvação eterna”.
* Redator publicitário há quase 30 anos, cronista de várias revistas eletrônicas, entre as quais a “Paradoxo”
* Por Marcelo Sguassábia
“Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Melhor o meio termo, ou seja, a lama. A do Dalai ou a de Araxá, que tem poderes comprovadamente rejuvenescedores para a pele e reabilita em oito meses a função do apêndice”. Ante olhares pasmos de alguns poucos criadores de bichos-da-seda e de quatorze mochileiros que por ali colhiam cogumelos, assim iniciou sua preleção o Venerável Duña, em aparição relâmpago ocorrida ontem, por volta das nove da noite, no cume de uma montanha mantiqueira.
Teólogos e teóricos das mais díspares correntes esotéricas concluem que o inusitado pronunciamento revela um Duña menos extremado em suas exortações, um líder messiânico mais disposto a valorizar o equilíbrio e a ponderação em detrimento do fundamentalismo inflexível de algumas seitas – que caracterizaram inclusive a sua própria Ordem em outros tempos.
“A segunda década do século 21 que ora iniciamos será certamente marcada pela concórdia entre os homens. E isso não é sandice profética ou retórica de ocasião. Tomem como exemplo a questão percentual do dízimo. Um fiel que, por liberalidade, queira destinar mensalmente à nossa seita doze por cento ao invés dos dez regulamentares, não merece ser discriminado pelos demais seguidores. Até porque essa participação mais generosa ao erário sagrado não implica necessariamente na aquisição de um quinhão maior no latifúndio celeste. Há que se ter tolerância e compreensão aos que voluntariamente optam por oferecer mais”, disse o sacerdote supremo, enquanto de suas têmporas pululavam raios ionizantes de cor violeta.
Ajoelhando-se, o Iluminado prosseguiu:
“Fazei com ambas as mãos a caridade que deveis praticar. Ajudai os coxos a atravessarem a rua utilizando ambas, degusteis o desjejum, o almoço e a janta usando ambas, digitai em vossos laptops empregando indistintamente ambas e, para que a discórdia não se instale entre ambas, que ambas depositem oferendas igualmente generosas sempre que se proceda à passagem da sacolinha nos cultos sagrados.
Caso não seja do tipo meia-cura, separai o queijo da goiabada como quem separa o joio do trigo, pelo fato de ser impossível o convívio pacífico entre a velha e boa goiabada de tacho à moda mineira e queijos dos tipos parmesão, gruyère, prato, fresco, provolone, gorgonzola e todos os demais produzidos com leite de vaca, ovelha ou cabra.
Lembrai que os doze mil Oráculos, que peregrinam em trabalho missionário pelo planeta, são a representação carnal do Excelso Ser Duñesco, sendo por ele investidos de plena autoridade para dirimir desavenças entre torcidas e arbitrar soberanamente sobre demais litígios – sejam eles de natureza desportiva, culinária, sexual, filosófica ou fitoterápica. Contai com seus sapientes conselhos ao longo de todo o ano de 2011.
Orai e vigiai para que a dama de incisivos proeminentes, que doravante vos governará, mantenha os subsídios federais à produção e importação de velas, incensos, indumentárias e demais paramentos necessários aos nossos rituais litúrgicos.
E a vós, que aqui presenciais esta minha aparição, sugiro que deixeis de criar bichos-da-seda e de colher cogumelos, pois tais afazeres não vos levarão a parte alguma. Muito menos à salvação eterna”.
* Redator publicitário há quase 30 anos, cronista de várias revistas eletrônicas, entre as quais a “Paradoxo”
Final hilário e surpreendente, citando Dilma Houssef, a necessidade dos subsídios e a falta de objetividade para a salvação nas atividades principais desses fiéis. Quem não lê, perde a oportunidade de sorrir, e os mais alegres até mesmo de gargalhar.
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