domingo, 30 de janeiro de 2011




Plutão injustiçado

* Por Leandro Barbieri


Imagine-se acordando em um dia ensolarado. Saindo da cama, tomando café, indo para o trabalho. Toca o telefone. É alguém. Alguém que você não conhece. Houve uma mudança. Você, oficialmente, não é mais ser humano. Como não? Não importa. Alguns répteis estavam reivindicando a condição de humano e para acabar com a discussão mudaram a definição da nomenclatura. E você não se encaixa na nova descrição. Obrigado pela atenção dispensada.

A história flerta com o ridículo. Mas aconteceu. Semana passada. Com o tradicional planeta Plutão. Ou melhor, ex-planeta. Grosso modo, aconteceu o seguinte:

Ceres e Xena, dois asteróides, entraram com requerimento junto à escola de astronomia para receberem o título de planeta. Os proclamas correram. Mas os títulos não saíram. O casal recorreu e a única saída foi alegar que ambos não se encaixavam na definição de planeta. “Mas Plutão também é assim”, retrucaram. E Plutão se ferrou.

O temperamento do novo planeta-anão pode ter sido decisivo para a resolução dos cientistas. “Ele sempre foi meio isolado”, declarou um planeta que não quis se identificar. Não é a opinião de Urano, vizinho de Plutão e amigo desde 1930, quando o ex-último planeta do sistema solar foi descoberto: “Sempre nos demos bem. Plutão é um ótimo vizinho. Só gosta de ficar na dele. Não é arrogância, é timidez”.

As reportagens soltas na Internet sobre a desclassificação de Plutão foram humilhantes: “Conferência confirma que Plutão deixa de ser planeta”, “Plutão é agora um planeta a menos para decorar”, “Cientista que descobriu Plutão entenderia mudança, diz viúva”, “Plutão perde status de planeta”, “Planetário se adapta ao novo status de Plutão”, “A queda de Plutão”, “Astrônomos festejam exclusão de Plutão”, “Rebaixamento de Plutão é tema de aula” etc... “Não precisava disso. A imprensa foi insensível ao momento”, afirmou Júpiter durante o jantar de desagravo oferecido anteontem na Assembléia Legislativa.

A crise do sistema (solar) dividiu os cientistas. Alguns foram categóricos: Plutão estaria mais para cometa gigante que para planeta. E assim chamá-lo seria um erro de vocabulário. Outros defenderam o reclassificado.

A definição de planeta parte da idéia de que “ele precisa limpar as áreas vizinhas a sua órbita”, o que, segundo os mudancistas, não seria o caso de Plutão. O cientista Stern observa que, se Netuno tivesse limpado sua área, Plutão não estaria ali. Neste caso, Netuno também não seria um planeta. Nem Netuno, nem Júpiter, nem Marte... E nem a Terra. Sim, a discussão vai longe. E mais cabeças podem rolar.

“Nós vamos recorrer”, afirmou o advogado do então novo planeta-anão. “Confiamos na justiça e temos certeza que ela prevalecerá”. Só falta definir onde o caso vai ser julgado. Se for no Brasil, que mudem os livros. Plutão vai ser anão por um bom tempo...

* Roteirista, diretor e pesquisador de Telenovelas nacionais. Escreveu Retrato da Lapa (a primeira novela da TV a Cabo brasileira) e Umas & Outras (a primeira novela da Internet), as quais também dirigiu em parceria com Silvia Cabezaolias. Assina o roteiro da webnovela Alô Alô Mulheres na allTV, onde é diretor do núcleo de dramaturgia.

Um comentário:

  1. Triste e engraçado na mesma medida, e amedrontador quando pensamos na limpeza que Netuno poderia fazer. Lembrei-me do corpo celeste, acho que um asteróide, que caiu em Júpiter, furando um buraco maior do que a Terra no planeta gasoso. Somos tão ínfimos que só de pensar dá um gelo na espinha.

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