quinta-feira, 20 de janeiro de 2011




Instantâneos contemporâneos

* Por Marcelo Sguassábia

Não faz muito tempo, fotografar custava caro e dava trabalho. Exigia empenho e planejamento. Tinha o filme de celulóide. A revelação do filme. A ampliação da foto. A ocasião tinha que valer o investimento de tempo e dinheiro. Hoje, a câmera na mão não exige necessariamente ideia na cabeça. A foto nada diz, mas pelo custo zero não se espera dela que diga sempre alguma coisa. Se o negativo era o registro eterno, o JPEG não a contento é deletado sem piedade. Fotografemos, pois.

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Olha só essa aqui. Em macro superclose, parecem até dois montes Fuji siameses sem neve. Na realidade são dois formigueiros, um ativo e outro que acabava de ser exterminado com um bule de café fervente entornado pela Paulinha, em mais um costumeiro exercício de sadismo contra o reino animal.

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Nesta outra vemos um copo com a água pela metade deixado em cima da mesa de centro pela minha madrinha, quando de sua visita à nossa casa para parabenizar-me pelo trigésimo sexto ano de Crisma. Reparem no copo a marca de batom, cambiando entre o bordô e o marrom claro, deixado pela tiazinha querida. Resquícios de uma tarde memorável onde, além da água quente da torneira, tivemos a ventura de partilhar um mingau de maisena polvilhado com canela, cuja foto segue na próxima página do slide show.

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Ah, essa é uma das minhas favoritas. Enfim, os cinco dedos do pé esquerdo reunidos. Todos juntinhos em instantâneo para a posteridade! Em sentido horário: o dedão, o que fica ao lado do dedão, o que fica ao lado do que fica ao lado do dedão e na sequência os dois menorzinhos. A pequena marca cor de ferrugem no calcanhar não é micose, e sim um fiapo de meia que se meteu de bicão junto aos “rapazes” na hora do clique. Aquele negócio redondo, que aparece desfocado ao fundo, é o potinho de ração da Flofy.

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Continuando com a série “família reunida”, perfilei os últimos oito tacos que se soltaram do chão da sala. Assim, soltinhos, eles parecem mais descontraídos – quebrando um pouco a rígida simetria que os torna tão iguaizinhos e sem personalidade quando assentados.

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Flagrante da geladeira da casa da Anna Bárbara, em 23-05-07, às 22h31. Da esquerda para a direita: leite de soja em embalagem longa vida, Becel sem sal, pires com asa de frango, meio tablete de fermento. Espremidos na prateleira de baixo: penca de bananas, farofa de bacon e passas, pernil na marinada e 11 Bavárias que, segundo ela, estão lá desde a passagem de ano de 2002.

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Foto “antes e depois”. Antes da sessão diária de esteira e depois do vômito causado pelo esforço aeróbico excessivo, que revolveu as entranhas e de lá desalojou a feijoada completa com creme de abacate consumidos anteontem.

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Na sequência, o vômito propriamente dito, brilhantemente capturado pelas lentes de uma Nikon com zoom óptico 12x. Além de todos os pertences do porco e do abacate envolto por alguns traços de bílis, enxergamos nitidamente ao fundo uma salsinha do então irresistível vinagrete.

* Redator publicitário há quase 30 anos, cronista de várias revistas eletrônicas, entre as quais a “Paradoxo”

Um comentário:

  1. Fica claro que, com a foto instantânea, o vômito é para sempre. Antes era um mal-estar fugaz e logo esquecido. Mas é um momento tão, como direi, sublime, que, para que esquecê-lo?

    Antigamente, no tempo da Sonora, Laboratório de Fotografia em Manaus, era possível tirar as fotos e esperar por 30 dias até a chegada das maravilhosas fotos, de filme trocado. Gente que você nunca tinha visto e que era impossível destrocar. Era ou não era bem mais emocionante do que hoje?

    Marcelo, até a escatologia das escolhas fotográficas me fizeram rir. Só mesmo você. Hilário!

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