Ciência e cultura
A Ciência, através do seu braço prático, a tecnologia, produz maravilhas que tornam nossas vidas cada vez mais práticas, seguras e confortáveis. É o reflexo por excelência da engenhosidade humana. De meados do século XVIII em diante, ou seja, desde o início da Revolução Industrial inglesa, teve uma “explosão” de descobertas, em todos os campos do conhecimento científico, da física à medicina, da química à eletrônica e assim por diante, impressionante. Revolucionou, portanto, o mundo, e continua revolucionando-o, tornando-o acessível e prático, encolhendo distâncias, aproximando pessoas, prolongando a vida e facilitando nosso dia a dia.
O automóvel, por exemplo, foi desenvolvido, “apenas”, há 105 anos. Hoje, milhões, mundo afora, dependem visceralmente dele. É muito tempo? Nem tanto. Há pessoas com essa idade que são contemporâneas desse invento. O que seria da nossa vida, homens modernos, sem essas facilidades com que contamos? Como viveríamos sem eletricidade, sem veículos rápidos e confortáveis de transporte, sem meios de comunicação instantâneos e eficientes, sem rádio, televisão, telefonia fixa, celular, computador, internet e vai por aí afora? Tudo bem, sobreviveríamos sem tudo isso. Mas a que custo? Com quantos sacrifícios? Não sou, pois, contra a Ciência e nem poderia ser.
Todavia, o homem conta com habilidades mais nobres, posto que menos práticas do que o conhecimento científico que parecem estar regredindo: a principal é a criatividade espiritual. É o talento artístico, é a capacidade de imaginar e de criar mundos abstratos e, no entanto, belos. Refiro-me, vocês já perceberam, às artes que têm, salvo exceções, número proporcionalmente à população mundial cada vez menor de praticantes e de adeptos.
Já no tempo de Fernando Pessoa havia certo antagonismo entre cientistas e artistas. Para o poeta português, óbvio, caso tivesse que escolher uma das duas atividades, sua opção recairia, sem pestanejar, sobre as artes. Ou, mais genericamente, sobre o que denominamos de cultura. Pessoa legou-nos um poema revelador a propósito, intitulado “A Ciência, a ciência, a ciência...”, que diz em seus versos iniciais: “A Ciência, a ciência, a ciência.../Ah, como tudo é nulo e vão!/A pobreza da inteligência/ante a riqueza da emoção”. Exagero? Não acho!
Entre o pensamento e o sentimento, Fernando Pessoa valoriza muito mais o segundo. É algo incontrolável, que parte do âmago, do íntimo, das vísceras e que por isso é espontâneo, sincero e natural. Claro que não proponho a ninguém um confronto entre a Ciência e a Cultura (incluindo, aí, principalmente, as Artes), pois isso não faria o menor sentido. Sou a favor, isto sim, de um “casamento” entre ambos na formação de um ser humano ideal, prático e simultaneamente sensível. Mas na impossibilidade disso acontecer, serei sempre defensor do poeta, do músico, do escritor etc., em detrimento do cientista.
A escritora sueca do século XIX e início do século XX, Ellen Kay, tinha uma definição pitoresca, posto que verdadeira, de cultura. É verdade que não era nada prática, mas ainda assim concordo com ela. Escreveu, certa ocasião: “Cultura é o que nos resta depois de termos esquecido tudo quanto aprendemos”.
Quanto daquilo que nos ensinam na escola conseguimos reter na memória pela vida toda? Pouco, muito pouco, pouquíssimo. Quantas pessoas (a não ser as que se utilizem da matemática nas suas atividades profissionais), sabem, ainda, extrair uma raiz quadrada? E já nem falo da cúbica, que seria uma covardia! Quantos entendem de trigonometria? E de limites e derivadas? Quantos sabem fatorar? Refiro-me à fatoração e não à extração comercial de uma fatura, que é outra coisa. E não são apenas lições de matemática que esquecemos. Creio que pouco mais de 10%, apenas, do que aprendemos na escola fica retido na memória, se tanto.
Pessoa encerra o citado poema com estes versos: “A Ciência, como é pobre e nada!/Rico é o que a alma dá e tem.”. E não é?! Num longo texto em prosa, sumamente objetivo, o poeta parte do princípio de que ambos, ciência e cultura, (mas especificamente a arte), são invenções. Todavia, são bastante distintas na essência. Uma é objetivo, é prática, enquanto a outra é subjetiva. Escreveu: “Uma obra de arte é, portanto, em sua essência uma invenção com valor. Se não for invenção, o valor permanece a quem inventou; se não tiver valor não será obra de arte, pois que importa inventar o que não presta?”
Mais adiante, Pessoa constatou: “Ao contrário da invenção prática, que é uma invenção com valor de utilidade, e da invenção científica, que é uma invenção com valor de verdade, a obra de arte é uma invenção com valor absoluto”. Também entendo que seja. É por essa razão que, como o poeta português, caso tenha que optar entre Arte e Ciência, minha opção óbvia será sempre e sempre pela primeira. Como escritor, sou, sobretudo, criador. O cientista só considera fato científico o que possa ser reproduzido infinitas vezes nas mesmas condições. Já o artista considera obra de arte o que não pode ser reproduzido, a não ser “copiado”, ou seja, uma criação que, como tal, seja sempre e sempre original.
Pessoa caracterizou os adeptos das ciências como “realistas” e os da cultura (notadamente das artes), como “românticos”. Como homem sensato, admitiu que no mundo há espaço para ambos (e há, de fato), cada um em sua especialidade. E que este espaço é determinado pelas circunstâncias. Escreveu: “Os realistas realizam pequenas coisas, os românticos, grandes. Um homem deve ser realista para ser gerente de uma fábrica de tachas. Para gerir o mundo deve ser romântico. É preciso um realista para descobrir a realidade; é preciso um romântico para criá-la”. E você, o que é? É o “realista”, por descobrir a realidade, ou o “romântico”, que a cria?
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
A Ciência, através do seu braço prático, a tecnologia, produz maravilhas que tornam nossas vidas cada vez mais práticas, seguras e confortáveis. É o reflexo por excelência da engenhosidade humana. De meados do século XVIII em diante, ou seja, desde o início da Revolução Industrial inglesa, teve uma “explosão” de descobertas, em todos os campos do conhecimento científico, da física à medicina, da química à eletrônica e assim por diante, impressionante. Revolucionou, portanto, o mundo, e continua revolucionando-o, tornando-o acessível e prático, encolhendo distâncias, aproximando pessoas, prolongando a vida e facilitando nosso dia a dia.
O automóvel, por exemplo, foi desenvolvido, “apenas”, há 105 anos. Hoje, milhões, mundo afora, dependem visceralmente dele. É muito tempo? Nem tanto. Há pessoas com essa idade que são contemporâneas desse invento. O que seria da nossa vida, homens modernos, sem essas facilidades com que contamos? Como viveríamos sem eletricidade, sem veículos rápidos e confortáveis de transporte, sem meios de comunicação instantâneos e eficientes, sem rádio, televisão, telefonia fixa, celular, computador, internet e vai por aí afora? Tudo bem, sobreviveríamos sem tudo isso. Mas a que custo? Com quantos sacrifícios? Não sou, pois, contra a Ciência e nem poderia ser.
Todavia, o homem conta com habilidades mais nobres, posto que menos práticas do que o conhecimento científico que parecem estar regredindo: a principal é a criatividade espiritual. É o talento artístico, é a capacidade de imaginar e de criar mundos abstratos e, no entanto, belos. Refiro-me, vocês já perceberam, às artes que têm, salvo exceções, número proporcionalmente à população mundial cada vez menor de praticantes e de adeptos.
Já no tempo de Fernando Pessoa havia certo antagonismo entre cientistas e artistas. Para o poeta português, óbvio, caso tivesse que escolher uma das duas atividades, sua opção recairia, sem pestanejar, sobre as artes. Ou, mais genericamente, sobre o que denominamos de cultura. Pessoa legou-nos um poema revelador a propósito, intitulado “A Ciência, a ciência, a ciência...”, que diz em seus versos iniciais: “A Ciência, a ciência, a ciência.../Ah, como tudo é nulo e vão!/A pobreza da inteligência/ante a riqueza da emoção”. Exagero? Não acho!
Entre o pensamento e o sentimento, Fernando Pessoa valoriza muito mais o segundo. É algo incontrolável, que parte do âmago, do íntimo, das vísceras e que por isso é espontâneo, sincero e natural. Claro que não proponho a ninguém um confronto entre a Ciência e a Cultura (incluindo, aí, principalmente, as Artes), pois isso não faria o menor sentido. Sou a favor, isto sim, de um “casamento” entre ambos na formação de um ser humano ideal, prático e simultaneamente sensível. Mas na impossibilidade disso acontecer, serei sempre defensor do poeta, do músico, do escritor etc., em detrimento do cientista.
A escritora sueca do século XIX e início do século XX, Ellen Kay, tinha uma definição pitoresca, posto que verdadeira, de cultura. É verdade que não era nada prática, mas ainda assim concordo com ela. Escreveu, certa ocasião: “Cultura é o que nos resta depois de termos esquecido tudo quanto aprendemos”.
Quanto daquilo que nos ensinam na escola conseguimos reter na memória pela vida toda? Pouco, muito pouco, pouquíssimo. Quantas pessoas (a não ser as que se utilizem da matemática nas suas atividades profissionais), sabem, ainda, extrair uma raiz quadrada? E já nem falo da cúbica, que seria uma covardia! Quantos entendem de trigonometria? E de limites e derivadas? Quantos sabem fatorar? Refiro-me à fatoração e não à extração comercial de uma fatura, que é outra coisa. E não são apenas lições de matemática que esquecemos. Creio que pouco mais de 10%, apenas, do que aprendemos na escola fica retido na memória, se tanto.
Pessoa encerra o citado poema com estes versos: “A Ciência, como é pobre e nada!/Rico é o que a alma dá e tem.”. E não é?! Num longo texto em prosa, sumamente objetivo, o poeta parte do princípio de que ambos, ciência e cultura, (mas especificamente a arte), são invenções. Todavia, são bastante distintas na essência. Uma é objetivo, é prática, enquanto a outra é subjetiva. Escreveu: “Uma obra de arte é, portanto, em sua essência uma invenção com valor. Se não for invenção, o valor permanece a quem inventou; se não tiver valor não será obra de arte, pois que importa inventar o que não presta?”
Mais adiante, Pessoa constatou: “Ao contrário da invenção prática, que é uma invenção com valor de utilidade, e da invenção científica, que é uma invenção com valor de verdade, a obra de arte é uma invenção com valor absoluto”. Também entendo que seja. É por essa razão que, como o poeta português, caso tenha que optar entre Arte e Ciência, minha opção óbvia será sempre e sempre pela primeira. Como escritor, sou, sobretudo, criador. O cientista só considera fato científico o que possa ser reproduzido infinitas vezes nas mesmas condições. Já o artista considera obra de arte o que não pode ser reproduzido, a não ser “copiado”, ou seja, uma criação que, como tal, seja sempre e sempre original.
Pessoa caracterizou os adeptos das ciências como “realistas” e os da cultura (notadamente das artes), como “românticos”. Como homem sensato, admitiu que no mundo há espaço para ambos (e há, de fato), cada um em sua especialidade. E que este espaço é determinado pelas circunstâncias. Escreveu: “Os realistas realizam pequenas coisas, os românticos, grandes. Um homem deve ser realista para ser gerente de uma fábrica de tachas. Para gerir o mundo deve ser romântico. É preciso um realista para descobrir a realidade; é preciso um romântico para criá-la”. E você, o que é? É o “realista”, por descobrir a realidade, ou o “romântico”, que a cria?
Boa leitura.
O Editor.
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Fiquei surpresa com a afirmação de que a arte tem valor absoluto. Ia por um racicínio oposto, imaginando que a sensibilidade da criação artística fosse subjetiva e da ciência objetiva. Fernando Pessoa derruba tudo na frase:
ResponderExcluir"a obra de arte é uma invenção com valor absoluto". Sou mais pela ciência, pelos confortos e segurança que traz, mas ao mesmo tempo, quando ouço um poema, sempre e sempre repito: não sei o que seria de nós sem os poetas.
errata: raciocínio
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