Primitivismo artístico
A arte dita moderna (erudita ou popular) deriva, pelo menos em sua temática – nestes tempos de violência e solidão – para o lado mais primitivo, mais básico, mais essencial do homem: seus instintos. Basta ler um romance ou conto, assistir a uma peça de teatro ou filme, ver uma novela pela televisão, analisar a letra de alguma canção (não importa o gênero) ou os versos dos nossos melhores poetas para constatar isso.
Um assunto predomina e se destaca: sexo. Acompanhado ou não de amor (hoje em dia poucas vezes na companhia deste), está sempre presente. Parece que se tornou obsessão do artista contemporâneo. É como se tivesse tantas nuances quanto estes procuram dar a entender que tem. Mas na verdade não tem. Trata-se de um ato básico, instintivo, banal, comum, o mais "democrático" que possa existir, porquanto não requer qualquer conhecimento especial.
Todos os animais, dos mais evoluídos aos de menor complexidade biológica (insetos, amebas, bactérias) praticam-no com sucesso. Caso contrário, não teríamos tantas espécies sobre a Terra. A vida estaria em extinção. O ato em si, portanto, nada tem de original, de inusitado, de artístico. O que o acompanha (ou o precede ou o sucede) sim.
Mas não é este o aspecto que tem sido levado em conta. Não é o relacionamento macho-fêmea, homem-mulher, que costuma ser enfocado, com a nobreza que o deveria caracterizar. O foco está voltado, exclusivamente, para a cópula, para ato mecânico e, convenhamos, anti-estético.
O que levaria tanta gente talentosa a abrir mão desse talento para se apegar ao banal, ao comum, ao corriqueiro, ao instintivo? É um mistério! No caso do medíocre, ainda se explica. Mas no das pessoas criativas, constitui um desperdício. Quanto à linguagem, à forma de expressão, à simbologia empregada em uma obra de arte, são o que menos importa. Tudo isso depende, como ressaltou Mário de Andrade, da técnica. E supõe-se que quem se aventure por esse mundo complexo, mas maravilhoso, das artes tenha o domínio suficiente dela. É o tema que conta. É ele que se constitui na "alma" de uma obra. E claro, a maneira com que é abordado é fundamental. Ou seja, aquilo que chamam de "estilo" do artista.
Mário de Andrade, no ensaio intitulado "O artista moderno", publicado no livro "A escrava que não é Isaura", afirma: "Ainda não vi sublinhado com bastante descaramento e sinceridade esse caráter primitivista da nossa época artística. Somos na realidade uns primitivos. E como todos os primitivos, realistas e estilizadores". E não somente pela obsessão em torno do sexo.
Queremos reproduzir a vida como ela é, quando, na verdade, as outras pessoas estão esperando de nós, artistas (e nós, dos outros produtores de artes), reproduções da vida como "deveria ser". Estamos atolados até o pescoço na realidade. Vivemo-la a cada instante, do nascimento à morte. Na maioria das vezes, não é o que queríamos ver. Quase sempre tentamos fugir dela ou atenuá-la. Não é o que procuramos em uma obra de arte. Pelo menos não é o que eu procuro. Até porque ninguém reproduz a realidade como ela de fato é, com todas as suas nuances.
Heiner Müller, dramaturgo alemão, expressa o choque que a overdose de realismo produz nas pessoas sensíveis. Escreve: "Meus pensamentos são chagas em meu cérebro. O meu cérebro é uma cicatriz. Eu quero ser uma máquina. Braços para agarrar, pernas para andar, ou seja: nenhuma dor, nenhum pensamento".
Por que conduzir o leitor (ou ouvinte, ou espectador etc. conforme o caso) a um mundo de horror, cinzento e perverso, povoado por crápulas, prostitutas e homicidas? Por que não o levar aos pés da beleza, mesmo que esta seja somente de fantasia, de faz-de-conta?
Mário de Andrade prossegue: "A realização sincera da matéria afetiva e do subconsciente é nosso realismo. Pela imaginação deformadora e sintética somos estilizadores. O problema é juntar num todo equilibrado essas tendências contraditórias. Contradigo-me. Erro. Firo-me. Tombo. Morrerei? É coisa que não me preocupa nem perturba. Em todos os períodos construtivos é assim". A arte não tem – ou pelo menos não deve e nem pode ter – um único caminho. O artista não pode se prender a regras ou modismos. Muito menos a tabus. Não se deve "engessar" a criatividade. Esta exige liberdade, como condição básica, para se realizar. Tem que ser solta, ágil, serena e leve como uma pluma.
A arte dita moderna (erudita ou popular) deriva, pelo menos em sua temática – nestes tempos de violência e solidão – para o lado mais primitivo, mais básico, mais essencial do homem: seus instintos. Basta ler um romance ou conto, assistir a uma peça de teatro ou filme, ver uma novela pela televisão, analisar a letra de alguma canção (não importa o gênero) ou os versos dos nossos melhores poetas para constatar isso.
Um assunto predomina e se destaca: sexo. Acompanhado ou não de amor (hoje em dia poucas vezes na companhia deste), está sempre presente. Parece que se tornou obsessão do artista contemporâneo. É como se tivesse tantas nuances quanto estes procuram dar a entender que tem. Mas na verdade não tem. Trata-se de um ato básico, instintivo, banal, comum, o mais "democrático" que possa existir, porquanto não requer qualquer conhecimento especial.
Todos os animais, dos mais evoluídos aos de menor complexidade biológica (insetos, amebas, bactérias) praticam-no com sucesso. Caso contrário, não teríamos tantas espécies sobre a Terra. A vida estaria em extinção. O ato em si, portanto, nada tem de original, de inusitado, de artístico. O que o acompanha (ou o precede ou o sucede) sim.
Mas não é este o aspecto que tem sido levado em conta. Não é o relacionamento macho-fêmea, homem-mulher, que costuma ser enfocado, com a nobreza que o deveria caracterizar. O foco está voltado, exclusivamente, para a cópula, para ato mecânico e, convenhamos, anti-estético.
O que levaria tanta gente talentosa a abrir mão desse talento para se apegar ao banal, ao comum, ao corriqueiro, ao instintivo? É um mistério! No caso do medíocre, ainda se explica. Mas no das pessoas criativas, constitui um desperdício. Quanto à linguagem, à forma de expressão, à simbologia empregada em uma obra de arte, são o que menos importa. Tudo isso depende, como ressaltou Mário de Andrade, da técnica. E supõe-se que quem se aventure por esse mundo complexo, mas maravilhoso, das artes tenha o domínio suficiente dela. É o tema que conta. É ele que se constitui na "alma" de uma obra. E claro, a maneira com que é abordado é fundamental. Ou seja, aquilo que chamam de "estilo" do artista.
Mário de Andrade, no ensaio intitulado "O artista moderno", publicado no livro "A escrava que não é Isaura", afirma: "Ainda não vi sublinhado com bastante descaramento e sinceridade esse caráter primitivista da nossa época artística. Somos na realidade uns primitivos. E como todos os primitivos, realistas e estilizadores". E não somente pela obsessão em torno do sexo.
Queremos reproduzir a vida como ela é, quando, na verdade, as outras pessoas estão esperando de nós, artistas (e nós, dos outros produtores de artes), reproduções da vida como "deveria ser". Estamos atolados até o pescoço na realidade. Vivemo-la a cada instante, do nascimento à morte. Na maioria das vezes, não é o que queríamos ver. Quase sempre tentamos fugir dela ou atenuá-la. Não é o que procuramos em uma obra de arte. Pelo menos não é o que eu procuro. Até porque ninguém reproduz a realidade como ela de fato é, com todas as suas nuances.
Heiner Müller, dramaturgo alemão, expressa o choque que a overdose de realismo produz nas pessoas sensíveis. Escreve: "Meus pensamentos são chagas em meu cérebro. O meu cérebro é uma cicatriz. Eu quero ser uma máquina. Braços para agarrar, pernas para andar, ou seja: nenhuma dor, nenhum pensamento".
Por que conduzir o leitor (ou ouvinte, ou espectador etc. conforme o caso) a um mundo de horror, cinzento e perverso, povoado por crápulas, prostitutas e homicidas? Por que não o levar aos pés da beleza, mesmo que esta seja somente de fantasia, de faz-de-conta?
Mário de Andrade prossegue: "A realização sincera da matéria afetiva e do subconsciente é nosso realismo. Pela imaginação deformadora e sintética somos estilizadores. O problema é juntar num todo equilibrado essas tendências contraditórias. Contradigo-me. Erro. Firo-me. Tombo. Morrerei? É coisa que não me preocupa nem perturba. Em todos os períodos construtivos é assim". A arte não tem – ou pelo menos não deve e nem pode ter – um único caminho. O artista não pode se prender a regras ou modismos. Muito menos a tabus. Não se deve "engessar" a criatividade. Esta exige liberdade, como condição básica, para se realizar. Tem que ser solta, ágil, serena e leve como uma pluma.
Boa leitura.
O Editor.
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O Editorial foi muito difícil para mim.
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