O Benzedor
* Por Risomar Fasanaro
No chão daquela cidadezinha perdida no interior do Piauí jamais um médico havia pisado. Quando alguém ficava doente, o caminho era a casa de seu Damião, um negro forte, com um metro e noventa e três de pura bondade.
Qualquer doença ele curava, de diabete a problema renal. Bastava receber o benzimento e esperar a cura.
O benzedor sentava em um banquinho feito com um pedaço de tronco de árvore, pedia que o doente se aproximasse, fechava os olhos, elevava os braços e de suas mãos saía a energia que curava.
Mandava que aquela pessoa saísse, e chamava outra. Só abria os olhos no final do dia, depois de todo ritual terminado, quando já não havia mais ninguém no galpão. Então ele se levantava, ia até a cachoeira, tomava um banho e ia dormir.
Às sextas-feiras não havia função. Era quando diziam que ele virava uma cobra que dormia dentro de um tronco, e por isso ninguém o via nem de dia nem de noite. Apenas um dos seus ajudantes o vira assim, mas logo a notícia se espalhou. Por isso todos o temiam e nunca ele soube o que dele diziam.
Safira tinha vindo do interior da Bahia trazer o filho para ele benzer. Viajara dois dias em pau-de-arara, passando fome e sede. O menino tinha nascido com uma das pernas mais curta, e andava na ponta dos pés. Esperou até ser atendida. Damião o benzeu e ordenou: ande, menino! Vá até a imagem de Nossa Senhora e agradeça.
O menino saiu andando, ajoelhou-se aos pés da santa e saiu caminhando, completamente curado. Na sala de chão de barro não houve quem não chorasse.
Diziam que quando ele foi viver ali não havia um pé de pau. Era um deserto só, foi ele chegar e começar a plantar.
-Tem jeito não, aqui num dá nada não. Nhô está perdendo seu tempo.
Ele não deu ouvido a ninguém. Com um galhinho com ponta em forma de forquilha, andava pelo meio do terreno. Procurando o quê, Seu Damião? Procurando veio d’água.
De repente se via o galho trepidar. Ele pegava a escavadeira, um enxadão e se punha a cavar. A terra era dura, seca, terra difícil, mas depois de dois três dias, os incrédulos viam a água surgir. E então era só alegria.
Só ele tinha água para regar as plantações, mas dividia o que plantava com quem precisasse. Era um homem bom.
Mas ele não queria apenas verduras. Queria árvores, dizia. Árvores, ÁRVORES grandes que apagassem a memória daqueles desertos.
E plantou dia após dia, regou, cuidou e dentro de poucos anos havia uma mata ao lado da casa.
-O Senhor reza seu Damião?
Ele esticava o lábio em direção à mata em volta da casa: taí minha reza. Quer maior ofertório a Deus do que essa mata?
Diziam tê-lo visto muitas vezes ajoelhado no meio do mato, em atitude de oração, e que também ali recebera de um ser superior os ensinamentos para curar. E ninguém jamais ousou interrompê-lo naqueles momentos, porque não sabia nem o que ele faria. Suas feições se transformavam, e ali ficava horas e horas.
Aos poucos o galpão foi ficando cercado por vendedores. Um dia apareceu uma mulher vendendo café para os que vinham de longe, depois alguém resolveu vender tapioca, que era pra tomar com café, cuscus de fubá com leite de coco, outro trouxe leite que era para as mães que traziam crianças. Trouxeram cigarro...O galpão virou local de romaria, e com um comércio mais intenso até que o do centro da cidadezinha.
Um dia chegou a notícia que a mulher do governador estava muito doente. Que ele tinha recorrido a todos os médicos da capital, mas ela não melhorava. Foi quando assessores do palácio falaram sobre o benzedor, e o governador mandou procurá-lo.
Diziam que a mulher era de uma beleza extraordinária, e que o marido seria capaz de tudo para salvá-la, que era apaixonadíssimo por ela.
Seu Damião concordou em benzê-la. No dia da chegada os freqüentadores do galpão não falavam de outra coisa a não ser da beleza da primeira dama..
Os seguranças exigiram que todos se retirassem do galpão, pois o governador viera em pessoa com a mulher. Antes, ele conversou com Damião, querendo saber como seria o tratamento, o que deveria dar como recompensa, e o benzedor disse que ali ele nada fazia, que quem curava era a entidade que dele se apossava. Ninguém pagava com dinheiro, mas que ele poderia ajudar aquele povo tão necessitado, e o governador prometeu ajudar.
Os ajudantes retiraram as pessoas do galpão, uma necessidade naquele caso especial, e assim que o local ficou vazio, Damião sentou-se, fechou os olhos e pediu que trouxessem a doente e o deixassem sozinho com ela.
A moça entrou e ele sentiu que ela estava ali, sentada diante dele, ao alcance de sua mão, e tentou se concentrar. Tentou, tentou, mas não conseguia. À sua cabeça vinham os comentários que ouvira desde que seu benzimento fora solicitado. O perfume que ela usava lhe entrava pelo nariz. Ele nunca sentira nada igual. A proximidade dela o embaraçava, mas mesmo assim tentava. Tentava se concentrar, esvaziar a cabeça, mas a vontade era de abrir os olhos, de também ver aquela mulher, mas resistiu. Não abriria os olhos.
Era isso o que fazia com todos que o procuravam, a entidade só trabalhava assim. Era isso que fazia já havia anos. Bastava fechar os olhos e já estava como se em outra dimensão, pois de nada se lembrava ao final do dia. Não via ninguém, benzia e prescrevia beberagens, chás, banhos sem saber a quem. Jamais viu o rosto de algum daqueles que o procuravam. Mas agora a entidade não vinha. Por mais que ele a invocasse, ela não o incorporava.
E o pior era aquela vontade de abrir os olhos, de ver aquela mulher. Por que não conseguia se concentrar, não conseguia?
Depois de meia hora ali, desistiu. Chamou os ajudantes e pediu que a levassem. Em seguida o marido veio falar com ele:
-E então, Sr Damião? O que o Senhor achou?
Embaraçado, sem saber o que dizer, com gestos que sobravam, palavras que não vinham, conseguiu dizer:
-O Senhor Precisa trazê-la de novo daqui a três dias... O caso dela é muito sério.
O homem nem vacilou. Autoridade de governo ali de nada valia, quem dava as ordens era Damião. Com uma humildade que não era sua, o governador prometeu:
-Daqui a três dias trago ela de novo.
E o benzedor, encabulado, concordou com um balançar de cabeça, e continuou atendendo. Já não era o mesmo, a concentração não vinha, e muito menos a cura. Naquela tarde os peregrinos voltaram como entraram.
Três dias depois trouxeram novamente a mulher. E os murmúrios eram os mesmos: E havia os gracejos dos homens que faziam comentários inconvenientes sobre a pele, os cabelos, os olhos, o corpo da mulher...
Mesmo não querendo, Damião relembrava o que ouvira. E novamente estava diante dela. Não a via, sequer a tocara com um dedo que fosse, mas...
Tentou de novo se concentrar. Estava perturbadíssimo. Com os olhos fechados sentia aquela presença, tão frágil, tão doente mas diante da qual era ele o mais fraco.
Invocava a presença da entidade, mas a vontade era de ser ele mesmo, abrir os olhos e acabar com aquela curiosidade.
Perguntava-se por que ele que havia anos renunciara a todo e qualquer contato com mulheres, com sexo, se via agora posto à prova? Por que aquela mulher tinha aparecido na vida dele para deixá-lo assim? Tentação do demo?
Outra vez não conseguiu se concentrar, benzeu-a mecanicamente e sabia que de nada valia aquele benzimento se nele só havia pensamentos pecaminosos, só desejo havia.
Assim que terminou, chamou um dos auxiliares, e antes que tivesse de enfrentar o olhar do marido, pediu que dissesse a ele para trazê-la dali a sete dias.
-Quem sabe até lá ele conseguiria livrar-se daquele feitiço?
Sete dias depois lá estava o governador desesperado. A mulher não melhorara, mas ele não desistia, tinha ainda a esperança de que benzedor a curasse, já que os médicos o tinham desenganado. Só um milagre, governador! Só um milagre...
E só Deus sabe a vontade que Seu Damião tinha de curá-la.
Outra vez ficou sozinho com Laura, era esse o nome dela. E novamente sua resistência foi posta à prova. A concentração não vinha. O desejo de tocá-la, de abraçá-la, de... Então, ainda com os olhos fechados, passou as mãos pela cabeça da moça, tocou de leve o rosto dela e um estremecimento lhe percorreu o corpo. Precisava ver, precisava ver, precisava vê-la...
Foi então que não resistiu: abriu os olhos e viu que ela era mesmo mais bonita do que qualquer coisa que jamais vira em toda sua vida.
E foi aí que sem explicação a moça começou a sangrar. O sangue espirrava dos olhos, do nariz, dos ouvidos, da boca, e escorria pelo corpo, sujava a roupa do benzedor e se espalhava no chão...
E Damião perdido, sem saber o que fazer viu aquela mulher ficar coberta de sangue, uma visão terrível.
Aos gritos pediu que o acudissem. Os ajudantes vieram e se depararam com aquele quadro de horror.
O marido enlouquecido não teve tempo de questionar o que acontecera. De helicóptero a levou para a capital, mas nada se pode fazer, ela já deu entrada no hospital agonizando, e alguns minutos depois faleceu.
Após a saída da mulher, Damião atendeu um garoto de oito anos que a mãe achava estar com quebranto. E foi só Damião benzê-lo e o garoto começar a expelir sangue por todos os orifícios do corpo. E assim foi com mais três casos que o benzedor atendeu. E nos dias que se seguiram outros casos de hemorragia.
A notícia correu o pequeno povoado: O homem que curara tanta gente desaparecera; agora mal olhava e a pessoa começava a sangrar e logo depois morria.. Resolveram invadir o barracão para linchá-lo. Armados de pau foram ao encontro do benzedor, mas não o encontraram.
O barracão estava vazio. Viram apenas uma cobra que se esgueirando saiu pela porta dos fundos em direção à mata que Damião plantara. Atrás dela um rastro de sangue desenhava o caminho que percorria.
* Jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e escritora, autora de “Eu: primeira pessoa, singular”, obra vencedora do Prêmio Teresa Martin de Literatura em júri composto por Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e José Louzeiro. Militante contra a última ditadura militar no Brasil.
* Por Risomar Fasanaro
No chão daquela cidadezinha perdida no interior do Piauí jamais um médico havia pisado. Quando alguém ficava doente, o caminho era a casa de seu Damião, um negro forte, com um metro e noventa e três de pura bondade.
Qualquer doença ele curava, de diabete a problema renal. Bastava receber o benzimento e esperar a cura.
O benzedor sentava em um banquinho feito com um pedaço de tronco de árvore, pedia que o doente se aproximasse, fechava os olhos, elevava os braços e de suas mãos saía a energia que curava.
Mandava que aquela pessoa saísse, e chamava outra. Só abria os olhos no final do dia, depois de todo ritual terminado, quando já não havia mais ninguém no galpão. Então ele se levantava, ia até a cachoeira, tomava um banho e ia dormir.
Às sextas-feiras não havia função. Era quando diziam que ele virava uma cobra que dormia dentro de um tronco, e por isso ninguém o via nem de dia nem de noite. Apenas um dos seus ajudantes o vira assim, mas logo a notícia se espalhou. Por isso todos o temiam e nunca ele soube o que dele diziam.
Safira tinha vindo do interior da Bahia trazer o filho para ele benzer. Viajara dois dias em pau-de-arara, passando fome e sede. O menino tinha nascido com uma das pernas mais curta, e andava na ponta dos pés. Esperou até ser atendida. Damião o benzeu e ordenou: ande, menino! Vá até a imagem de Nossa Senhora e agradeça.
O menino saiu andando, ajoelhou-se aos pés da santa e saiu caminhando, completamente curado. Na sala de chão de barro não houve quem não chorasse.
Diziam que quando ele foi viver ali não havia um pé de pau. Era um deserto só, foi ele chegar e começar a plantar.
-Tem jeito não, aqui num dá nada não. Nhô está perdendo seu tempo.
Ele não deu ouvido a ninguém. Com um galhinho com ponta em forma de forquilha, andava pelo meio do terreno. Procurando o quê, Seu Damião? Procurando veio d’água.
De repente se via o galho trepidar. Ele pegava a escavadeira, um enxadão e se punha a cavar. A terra era dura, seca, terra difícil, mas depois de dois três dias, os incrédulos viam a água surgir. E então era só alegria.
Só ele tinha água para regar as plantações, mas dividia o que plantava com quem precisasse. Era um homem bom.
Mas ele não queria apenas verduras. Queria árvores, dizia. Árvores, ÁRVORES grandes que apagassem a memória daqueles desertos.
E plantou dia após dia, regou, cuidou e dentro de poucos anos havia uma mata ao lado da casa.
-O Senhor reza seu Damião?
Ele esticava o lábio em direção à mata em volta da casa: taí minha reza. Quer maior ofertório a Deus do que essa mata?
Diziam tê-lo visto muitas vezes ajoelhado no meio do mato, em atitude de oração, e que também ali recebera de um ser superior os ensinamentos para curar. E ninguém jamais ousou interrompê-lo naqueles momentos, porque não sabia nem o que ele faria. Suas feições se transformavam, e ali ficava horas e horas.
Aos poucos o galpão foi ficando cercado por vendedores. Um dia apareceu uma mulher vendendo café para os que vinham de longe, depois alguém resolveu vender tapioca, que era pra tomar com café, cuscus de fubá com leite de coco, outro trouxe leite que era para as mães que traziam crianças. Trouxeram cigarro...O galpão virou local de romaria, e com um comércio mais intenso até que o do centro da cidadezinha.
Um dia chegou a notícia que a mulher do governador estava muito doente. Que ele tinha recorrido a todos os médicos da capital, mas ela não melhorava. Foi quando assessores do palácio falaram sobre o benzedor, e o governador mandou procurá-lo.
Diziam que a mulher era de uma beleza extraordinária, e que o marido seria capaz de tudo para salvá-la, que era apaixonadíssimo por ela.
Seu Damião concordou em benzê-la. No dia da chegada os freqüentadores do galpão não falavam de outra coisa a não ser da beleza da primeira dama..
Os seguranças exigiram que todos se retirassem do galpão, pois o governador viera em pessoa com a mulher. Antes, ele conversou com Damião, querendo saber como seria o tratamento, o que deveria dar como recompensa, e o benzedor disse que ali ele nada fazia, que quem curava era a entidade que dele se apossava. Ninguém pagava com dinheiro, mas que ele poderia ajudar aquele povo tão necessitado, e o governador prometeu ajudar.
Os ajudantes retiraram as pessoas do galpão, uma necessidade naquele caso especial, e assim que o local ficou vazio, Damião sentou-se, fechou os olhos e pediu que trouxessem a doente e o deixassem sozinho com ela.
A moça entrou e ele sentiu que ela estava ali, sentada diante dele, ao alcance de sua mão, e tentou se concentrar. Tentou, tentou, mas não conseguia. À sua cabeça vinham os comentários que ouvira desde que seu benzimento fora solicitado. O perfume que ela usava lhe entrava pelo nariz. Ele nunca sentira nada igual. A proximidade dela o embaraçava, mas mesmo assim tentava. Tentava se concentrar, esvaziar a cabeça, mas a vontade era de abrir os olhos, de também ver aquela mulher, mas resistiu. Não abriria os olhos.
Era isso o que fazia com todos que o procuravam, a entidade só trabalhava assim. Era isso que fazia já havia anos. Bastava fechar os olhos e já estava como se em outra dimensão, pois de nada se lembrava ao final do dia. Não via ninguém, benzia e prescrevia beberagens, chás, banhos sem saber a quem. Jamais viu o rosto de algum daqueles que o procuravam. Mas agora a entidade não vinha. Por mais que ele a invocasse, ela não o incorporava.
E o pior era aquela vontade de abrir os olhos, de ver aquela mulher. Por que não conseguia se concentrar, não conseguia?
Depois de meia hora ali, desistiu. Chamou os ajudantes e pediu que a levassem. Em seguida o marido veio falar com ele:
-E então, Sr Damião? O que o Senhor achou?
Embaraçado, sem saber o que dizer, com gestos que sobravam, palavras que não vinham, conseguiu dizer:
-O Senhor Precisa trazê-la de novo daqui a três dias... O caso dela é muito sério.
O homem nem vacilou. Autoridade de governo ali de nada valia, quem dava as ordens era Damião. Com uma humildade que não era sua, o governador prometeu:
-Daqui a três dias trago ela de novo.
E o benzedor, encabulado, concordou com um balançar de cabeça, e continuou atendendo. Já não era o mesmo, a concentração não vinha, e muito menos a cura. Naquela tarde os peregrinos voltaram como entraram.
Três dias depois trouxeram novamente a mulher. E os murmúrios eram os mesmos: E havia os gracejos dos homens que faziam comentários inconvenientes sobre a pele, os cabelos, os olhos, o corpo da mulher...
Mesmo não querendo, Damião relembrava o que ouvira. E novamente estava diante dela. Não a via, sequer a tocara com um dedo que fosse, mas...
Tentou de novo se concentrar. Estava perturbadíssimo. Com os olhos fechados sentia aquela presença, tão frágil, tão doente mas diante da qual era ele o mais fraco.
Invocava a presença da entidade, mas a vontade era de ser ele mesmo, abrir os olhos e acabar com aquela curiosidade.
Perguntava-se por que ele que havia anos renunciara a todo e qualquer contato com mulheres, com sexo, se via agora posto à prova? Por que aquela mulher tinha aparecido na vida dele para deixá-lo assim? Tentação do demo?
Outra vez não conseguiu se concentrar, benzeu-a mecanicamente e sabia que de nada valia aquele benzimento se nele só havia pensamentos pecaminosos, só desejo havia.
Assim que terminou, chamou um dos auxiliares, e antes que tivesse de enfrentar o olhar do marido, pediu que dissesse a ele para trazê-la dali a sete dias.
-Quem sabe até lá ele conseguiria livrar-se daquele feitiço?
Sete dias depois lá estava o governador desesperado. A mulher não melhorara, mas ele não desistia, tinha ainda a esperança de que benzedor a curasse, já que os médicos o tinham desenganado. Só um milagre, governador! Só um milagre...
E só Deus sabe a vontade que Seu Damião tinha de curá-la.
Outra vez ficou sozinho com Laura, era esse o nome dela. E novamente sua resistência foi posta à prova. A concentração não vinha. O desejo de tocá-la, de abraçá-la, de... Então, ainda com os olhos fechados, passou as mãos pela cabeça da moça, tocou de leve o rosto dela e um estremecimento lhe percorreu o corpo. Precisava ver, precisava ver, precisava vê-la...
Foi então que não resistiu: abriu os olhos e viu que ela era mesmo mais bonita do que qualquer coisa que jamais vira em toda sua vida.
E foi aí que sem explicação a moça começou a sangrar. O sangue espirrava dos olhos, do nariz, dos ouvidos, da boca, e escorria pelo corpo, sujava a roupa do benzedor e se espalhava no chão...
E Damião perdido, sem saber o que fazer viu aquela mulher ficar coberta de sangue, uma visão terrível.
Aos gritos pediu que o acudissem. Os ajudantes vieram e se depararam com aquele quadro de horror.
O marido enlouquecido não teve tempo de questionar o que acontecera. De helicóptero a levou para a capital, mas nada se pode fazer, ela já deu entrada no hospital agonizando, e alguns minutos depois faleceu.
Após a saída da mulher, Damião atendeu um garoto de oito anos que a mãe achava estar com quebranto. E foi só Damião benzê-lo e o garoto começar a expelir sangue por todos os orifícios do corpo. E assim foi com mais três casos que o benzedor atendeu. E nos dias que se seguiram outros casos de hemorragia.
A notícia correu o pequeno povoado: O homem que curara tanta gente desaparecera; agora mal olhava e a pessoa começava a sangrar e logo depois morria.. Resolveram invadir o barracão para linchá-lo. Armados de pau foram ao encontro do benzedor, mas não o encontraram.
O barracão estava vazio. Viram apenas uma cobra que se esgueirando saiu pela porta dos fundos em direção à mata que Damião plantara. Atrás dela um rastro de sangue desenhava o caminho que percorria.
* Jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e escritora, autora de “Eu: primeira pessoa, singular”, obra vencedora do Prêmio Teresa Martin de Literatura em júri composto por Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e José Louzeiro. Militante contra a última ditadura militar no Brasil.
Damião vacilou diante
ResponderExcluirdo desejo...questionou sua
fé.
Bela história Riso.
Beijos
Com muita competência prende o leitor até o fim.
ResponderExcluirBeleza de texto.
Parabéns, Riso!
beijos
Meus amigos queridos Núbia e Calvino, obrigada pelos comentários generosos. Estou "escrevendo" este conto na cabeça a tempo, mas ele só conseguiu nascer no computador neste final de semana. Beijos aos dois
ResponderExcluirUm conto aterrador, colocando o desejo como um mal que quebra todo encanto e traz a morte e a ruina. Terrível e hipnótico.
ResponderExcluirRisomar, que incrível! Adorei seu conto! Parabéns, beijos
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