Médico de interior
* Por Marcos Alves
Antônio Aurélio Filho, me garante o distinto senhor atrás do balcão, é o nome completo do médico popularmente conhecido como “doutor Toninho” em Paraguaçu, cidade do interior de Minas onde nasceu e trabalhou por décadas, até morrer.
Homem de temperamento forte, chegado a um copo e repito, médico dos bons, “doutor Toninho” é personagem central de casos folclóricos, geralmente envolvendo outras pessoas da cidade em situações bastante interessantes. Deixou muitas histórias, e trago na memória algumas cenas dele ao lado de minha avó, de quem cuidou até o final da vida com atenção e competência.
Na época em que o doutor Antônio trabalhou, o único hospital da cidade era administrado por freiras, com mão de ferro e rígidas regras de conduta. É possível imaginar quanto o comportamento, digamos, “rebelde” do “doutor Toninho” incomodava as irmãs. Mas ele era natural da cidade e como médico conquistara prestígio e respeito em todas as camadas sociais.
A conversa em torno do "Doutor Toninho"" se estendia, enquanto apreciávamos uma cerveja gelada na tarde quente de Paraguaçu. O “seu Tião”, dono do bar, foi quem revelou o nome inteiro do nosso personagem e, indagado sobre alguma história curiosa disse que certa vez o filho dele estivera internado com suspeita de meningite.
Os exames que poderiam comprovar a doença não podiam ser feitos em Paraguaçu, cidade carente de recursos. Para isso, o filho do “seu Tião” teria que ser transferido para outra cidade. À espera de uma definição, a família não arredava pé da porta do hospital.
Tarde da noite, o “doutor Toninho” chega – visivelmente embriagado, para visitar a criança. Meia hora depois, o médico volta e tranqüiliza “seu Tião” e os demais. “O rapazinho não tem meningite, deixa ele aqui, vamos observar.”
Ao lembrar o episódio, percebo no olhar do “seu Tião” carinho e o respeito pelo amigo de infância que se tornara médico. Logo que o doutor Toninho vai embora do hospital, a irmã-diretora chega para o “Seu Tião” e o aconselha a transferir o menino de hospital.
Coloca em dúvida a capacidade do Doutor Toninho de fazer uma avaliação confiável, mas recebe como resposta a exigência de que a transferência deveria ser documentada. Com uma simplicidade comovente, o “Seu Tião” me explica com serenidade e clareza que reagiu daquela forma porque não faria nada sem o conhecimento de um especialista. Afinal era o filho dele.
A irmã deveria assinar um termo de responsabilidade onde constariam todas as informações sobre o quadro de saúde do garoto e a justificativa para a transferência. Somente dessa maneira, a família da criança tomaria essa decisão sem o conhecimento do médico, ou seja, do doutor Antônio Aurélio. A irmã não levou a ideia adiante. O filho do “Seu Tião” tem hoje em torno de 40 anos de idade e ótima saúde, me garante o pai.
O doutor Toninho tinha o hábito prescrever receita em guardanapos, não se furtava a responder aos mais estranhos questionamentos. Dono de senso de humor apurado, raramente perdia uma piada ou deixava escapar a chance de dar respostas cretinas ou maliciosas.
Quando perguntado sobre um bom remédio para hemorróidas respondia: chifre de carneiro. Parecido com um grande parafuso bastava, dizia ele, enroscar no local dolorido tal qual uma porca. Quando chegasse no fim da rosca, era necessário puxar com força para fora. Tiro e queda, garantia.
Certa vez, uma senhora bastante tagarela e conhecida na cidade perguntou a ele se era possível engravidar sozinha, apenas por ter usado um banheiro de rodoviária. Explicou ao experiente e bêbado médico que a filha havia sentado em um vaso sanitário sujo, repleto de espertos espermatozóides que acabaram fecundando a incauta menina.
“Isso é possível doutor?”, indagou a mulher de voz estridente, em tom quase autoritário – tamanha a ansiedade diante desse dilema familiar. O doutor Antônio bebeu o copo cachaça de um gole. Vermelho feito pimentão tossiu alto, foi até a porta e pigarreou na rua. Voltou-se para a futura a avó e soltou:
“É perfeitamente possível, dona. Basta que dentro do vaso tenha um... (aqui o nome do órgão é dispensável) desse tamanho!”
* Jornalista, www.marcos-alves.blogspot.com
* Por Marcos Alves
Antônio Aurélio Filho, me garante o distinto senhor atrás do balcão, é o nome completo do médico popularmente conhecido como “doutor Toninho” em Paraguaçu, cidade do interior de Minas onde nasceu e trabalhou por décadas, até morrer.
Homem de temperamento forte, chegado a um copo e repito, médico dos bons, “doutor Toninho” é personagem central de casos folclóricos, geralmente envolvendo outras pessoas da cidade em situações bastante interessantes. Deixou muitas histórias, e trago na memória algumas cenas dele ao lado de minha avó, de quem cuidou até o final da vida com atenção e competência.
Na época em que o doutor Antônio trabalhou, o único hospital da cidade era administrado por freiras, com mão de ferro e rígidas regras de conduta. É possível imaginar quanto o comportamento, digamos, “rebelde” do “doutor Toninho” incomodava as irmãs. Mas ele era natural da cidade e como médico conquistara prestígio e respeito em todas as camadas sociais.
A conversa em torno do "Doutor Toninho"" se estendia, enquanto apreciávamos uma cerveja gelada na tarde quente de Paraguaçu. O “seu Tião”, dono do bar, foi quem revelou o nome inteiro do nosso personagem e, indagado sobre alguma história curiosa disse que certa vez o filho dele estivera internado com suspeita de meningite.
Os exames que poderiam comprovar a doença não podiam ser feitos em Paraguaçu, cidade carente de recursos. Para isso, o filho do “seu Tião” teria que ser transferido para outra cidade. À espera de uma definição, a família não arredava pé da porta do hospital.
Tarde da noite, o “doutor Toninho” chega – visivelmente embriagado, para visitar a criança. Meia hora depois, o médico volta e tranqüiliza “seu Tião” e os demais. “O rapazinho não tem meningite, deixa ele aqui, vamos observar.”
Ao lembrar o episódio, percebo no olhar do “seu Tião” carinho e o respeito pelo amigo de infância que se tornara médico. Logo que o doutor Toninho vai embora do hospital, a irmã-diretora chega para o “Seu Tião” e o aconselha a transferir o menino de hospital.
Coloca em dúvida a capacidade do Doutor Toninho de fazer uma avaliação confiável, mas recebe como resposta a exigência de que a transferência deveria ser documentada. Com uma simplicidade comovente, o “Seu Tião” me explica com serenidade e clareza que reagiu daquela forma porque não faria nada sem o conhecimento de um especialista. Afinal era o filho dele.
A irmã deveria assinar um termo de responsabilidade onde constariam todas as informações sobre o quadro de saúde do garoto e a justificativa para a transferência. Somente dessa maneira, a família da criança tomaria essa decisão sem o conhecimento do médico, ou seja, do doutor Antônio Aurélio. A irmã não levou a ideia adiante. O filho do “Seu Tião” tem hoje em torno de 40 anos de idade e ótima saúde, me garante o pai.
O doutor Toninho tinha o hábito prescrever receita em guardanapos, não se furtava a responder aos mais estranhos questionamentos. Dono de senso de humor apurado, raramente perdia uma piada ou deixava escapar a chance de dar respostas cretinas ou maliciosas.
Quando perguntado sobre um bom remédio para hemorróidas respondia: chifre de carneiro. Parecido com um grande parafuso bastava, dizia ele, enroscar no local dolorido tal qual uma porca. Quando chegasse no fim da rosca, era necessário puxar com força para fora. Tiro e queda, garantia.
Certa vez, uma senhora bastante tagarela e conhecida na cidade perguntou a ele se era possível engravidar sozinha, apenas por ter usado um banheiro de rodoviária. Explicou ao experiente e bêbado médico que a filha havia sentado em um vaso sanitário sujo, repleto de espertos espermatozóides que acabaram fecundando a incauta menina.
“Isso é possível doutor?”, indagou a mulher de voz estridente, em tom quase autoritário – tamanha a ansiedade diante desse dilema familiar. O doutor Antônio bebeu o copo cachaça de um gole. Vermelho feito pimentão tossiu alto, foi até a porta e pigarreou na rua. Voltou-se para a futura a avó e soltou:
“É perfeitamente possível, dona. Basta que dentro do vaso tenha um... (aqui o nome do órgão é dispensável) desse tamanho!”
* Jornalista, www.marcos-alves.blogspot.com
Doutor Antônio era "porreta".
ResponderExcluirTexto delicioso.
Abraços
Doutor Toninho era uma "parada federal", rsrs
ResponderExcluirAbração
Ele era mesmo! rs. Abraços, Nubia e Calvino.
ResponderExcluirQuantas histórias do Dr.Antonio, me delicio com todas.
ResponderExcluirbeijos
Imagino a falta que Dr. Toninho faz na cidade,Marcos.
ResponderExcluirAbraços