terça-feira, 9 de novembro de 2010




A intrusa

* Por Talis Andrade

Em cada canto da casa
me consumias
com a voracidade
que devoravas
o queijo o vinho
todos meus cigarros

Pouco te afligia
quem viria no outro dia
guardar os discos nas capas
os livros nas estantes
esconder os vintes
apagar nas taças
as impressões digitais

Pouco te afligia
quem no outro dia
viria substituir teu corpo
no leito devoluto
trazendo conforto
para o meu desolado
fechado luto

Pouco te afligia
meu sofrimento
por não encontrar
o eficaz ungüento
que cicatrizasse
as sulcantes marcas
as marcas sangrentas
dos teus dentes

Vinhas sem aviso
como se a casa
permanecesse arrumada
meu corpo estivesse sempre desimpedido
para teu exclusivo gozo
meu corpo defunto
benzido e santo
conservado em um frigorífico


(Do livro “Herdeiros da Rosa”)

* Jornalista, poeta, professor de Jornalismo e Relações Públicas e bacharel em História. Trabalhou em vários dos grandes jornais do Nordeste, como a sucursal pernambucana do “Diário da Noite”, “Jornal do Comércio” (Recife), “Jornal da Semana” (Recife) e “A República” (Natal). Tem 11 livros publicados, entre os quais o recém-lançado “Cavalos da Miragem” (Editora Livro Rápido).

3 comentários:

  1. Poesia forte, contundente
    mas que nos leva pelas "mãos"
    da imaginação onde enxergamos
    sua beleza.
    Belíssima.
    Abraços

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  2. Com esta você extrapolou, Talis. Acho que embora todas as anteriores sejam lindas, esta é bonita demais.Adorei. Parabéns!

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