Efeito borboleta
* Por Marcelo Sguassábia
À exceção do Silvio Santos, que ao que tudo indica nunca assistiu a filme algum, o mais provável é que todos já tenham visto este arrasa-quarteirão, que tem como argumento o fato de que o bater de asas de uma borboleta na favela da Rocinha pode provocar um tufão nas Ilhas Galápagos. Ou seja, amarrar primeiro o cadarço do sapato esquerdo e não do direito, como de costume, pode afetar o desenrolar da história em seus acontecimentos cruciais. É o que também chamam de “Teoria do Caos”, febrilmente estudada e nunca suficientemente compreendida. Pois eu, que tudo presenciei naquela ocasião, pude comprovar na prática o cinematográfico postulado. Não com uma borboleta, mas com um punhado de fubá. E posso dizer, por experiência própria, que o mundo tal qual o conhecemos hoje assim não seria não fosse o fubá nosso de cada dia. Uns oitocentos gramas, se tanto, de prosaico e inocente fubazinho ralo e sem marca.
Começou com o milho sendo pilado, na palhoça de colono. Uns grãozinhos maiores no fundo do pilão, ao irem para a sopa, provocaram o engasgo da velha Totonha, que do alto dos seus 103 e já sem forças para clamar por auxílio, veio a óbito solitária e candidamente por asfixia. Não tivesse sido a quirera infortunadamente ingerida, o camburão da funerária não teria passado pela ponte onde, naquele exato instante, um boi cochilava tomando dois terços do leito carroçável. Ao desviar subitamente o veículo, motorista, maquiador de cadáveres e médico legista foram lançados ao ribeirão. Mirinho, filho de Demázio, mais conhecido como Jorjão, tentou puxar o médico legista com um cabo de enxada que jogou na água. Mas acabou caindo também no ribeirão, indo conhecer Nossa Senhora mais cedo em lugar dos outros três, que se safaram não se sabe como.
Três meses depois, quis o destino, em seus insondáveis caprichos, que um balão junino caísse nas proximidades da hemeroteca da escola recém-inaugurada com o nome de Mirinho – alçado ao posto de herói municipal por seu azarado gesto de bravura. O foco de fogo alastrou-se para o prédio da câmara de vereadores e consumiu em segundos toda a documentação relativa à chamada “CPI da Biribinha”, que investigava a compra sem concorrência pública de estalos de salão para a Festa de São João organizada pela prefeitura. A literal queima de arquivo despertou o interesse da grande mídia, que para aquele fim de mundo enviou levas e mais levas de repórteres e cinegrafistas a fim de apurar o que se passava. Bastaram cinco dias na cidade para que a imprensa descobrisse que o episódio dos traques superfaturados era só a ponta do iceberg. A partir de denúncias anônimas, a Guarda Municipal local, em conjunto com a Interpol, encontrou no fundo de uma gruta nada menos de 208.880 troncos de pau de sebo sem nota fiscal, já devidamente ensebados e prontos para embarque no Porto de Paranaguá.
O assessor do sub-chefe de gabinete do Ministério da Defesa, refestelado em sua poltrona do papai, acompanhava apreensivo o rumo dos acontecimentos pelo noticiário da TV. Ele, que recentemente teve uma avó paterna vítima de engasgo aos 103, por conta de sopa preparada com fubá mal moído.
* Redator publicitário há mais de 20 anos, cronista de várias revistas eletrônicas, entre as quais a “Paradoxo”
* Por Marcelo Sguassábia
À exceção do Silvio Santos, que ao que tudo indica nunca assistiu a filme algum, o mais provável é que todos já tenham visto este arrasa-quarteirão, que tem como argumento o fato de que o bater de asas de uma borboleta na favela da Rocinha pode provocar um tufão nas Ilhas Galápagos. Ou seja, amarrar primeiro o cadarço do sapato esquerdo e não do direito, como de costume, pode afetar o desenrolar da história em seus acontecimentos cruciais. É o que também chamam de “Teoria do Caos”, febrilmente estudada e nunca suficientemente compreendida. Pois eu, que tudo presenciei naquela ocasião, pude comprovar na prática o cinematográfico postulado. Não com uma borboleta, mas com um punhado de fubá. E posso dizer, por experiência própria, que o mundo tal qual o conhecemos hoje assim não seria não fosse o fubá nosso de cada dia. Uns oitocentos gramas, se tanto, de prosaico e inocente fubazinho ralo e sem marca.
Começou com o milho sendo pilado, na palhoça de colono. Uns grãozinhos maiores no fundo do pilão, ao irem para a sopa, provocaram o engasgo da velha Totonha, que do alto dos seus 103 e já sem forças para clamar por auxílio, veio a óbito solitária e candidamente por asfixia. Não tivesse sido a quirera infortunadamente ingerida, o camburão da funerária não teria passado pela ponte onde, naquele exato instante, um boi cochilava tomando dois terços do leito carroçável. Ao desviar subitamente o veículo, motorista, maquiador de cadáveres e médico legista foram lançados ao ribeirão. Mirinho, filho de Demázio, mais conhecido como Jorjão, tentou puxar o médico legista com um cabo de enxada que jogou na água. Mas acabou caindo também no ribeirão, indo conhecer Nossa Senhora mais cedo em lugar dos outros três, que se safaram não se sabe como.
Três meses depois, quis o destino, em seus insondáveis caprichos, que um balão junino caísse nas proximidades da hemeroteca da escola recém-inaugurada com o nome de Mirinho – alçado ao posto de herói municipal por seu azarado gesto de bravura. O foco de fogo alastrou-se para o prédio da câmara de vereadores e consumiu em segundos toda a documentação relativa à chamada “CPI da Biribinha”, que investigava a compra sem concorrência pública de estalos de salão para a Festa de São João organizada pela prefeitura. A literal queima de arquivo despertou o interesse da grande mídia, que para aquele fim de mundo enviou levas e mais levas de repórteres e cinegrafistas a fim de apurar o que se passava. Bastaram cinco dias na cidade para que a imprensa descobrisse que o episódio dos traques superfaturados era só a ponta do iceberg. A partir de denúncias anônimas, a Guarda Municipal local, em conjunto com a Interpol, encontrou no fundo de uma gruta nada menos de 208.880 troncos de pau de sebo sem nota fiscal, já devidamente ensebados e prontos para embarque no Porto de Paranaguá.
O assessor do sub-chefe de gabinete do Ministério da Defesa, refestelado em sua poltrona do papai, acompanhava apreensivo o rumo dos acontecimentos pelo noticiário da TV. Ele, que recentemente teve uma avó paterna vítima de engasgo aos 103, por conta de sopa preparada com fubá mal moído.
* Redator publicitário há mais de 20 anos, cronista de várias revistas eletrônicas, entre as quais a “Paradoxo”
E assim o ciclo se fecha. Detalhes aparentemente desprezíveis podem ser a chave de toda a perdição ou salvação. Cada palavra vai tecendo seu novelo, para surpresa dos inocentes leitores. Muito bem, Marcelo!
ResponderExcluirInteressante a forma como os fatos
ResponderExcluirse interligam.
Um texto muito bem amarrado que prende
a atenção.
Abraços