Depoimento pessoal e intransferível
* Por Mara Narciso
A cada dia está mais difícil acordar. O despertador berra às 6 h, eu abro os olhos, e quando dou por mim, já dormi outro sono. Depois é correr atrás do tempo, sem nunca alcançá-lo. Correr é uma maneira simbólica de dizer. Na verdade, me arrasto, ou melhor, lagarteio em busca de tentar fazer, a cada dia mais lentamente, o que é minha obrigação. Não consigo mais.
A minha voz rasteja atrás de mim, como uma transmissão delay na televisão, e o pensamento teima em não fechar raciocínio algum. Estou com dificuldade de me concentrar, de aprender. As amigas reparam que estou com movimentos lentos, e a minha atenção não segue adiante: fica pelo caminho. Uma vez, levei um pito de um motorista de táxi. Chovia forte, e eu, tentando me apressar, andei feito uma lesma na direção do carro, que, com a porta aberta a minha espera, teve o estofamento molhado.
Ao contrário dos demais, que estão correndo, estou atrasada um ou dois anos, e não consigo me acelerar. Alguma coisa está estragada no meu sistema. Não tenho grande inteligência, mas não ouvia reclamação; agora ouço. Quando é preciso fazer o meu trabalho com outra atividade paralela, a desorganização se instala, e me comporto de forma desastrada, deixando tudo pela metade. Assim, devido a minha lentidão, não termino tarefas, mesmo as mais simples.
Estou em permanente sonolência, e por mais que durma, o sono não me abandona. Deixem-me em paz! Eu quero dormir! Pessoas atentas, desde o começo, viram mudanças, como perda de agilidade, palidez, inchaço das pálpebras, voz arrastada, e rouca, feito taquara rachada. Minha menstruação avolumou-se, esfriei e não mais procuro o meu marido. Minha vida é um desmoronamento em câmera lenta.
Tenho uma constante sensação de frio, cansaço e preguiça, que não dá para disfarçar. Todas as horas são piores, mas de manhã é dramático, porque não encontro forças para me levantar e menos ainda para trabalhar. Minha pele está seca, endurecida, amarelada, e sinto dores em todo o corpo, sendo mais fortes nas pernas. O cabelo está caindo, as unhas crescem devagar, e ouço um barulho permanente, pior à noite, no silêncio do travesseiro. Sinto meu coração batendo fofo, diferente, como se estivesse devagar, parando lentamente.
Tem horas em que percebo meu corpo se acabando, numa onda de pensamentos negativos, sem vontade de ter contato com ninguém, querendo ficar isolada. Como estou comendo pouco, sinto-me fraca, desfalecendo. Antes alegre, perdi a vontade, e acho estranho não me importar com a vida. O desânimo prevalece, e uma tristeza imensa me domina. Não tenho prazer algum.
O exame de sangue está muito alterado. É a tireóide que está deixando de funcionar. A médica me explicou, fazendo um paralelo dessa glândula, que produz o hormônio T4, e a bateria de um celular. Quando a bateria do celular fica fraca, ela pede para recarregar e caso isso não seja feito, o telefone apaga. A glândula tireóide é responsável pela manutenção de várias funções corporais, e seu defeito responde por todos os meus sintomas. Ela está parando, e eu estou apagando. É preciso começar o remédio para substituir a função da tireóide. Recomenda que eu comece o medicamento de imediato, porém de forma lenta e gradual, para o meu organismo despertar aos poucos, até voltar à normalidade.
Descobri a tempo, mas fui negligente. A demora em procurar o médico tornou a situação, que é simples, num momento de risco. O nome da minha doença é hipotireoidismo. Estou mal, e o que me impressiona é a possibilidade de a parada do funcionamento da tireóide poder levar ao coma e até a morte. Começo agora com o hormônio, e não devo interromper o tratamento.
Preciso voltar a viver logo, porque tenho muito o que fazer!
* Médica, jornalista e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”.
* Por Mara Narciso
A cada dia está mais difícil acordar. O despertador berra às 6 h, eu abro os olhos, e quando dou por mim, já dormi outro sono. Depois é correr atrás do tempo, sem nunca alcançá-lo. Correr é uma maneira simbólica de dizer. Na verdade, me arrasto, ou melhor, lagarteio em busca de tentar fazer, a cada dia mais lentamente, o que é minha obrigação. Não consigo mais.
A minha voz rasteja atrás de mim, como uma transmissão delay na televisão, e o pensamento teima em não fechar raciocínio algum. Estou com dificuldade de me concentrar, de aprender. As amigas reparam que estou com movimentos lentos, e a minha atenção não segue adiante: fica pelo caminho. Uma vez, levei um pito de um motorista de táxi. Chovia forte, e eu, tentando me apressar, andei feito uma lesma na direção do carro, que, com a porta aberta a minha espera, teve o estofamento molhado.
Ao contrário dos demais, que estão correndo, estou atrasada um ou dois anos, e não consigo me acelerar. Alguma coisa está estragada no meu sistema. Não tenho grande inteligência, mas não ouvia reclamação; agora ouço. Quando é preciso fazer o meu trabalho com outra atividade paralela, a desorganização se instala, e me comporto de forma desastrada, deixando tudo pela metade. Assim, devido a minha lentidão, não termino tarefas, mesmo as mais simples.
Estou em permanente sonolência, e por mais que durma, o sono não me abandona. Deixem-me em paz! Eu quero dormir! Pessoas atentas, desde o começo, viram mudanças, como perda de agilidade, palidez, inchaço das pálpebras, voz arrastada, e rouca, feito taquara rachada. Minha menstruação avolumou-se, esfriei e não mais procuro o meu marido. Minha vida é um desmoronamento em câmera lenta.
Tenho uma constante sensação de frio, cansaço e preguiça, que não dá para disfarçar. Todas as horas são piores, mas de manhã é dramático, porque não encontro forças para me levantar e menos ainda para trabalhar. Minha pele está seca, endurecida, amarelada, e sinto dores em todo o corpo, sendo mais fortes nas pernas. O cabelo está caindo, as unhas crescem devagar, e ouço um barulho permanente, pior à noite, no silêncio do travesseiro. Sinto meu coração batendo fofo, diferente, como se estivesse devagar, parando lentamente.
Tem horas em que percebo meu corpo se acabando, numa onda de pensamentos negativos, sem vontade de ter contato com ninguém, querendo ficar isolada. Como estou comendo pouco, sinto-me fraca, desfalecendo. Antes alegre, perdi a vontade, e acho estranho não me importar com a vida. O desânimo prevalece, e uma tristeza imensa me domina. Não tenho prazer algum.
O exame de sangue está muito alterado. É a tireóide que está deixando de funcionar. A médica me explicou, fazendo um paralelo dessa glândula, que produz o hormônio T4, e a bateria de um celular. Quando a bateria do celular fica fraca, ela pede para recarregar e caso isso não seja feito, o telefone apaga. A glândula tireóide é responsável pela manutenção de várias funções corporais, e seu defeito responde por todos os meus sintomas. Ela está parando, e eu estou apagando. É preciso começar o remédio para substituir a função da tireóide. Recomenda que eu comece o medicamento de imediato, porém de forma lenta e gradual, para o meu organismo despertar aos poucos, até voltar à normalidade.
Descobri a tempo, mas fui negligente. A demora em procurar o médico tornou a situação, que é simples, num momento de risco. O nome da minha doença é hipotireoidismo. Estou mal, e o que me impressiona é a possibilidade de a parada do funcionamento da tireóide poder levar ao coma e até a morte. Começo agora com o hormônio, e não devo interromper o tratamento.
Preciso voltar a viver logo, porque tenho muito o que fazer!
* Médica, jornalista e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”.
Mara, minha amiga
ResponderExcluirNão sei se a personagem do texto é você ou alguma paciente sua, já que você é endocrinologista e esta especialidade tem a ver com o assunto tratado. De qualquer forma, estimo melhoras. E parabenizo pela lavra, como sempre muito boa.
Há muitos que se negligenciam, mas não
ResponderExcluircreio que seja de forma consciente, temos
sempre a sensação de que podemos manipular o tempo
e quando nos damos conta, estamos em cima do laço.
Um ótimo alerta, principalmente para aqueles
que pensam que já perderam o prazo de validade.
Beijos
Acredito que seja uma paciente (personagem do texto).
ResponderExcluir"Hipotireoidismo, o médico prescreverá comprimidos de hormônio tireoideano que substituirá o que o corpo normalmente produziria..." (sic)
Gostei do alerta, médicamiga!
Beijos
Marcelo, Núbia e Calvino, falei com uma pessoa que me relatou os seus sintomas de forma tão detalhada e com imagens inesperadas, que não resisti. Pedi para ela repetir e copiei tim por tim. Enchi uma meia ficha 12x25(ainda estou na idade da caneta e papel). Como tenho experiência de 31 anos mexendo com este problema, o hipotireoidismo, que é muito comum, expandi e consegui fazer o texto. Acho que ficou como vocês disseram: um alerta para a população.
ResponderExcluirObrigada pelos comentários.
Ficou excelente, Mara! Parabéns, amiga! Bjs
ResponderExcluirMara
ResponderExcluirQue belo texto!Um alerta a todos nós. São os hormônios que regem quase tudo, não é?
Parabéns, e obrigada pelo alerta!
Beijos
Evelyne e Risomar, é tão bom saber que você me prestigiaram e leram meu texto. Obrigada!
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