quarta-feira, 1 de julho de 2009




A grande virada

* Por Seu Pedro


Adanélio não gostava nada de seu nome de batismo, uma junção do nome de sua mãe Adalgisa Pinto com o nome do pai Cornélio Pequeno. Tanto que sempre prometia que um dia mudaria, chegou até dizer que preferia ser Cornélio logo de uma vez. O nome completo então o fazia arrepiar cada vez que o tinha a declarar; Adanélio Pinto Pequeno. E assim era personagem de piadas de mau-gosto.

Não participou da festa de Natal, esteve de plantão na estação de distribuidora de energia elétrica da concessionária em que trabalhava, e enquanto as luzes da cidade brilhavam, ali estava ele com a missão de cuidar das estações de força, para que nenhuma árvore de natal fosse surpreendida por algum apagão. E ali, no ambiente do trabalho, também era alvo de piadas: “Como é que um pinto pequeno pode mexer com força?”, perguntavam os colegas, em ritmo de gozação.

A vida bruta de esticar fios, trocar fusíveis de rede, ficar pendurado em escadas, tudo isso parecia não condizer com a vontade de Adanélio, que invejava a vida de executivo de alguns amigos, que trabalhavam de camisas brancas sempre limpas, em escritórios de ar-condicionado. E vivia pedindo aos céus que um dia sua vida desse uma virada.

Virada? Veio o final de ano, como havia dado plantão no Natal, ganhou folga na virada do ano, poderia ir para a praça com a família, ele mulher e um filho. Poderia, mas não foi assim. A mulher, na ausência dele na festa de Natal, na rua onde moravam, foi levada pelas borbulhas de champanhes misturadas aos vinhos e cervejas, e acabou por provar um novo pannetone em um confortável leito de motel. Fato que chegou aos ouvidos de Adanélio, e assim, nos dias úteis entre as duas festas, foi ida e vinda ao fórum, para providenciar a separação.

E chega o último dia do ano; Adanélio se arruma com a melhor e mais colorida roupa amassada, pois mexia com força, mas não ligava o ferro. Vai para a praça ver o presépio e as presepadas. Um grupo vocal gay se preparava para entoar canções da época, em um grande palco, armado para que artistas da terra se apresentassem. De repente, uma pane no sistema de eletricidade, e os holofotes se apagaram: “Aiiiii, precisamos de um homem que mexa com força”, gritou aos microfones o líder do grupo. Ou devo chamar de a líder?

Livre e solto, Adanélio resolve socorrer as meninas, e sobe ao palco, sendo reconhecido por alguns(mas) do grupo, que logo foram agradecendo: “agradecemos a essa pessoa amiga!”. Ele, já consertando os fios, tomadas e trocando fusíveis, a princípio se assustou por ser chamado como “pessoa amiga”; amiga? Mas depois lembrou da tal concordância.

Seu pensamento entrou no mundo gay, imaginou, imaginou, e imaginou que se ele fosse gay escolheria o belo exemplar de homem que estava no palco, trabalhando como operador de som; “ele é que colocaria agulha na minha vitrola”, pensou, sem nem ligar para o fato de ter sido “cornélio” por uma noite.

Não deu outra. Logo depois que os holofotes voltaram ao normal, já crivando a zero hora do ano novo, Adanélio foi chamado para os agradecimentos em público. A líder do grupo gay engasgou ao tentar falar o nome de... “Ada, por favor, somente Ada, nada mais do que Ada”, desmunhecou o eletricista, em sua grande virada. Talvez fosse essa a virada que ele sempre sonhou. Não mexe mais com força, está aprendendo corte e costura!

(*) Seu Pedro é o jornalista Pedro Diedrichs, editor do jornal Vanguarda, de Guanambi, Bahia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário