Orelhão da Sé
* Por
Guilherme Fuoco
Brasil. São Paulo. Praça da
Sé. Exatamente 3 horas da tarde. O movimento é tão grande que nem
a chuva que cai abala os largos passos das pessoas. A maioria delas
está a trabalho e nem percebe o que está acontecendo dentro da
praça. Um mendigo, grudado a um orelhão, grita chamando por
qualquer mulher.
- Moça! Senhora! Vem aqui!
Por favor! Preciso de sua ajuda!
Ninguém entende o mendigo e
ninguém dá atenção. Uma mulher, vestida com seu terninho preto e
carregando uma maleta, pensa que será roubada e apressa o passo.
Dois garotos jovens xingam o pobre Zé e descem as escadas do metrô.
O homem continua segurando o orelhão ferrenhamente e a chuva aumenta
a intensidade.
Há cinco minutos atrás, Zé
estava sentado embaixo de um toldo de uma banca de jornal. O que
importava para ele era apenas se proteger da chuva que caía. Sentia
frio e fome. Depois que decidiu vir a São Paulo e largar sua vida no
Maranhão, Zé não sabia mais qual era o gosto de um bom almoço.
Ele conhecia o churrasco de gato que sempre era acompanhado de dois
sucos de laranja. Não eram tão ruins. Mas a comida que sua mãe
fazia era, com toda a certeza do mundo, muito melhor. Olhando para as
nuvens negras se dispersando no céu, Zé escutou o orelhão ao lado
da banca de jornal tocar. Foi atender.
- Alô.
- Quem fala?
- É o Zé. Quem é?
- Palmas para o Zé. Aqui quem
fala é o Luciano Batman. Tudo bem?
- Minha Nossa Senhora! Tudo
bem sim, Luciano.
- Por que o espanto meu caro
Zé?
- É que, puxa, o senhor num
vai acreditar, eu sonhei um dia desses, que tinha atendido o orelhão
e que você tinha me dado muito dinheiro.
- Mas que coincidência, Zé!
Você quer ganhar 5 mil reais? Topa um desafio?
- Topo. O que você quiser.
Meu Deus! Antes posso mandar um beijo para minha mãe?
- Pode sim!
- Beijo mãe, te amo muito!
- Ok, ok, meu caro Zé. O
desafio é o seguinte: você tem que pedir para qualquer mulher
falar, presta atenção, qualquer mulher falar para sua esposa que
ela é uma piranha e que quer ficar com você para sempre.
- Só isso?
- Só.
- Fácil. Um minuto.
- Zé! Só não pode falar que
você vai ganhar dinheiro, ok?
- Beleza!
O mendigo então começou a
chamar as mulheres que passavam. Nenhuma lhe dava atenção. Até que
duas garotas emos resolveram atender ao pedido do homem.
- Fala, cara! O que você
quer?
- Faz um favor pra mim, moças?
Fala aí para minha mulher que você quer ficar comigo e que ela é
uma piranha.
- Eita! Está louco?
- Não! Por favor! Não
agüento mais essa mulher!
- Tudo bem, então. Alô.
Uma voz masculina finge que é
uma feminina.
- Alô. Quem é?
- Aqui quem fala é a Paula.
Olha aqui, moça! Você é uma piranha e eu vou ficar com o cara aqui
pra sempre!
- Nossa! Por que isso?
- Por que sim! Você deixa o
cara aqui fedendo na rua, todo acabado, nessa chuva enorme que cai.
Ele não tem nada pra comer. Nem roupas decentes. Pra que fazer isso
com ele?
- Deixa eu falar com o Zé.
- É pra você, moço.
Zé, chorando de emoção,
volta para o orelhão.
- Alô. Consegui? Estou rico!
Rico! Estou né?
- Alô Zé! Se ferrou! Que
Luciano que nada! É trote mané!
Muitas gargalhadas foram
ouvidas e Zé desliga o orelhão. Volta para debaixo do toldo.
* Jornalista
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