A notívaga e o sonâmbulo
* Por Aliene Coutinho
Ela passava o dia dormindo.
Isso mesmo, dormindo. Acordava ao anoitecer com uma energia diferente
dos demais mortais e saía às ruas com fome de vida. Queria ver tudo
que não vira, freqüentar todos os bares, cinemas, shows. A noite
para ela era uma criança que nunca amadurecia. Quem a visse não
acreditava em tamanha vitalidade noturna. Não tinha vícios, apenas
trocava a noite pelo dia com a mesma simplicidade de quem troca de
roupa.
E nesses passeios noite
adentro conhecia todo tipo de gente, trocava informações, prazeres,
dissabores e mistérios. Nada se parecia com ela e com sua maneira de
viver. Até que eles se encontraram. Esbarraram-se entre mesas e
bêbados, em clima de fim de festa quando ninguém mais percebe ou
ouve nada, quando as pessoas riem ou choram à-toa. Ela notívaga,
ele sonâmbulo, com profundas olheiras que lhe davam um aspecto de
cansaço e descaso, um “num tô nem aí” que lhe chamou a
atenção. Parou, esqueceu do mundo, olhou nos olhos dele e pediu que
a seguisse. Ele foi...
Ainda lhes restavam algumas
horas até o amanhecer. Ela falou da vida que levava, ele incrédulo,
contou sobre o seu dia. Eram tão diferentes. Ele mal conseguia ficar
de olhos abertos, ela cada vez mais desperta. Beijaram-se. Tocaram-se
e foram cada um para seu canto nos primeiros raios de sol. Dentro de
poucas horas ele ia pegar no batente. Ela iria dormir, e quem sabe
dessa vez sonhar com ele. Seria o primeiro personagem dos sonhos que
nunca teve. Chegou em casa ansiosa, fechou todas as cortinas, tomou
um banho quente e apagou.
Ele passou o dia meio mal,
entre acordado e quase dormindo. Estava realmente muito cansado, não
nascera para farras e noitadas, e durante todo o tempo ficou em
dúvida se o que houvera na noite anterior teria sido mesmo real.
Quem seria aquela que parecia levitar entre as pessoas, que chamava a
atenção, mas fingia passar despercebida, que tinha olhos que
iluminavam a noite, e uma voz que aguçava todos os sentidos. Ela
era como um dia de sol em plena madrugada.
Naquele dia, ele ficou em casa
para repor as energias. Dormiu cedo e sonhou com aquela mulher tão
diferente. Ela saiu apressada ao anoitecer. Foi aos mesmos lugares,
como se quisesse antecipar um encontro. No mesmo horário estava no
bar que o encontrara. Passou entre as mesas, olhou para cada um que
estava ali, procurou nos arredores e não o encontrou. Sentiu-se só.
Vieram outros dias, outras noites. Muitas vezes eles se procuraram,
em bares, cinemas, shows, pelas ruas, por toda cidade. Ela bem que
tentou trocar a noite pelo dia, ele o dia pela noite, não deu certo.
Nunca mais se viram.
*
Jornalista,
professora de Telejornalismo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário