Enquanto você não vem
* Por
Evelyne Furtado
Enquanto você não vem,
decidi cuidar de mim. Esperar sentada é acumular frustrações a cada expectativa
desfeita. Contar as horas é um exercício torturante, para quem aguarda.
Tentar me distrair
também não ajuda tanto: entre uma distração e outra, há espaço para a ausência
se instalar.
Não aboli os
passatempos, mas optei por olhar para mim e cuidar da minha realidade. Sou
alguém sem você. Alguém que pensa, sofre, ri, lê, aprende e cresce. Descobri
que a realidade está aqui, ainda que você não esteja. Meu mundo é real e tudo a
minha volta existe, apesar de você.
Tenho fantasmas a
enterrar, dores a curar, vida a viver. Pensar apenas em você não sanará minhas
dores. Sou eu quem tem que tratá-las, ou pelo menos tentar. Preciso encarar
meus medos e abrir minhas chagas, se tiver coragem de fazê-los, pois a coragem
nem sempre se encontra em mim.
Tenho que ganhar a
vida, tenho que tratar meu corpo afetuosamente, tenho que alimentar meu
espírito.
Por isso, recebo o
carinho do sol no meu corpo quando caminho na praia olhando o mar e o
horizonte. É a minha visão do mar e não preciso de você para isso. Leio meus
livros com prazer e esse como todos os deleites que disponho são meus e não
dependem de você.
As músicas que ouço
lembram você, mas o gozo que agracia meus sentidos é meu. A conversa com
amigos, as risadas, os abraços e o calor da minha família também podem ser
vivenciados por mim com alegria, apesar de sua ausência.
O pranto da saudade ou
de dor é a minha maneira de desafogar o peito quando comprimido pela dor. As
linhas que escrevo põem em ordem minha bagunça emocional. E cuido de mim,
assim, enquanto você não vem.
Quando você chegar
estarei bem, graças a minha decisão e a Deus. Partilharei com você todos os
momentos vividos e serei melhor para você. Se você não vier, vou sofrer, mas
estarei íntegra, pois não deixei uma parte da vida à mercê de você. A memória
dos nossos momentos está aqui e é parte de mim.
*
Poetisa e cronista de Natal/RN
Racionalidade de psicanalista. Pena que não funcione sempre. Nos buracos das falhas, é uma choradeira só.
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