Dez
lições da múltipla crise brasileira
* Por
Leonardo Boff
Toda crise acrisola,
purifica e faz madurar. Que lições podemos tirar dela? Elenco algumas.
Primeira lição: o tipo
de sociedade que temos não pode mais continuar assim como é. As manifestações de
2013 e as atuais mostraram claramente: não queremos mais uma democracia de
baixíssima intensidade, uma sociedade profundamente desigual e uma política de
negociatas. Nas manifestações os políticos também os da oposição foram
escorraçados. Igualmente movimentos sociais organizados. Queremos outro tipo de
Brasil, diverso daquele que herdamos que seja democrático, includente, justo e
sustentável.
Segunda lição: superar
a vergonhosa desigualdade social impedindo que 5 mil famílias extensas
controlem quase metade da riqueza nacional. Essa desigualdade se traduz por uma
perversa concentração de terras, de capitais e de uma dominação iníqua do
sistema financeiro, com bancos que extorquem o povo e o governo cobrando-lhe um
superávit primário absurdo para pagar os juros da dívida pública. Enquanto não se taxarem as grandes fortunas e não
submeterem os bancos a níveis razoáveis de lucro o Brasil será sempre desigual,
injusto e pobre.
Terceira lição:
prevalência do capital social sobre o
capital individual. Quer dizer, o que faz o povo evoluir não é matar-lhe
simplesmente e fazê-lo um consumidor mas fortalecer-lhe o capital social feito
pela educação, pela saúde, pela cultura e pela busca do bem-viver,
pré-condições de uma cidadania plena.
Quarta lição: cobrar
uma democracia participativa, construída de baixo para cima com forte presença
da sociedade organizada especialmente dos movimentos sociais que enriquecem a
democracia representativa que, por causa de sua histórica corrupção, o povo
sente que ela não mais o representa.
Quinta lição: a
reinvenção do Estado nacional. Como foi montado historicamente, atendia as
classes que detêm o ter, o poder, o saber e a comunicação dentro de uma política
de conciliação entre as oligarquias, deixando sempre o povo de fora. Ele está
aí mais para garantir privilégios do que para realizar o
bem geral da nação. O Estado tem que ser a representação da soberania popular e
todos os seus aparelhos devem estar a serviço do bem comum, com especial
atenção aos vulneráveis (seu caráter ético) e sob o severo controle social com
as devidas instituições para isso. Para tal se faz necessária uma reforma
política, com nova constituição, fruto da representação nacional e não apenas
partidária.
Sexta lição: o dever
ético-político de pagar a dívida às vítimas feitas no processo da
constituição de nossa nacionalidade e
que nunca foi paga: para com os indígenas quase exterminados, para com os
afrodescendentes (mais da metade da população brasileira) feitos escravos,
carvão para o processo produtivo; os pobres em geral sempre esquecidos pelas
políticas públicas e desprezados e
humilhados pelas classes dominantes. Urge políticas compensatórias e proativas
para criar-lhes oportunidades de se autopromoverem e se inserirem nos
benefícios da sociedade moderna.
Oitava lição: fim do
presidencialismo de coalizão de partidos, feito à base de negócios e de tráfico
de influência, de costas para o povo; é uma política de planalto desconectada
da planície onde vive o povo. Com ou sem Dilma Rousseff à frente do governo,
precisa-se, para sair da pluricrise atual, de uma nova concertação entre as
forças existentes na nação. Não pode ser apenas entre os partidos que tenderiam
a reproduzir a velha e desastrada política de conciliação ou de coalizão mas
uma concertação que acolha representantes da sociedade civil organizada,
movimentos sociais de caráter nacional, representantes do empresariado, da
intelectualidade, das artes, das mulheres,
das igrejas e das religiões a fim de elaborar uma agenda mínima aceita
por todos.
Nona lição: O caráter
claramente republicano da democracia que vai além da neoliberal e
privatista. Em outras palavras, o bem
comum (res publica) deve ganhar centralidade e em seguida o bem privado. Isso
se concretiza por políticas sociais que atendam as demandas mais gerais da população
a partir dos necessitados e deixados para trás. As políticas sociais não
se restringem apenas a ser distributivas mas importa serem redistributivas (diminuir de quem tem de mais
para repassar para quem tem de menos), em vista da redução da desigualdade
social.
Décima lição: inclusão
da natureza com seus bens e serviços e da Mãe Terra com seus direitos na
constituição de um novo tipo de democracia sócio-cósmica, à altura da
consciência ecológica que reconhece todos os seres como sujeitos de direitos
formando um grande todo: Terra-natureza-ser humano. É a base de um novo tipo de
civilização, biocentrada, capaz de garantir o futuro da vida e de nossa
civilização.
*
Leonardo Boff é teólogo e autor de “Tempo de Transcendência: o ser humano como
projeto infinito”, “Cuidar da Terra-Proteger a vida” (Record, 2010) e “A oração
de São Francisco”, Vozes (2009 e 2010), entre outros tantos livros de sucesso.
Escreveu, com Mark Hathway, “The Tao of Liberation exploring the ecology on
transformation”, “Fundamentalismo, terrorismo, religião e paz” (Vozes, 2009).
Foi observador na COP-16, realizada em Cancun, no México.
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