Ansiedade
* Por
Hilton Gorresen
A crise estava
começando. Uma onda de frio e tremor percorria seu corpo, não pôde reprimir os
bocejos constantes, esgarçando a boca ao máximo. Em seguida, a cabeça lhe
pareceu tépida, entorpecida, como se estivesse mergulhada em água fervente.
Começou a ficar agitado. Uma opressão dentro do peito. Sentiu que as pulsações
tornavam-se mais frequentes. A sensação era de estranhamento, como se estivesse
separado da realidade. Uma vontade de fugir, de chamar alguém. Foi ao banheiro
dar uma urinada, seu membro estava tenso, contraído.
Passou a mão nervosa
pelos cabelos. Agora vinha o pior: a pressão sanguínea ficou elevada, as mãos
tremiam, o coração disparou. Parecia estar na iminência de um desmaio.
Pensamentos negativos rondavam-lhe a cabeça. Sentiu-se só, desprotegido, nesses
momentos em que o homem perde a força diante do inevitável. Abriu a porta da
rua, buscando o ar gelado da noite. Pensou em bater à porta do vizinho mais
próximo, precisava ter alguém ao lado. Bobagem, o que poderiam fazer?
Em quinze minutos,
aproximadamente, a situação começou a normalizar: a frequência cardíaca
diminuiu, a pressão baixou, a cabeça foi perdendo o torpor. Havia sido sempre
assim, nos últimos dez anos, com intervalos de semanas ou mesmo de meses. Tinha
medo de viajar ou de estar em lugares distantes, em que não houvesse socorro à
mão no caso de necessidade. O medo era constante.
Ele sabia que não
havia perigo, era uma crise terrível, mas passageira. Quantas vezes, no
desespero, clamou pela assistência médica, pediu para levarem-no ao hospital,
onde os exames nada revelavam de anormal. No entanto, cada crise parecia ser a
derradeira, aquela que o levaria à morte.
O pior era a
insegurança. A crise não escolhia hora para se manifestar, mesmo nos momentos
em que estava mais descontraído, lendo ou assistindo a um filme na TV. Sem
causa aparente, sem relação de causa e consequência. Por que isso lhe
acontecia?
O início foi numa
época de estresse. Quando caminhava no centro da cidade, sentiu uma leveza no
andar, como se o fizesse sobre espumas, a cabeça começou a tontear, um calor
terrível lhe subiu pelo corpo, vindo em onda lá de baixo, das raízes, como se
fosse um tremendo orgasmo. Dormência no braço esquerdo. Achou que ia desabar
ali mesmo. Conseguiu entrar numa farmácia.
Fizeram-no sentar e
verificaram a pressão. A moça tentava acalmá-lo, trouxe um copo de água e um
comprimido de relaxante. Quando tudo normalizou, ficou o estranhamento. O que
seria isso?
Na segunda vez, estava
dirigindo o carro. Parou num posto de gasolina e pediu pelo amor de Deus que
chamassem os paramédicos. O medo o paralisava. Não sabia se iria aguentar até
chegarem. Vieram rápido, mediram-lhe a pressão e deram um calmante. Foi
conduzido ao hospital, por sorte tinha plano de saúde, fizeram vários exames,
tudo normal. O diagnóstico foi um só: ansiedade.
De lá para cá, sua
vida destrambelhou. Desistiu de uma viagem ao exterior, perdeu oportunidades de
cursos e palestras na capital, passou a sentir ojeriza de elevadores (Deus me
livre, ter um “ataque” ali dentro, fechado entre quatro paredes). Ainda bem que
seu trabalho era efetuado em casa, fazia contabilidade de pequenas empresas. Um
garoto fazia os serviços de rua, ia aos bancos, colhia assinaturas, cobrava
mensalidades.
Tinha de haver uma
saída. Se essas crises eram inofensivas, apesar do desconforto provocado, por
que sempre o deixavam apavorado? Por que as aguardava com temor?
Não era de muita
religião, quando a mulher era viva acompanhava-a aos domingos à missa;
permanecia em pé nos fundos da igreja, mãos enlaçadas na frente do corpo, olhos
para o alto, como se estivesse vislumbrando a própria Santíssima Trindade. Mas
nada, estava é matutando nos problemas financeiros que queriam se avolumar. Agora,
resolveu entrar algumas vezes na igreja, nunca se sabe, martirizava-o essa luta
contra o incontrolável. Era uma igreja antiga, de construção barroca, o teto
altíssimo pintado de azul com nuvens brancas. Atrás do altar, bem no alto,
havia um nicho onde se achava uma imagem de Nossa Senhora cercada de anjos
gordinhos, com pequenas túnicas esvoaçantes. Havia nos bancos umas cinco ou
seis pessoas. Que dramas e sofrimentos não atormentariam essas pessoas que se
refugiavam no silêncio de uma igreja nas horas modorrentas da tarde?
Um dia vislumbrou a
solução. Coisa simples, como todas as boas ideias.
Não havia desistido
das caminhadas pela manhã. Ao passar no portãozinho de uma casa, assustou-se
com os berros desesperados de um garoto: de seus dedos gotejava um sangue
vivíssimo, que respingava na roupa. A mãe veio correndo apavorada; quando viu
do que se tratava, sacudiu o menino pelo braço, gritando:
– Precisava me
assustar assim por causa de um cortezinho? Pensei que estivesse morrendo!
Teve um insight. Seria
por inspiração divina? Ele, por anos a fio, tinha sido esse menino.
Apavorando-se por algo não mais nefasto de que um corte no dedo. Ficou claro em
sua mente: uma coisa eram as sensações provenientes do estado de ansiedade;
outra, era sua reação negativa a elas. O medo provocando mais medo, ampliando
os efeitos da ansiedade.
Era preciso, então,
eliminar um dos componentes do processo. Modificar suas reações. Deixar de
lutar contra a maré. Aceitar as sensações desagradáveis como coisa natural,
reação do corpo contra um perigo inexistente. Dito figurativamente: abaixar-se
e deixar passar a tempestade. Por que nunca lhe haviam sugerido isso? Bem, são
coisas que só funcionam se nós mesmos as absorvemos, se as plasmarmos na mente
– pensou.
Surpreendeu-se a
aguardar impaciente a próxima crise. Que soltassem as feras!
Tinha acabado de se
deitar, quando começou a sentir a cabeça zonza, as pulsações se elevando, a
ponto de não conseguir concentrar-se para pegar no sono. Não se levantou, como
sempre fizera. Aguentou firme, falando como se fosse para o próprio corpo:
– Que venham as
pulsações, o aumento de pressão, o que vier, mas que venham logo! E que vão
para o diabo, desapareçam depressa, que eu quero dormir.
Esperou um pouco,
aceitando, acatando os imperativos do corpo, sem pensamentos de tragédia. Era a
primeira vez que isso acontecia.
Mas desta vez as
sensações não passaram disso, o coração acalmou; deixou o corpo largar-se na
cama e dormiu. Se aquilo era uma batalha, tinha conseguido a primeira vitória.
*
Escritor catarinense, autor de seis livros: cinco de crônicas e um de memórias.
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