Cultura do egoísmo
* Por
Frei Betto
É bem conhecida a
Parábola do Bom Samaritano (Lucas 10, 25-37), provavelmente baseada em um fato
real. Um homem descia de Jerusalém a Jericó. No caminho, foi assaltado,
espoliado, surrado e deixado à beira da estrada. Um sacerdote por ali passou e
não o socorreu. A mesma atitude de indiferença teve o levita, um religioso.
Porém, um samaritano – os habitantes da Samaria eram execrados pelos da Judeia
–, ao avistar a vítima do assalto, interrompeu sua viagem e cobriu o homem de
cuidados.
Jesus narrou a parábola
a um doutor da lei, um teólogo judeu que sequer pronunciava o vocábulo
samaritano para não contrair o pecado da língua... E levou o teólogo a admitir
que, apesar da condição religiosa do sacerdote e do levita, foi o samaritano
quem mais agiu com amor, conforme a vontade de Deus.
Na Itália, jovens
universitários expuseram à beira da estrada cartaz advertindo que, próximo
dali, um homem necessitava ser urgentemente transportado a um hospital. Todos
os motoristas eram parados adiante pela Polícia Rodoviária para responderem por
que passaram indiferentes. Os motivos, os de sempre: pressa, nada tenho a ver
com desconhecidos, medo de doença contagiosa ou de sujar o carro.
Quem parou para acudir
foi um verdureiro que, numa velha camionete, transportava seus produtos à
feira. Comprovou-se que os pobres, assim como as mulheres, são mais solidários
que os homens burgueses.
Em uma escola teológica
dos EUA, seminaristas foram incumbidos de fazer uma apresentação da Parábola do
Bom Samaritano. No caminho do auditório, ficou estendido um homem, como se ali
tivesse caído. Apenas 40% dos seminaristas pararam para socorrê-lo. Os que mais
se mostraram indiferentes foram os estudantes advertidos de que não poderiam se
atrasar para a apresentação. No entanto, se dirigiam a um palco no qual
representariam a parábola considerada emblemática quando se trata de
solidariedade.
A solidariedade é uma
tendência inata no ser humano. Porém, se não for cultivada pelo exemplo
familiar, pela educação, não se desenvolve. A psicóloga estadunidense Carolyn
Zahn-Waxler verificou que crianças começam a consolar familiares aflitos desde
a idade de um ano, muito antes de alcançarem o recurso da linguagem.
A forma mais comum de
demonstrar afeto entre humanos é o abraço – dado em aniversários, velórios,
situações de alegria, aflição ou carinho. Existe até a terapia do abraço.
Segundo notícia da
Associated Press (18/06/2007), uma escola de ensino médio da Virginia, EUA,
incluiu no regulamento a proibição de qualquer contato físico entre alunos e
entre alunos e professores.
Hoje em dia, em creches
e escolas dos EUA, educadores devem manter distância física das crianças, sob
pena de serem acusadas de pedofilia...
As crianças e os
grandes primatas – nossos avós na escala evolutiva – são capazes de solidariedade
a pessoas necessitadas. É o que comprovou a equipe do cientista Felix Warneken,
do Instituto Max Planck, de Leipzig, Alemanha (2007).
Chimpanzés de Uganda,
que viviam soltos na selva, eram trazidos à noite ao interior de um edifício.
Um animal por vez. Ele observava um homem tentando alcançar, sem sucesso, uma
varinha de plástico através de uma grade. Apesar de seus esforços, o homem não
conseguia pôr as mãos na varinha. Já o chimpanzé ficava em um local de fácil
acesso à varinha. Espontaneamente, o animal, solidário ao homem, apanhava a
varinha e entregava a ele.
É bom lembrar que os
chimpanzés não foram treinados a isso nem recompensados por assim procederem.
Teste semelhante com crianças deu o mesmo resultado. Mesmo quando a prova foi
dificultada, obrigando crianças e chimpanzés a escalar uma plataforma para
alcançar a varinha, o resultado foi igualmente positivo.
A 16 de agosto de 1996,
Binti Jua, gorila de oito anos de idade, salvou um menino de três anos que
caíra na jaula dos primatas no zoológico de Chicago. O gorila sentou em um
tronco com o menino no colo e o afagou com as costas da mão até que viessem
buscar a criança. A revista Time elegeu Binti uma das “melhores pessoas” de
1996...
Frente a tais exemplos,
é de se perguntar o que a nossa cultura, baseada na competitividade, e não na
solidariedade, faz com as nossas crianças e que tipo de adultos engendra. Os
pobres, os doentes, os idosos e os necessitados que o digam.
*
Frei Betto é escritor, autor de “Aldeia do silêncio” (Rocco), entre outros
livros.
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