Vencendo o tempo
O poeta que consegue tocar a alma de quem o lê, que acumplicia o leitor e lhe desperta a sensibilidade e a emoção, tem maiores possibilidades de se consagrar e de se eternizar (na base possível a nós humanos, claro, do “eterno enquanto dura”). Não importa seu estilo, nem a escola em que os estudiosos o classificam e sequer os temas que aborda. Importa seu dom, seu talento e sua capacidade de despertar empatia.
Foi, entendo, o que aconteceu com Luiz Vaz de Camões, tido e havido como mito, como símbolo, até, do país em que nasceu. Tanto que a data da sua morte (10 de junho de 1580) é, também, o Dia de Portugal. Sua vida, porém, não foi caracterizada pela fama, pela fortuna, por homenagens de toda a sorte, enfim, pela glória. Pelo contrário. A se acreditar em seus biógrafos (e não há razões objetivas para não se crer), o hoje mítico poeta “comeu o pão que o diabo amassou”. Enfrentou sérias privações e justo na velhice, quando as pessoas tornam-se dependentes de terceiros, caso não hajam juntado um providencial pé de meia. E ele não juntou.
Claro que não são todos os bons poetas que acabam por se impor e cuja obra é lida, relida, decorada e declamada gerações afora, como ocorre com Camões, cuja poesia freqüenta os mais nobres espaços literários 431 anos após a sua morte. Esse reconhecimento póstumo depende de uma série de circunstâncias, alheias à qualidade da obra. Entre outras, está o feliz “acaso”, que alguns chamam de sorte, outros de destino, mas cujo significado, no final das contas, é o mesmo. Isso vale não apenas para os poetas, mas para todos os escritores e mais, para todas as pessoas, artistas ou não.
É particularmente admirável o fato de Camões ser tão reconhecido e admirado mais de quatro séculos após a morte por uma série de razões. Por exemplo, na época em que viveu e em que compôs sua obra, o hábito da leitura era um luxo. A quase totalidade da população européia, qualquer coisa em torno de 90%, era analfabeta. Publicar livros na ocasião, portanto, era péssimo negócio, se encarado, apenas, pelo aspecto comercial.
Raros, raríssimos escritores conseguiam convencer os primitivíssimos editores a publicarem seus livros. As pessoas de mais posses, principalmente a nobreza européia, não consideravam que, saber ler e exercitar esse conhecimento fossem coisas dignas da sua posição social. Para eles, um nobre, que merecesse de fato essa classificação, tinha que saber montar com perfeição, ser exímio cavaleiro, dominar a arte da guerra, ser perito em esgrimir uma espada ou um florete e ser corajoso em combate. “Ler? Para quê?”, era a pergunta que faziam. E essa mentalidade prevaleceu por muito tempo.
Em favor de Camões é necessário que se diga que, apesar de poeta e de saber, claro, ler e escrever (o que talvez o diminuísse aos olhos da nobreza), era, também, um guerreiro (posto que ditado pelas circunstâncias). Combateu, por exemplo, na África, onde perdeu um olho (dizem que se auto-exilou de Portugal depois de levar um fora de uma mulher pela qual estava apaixonado). Após essa aventura, regressou a Portugal.
Pelo jeito, devia ser uma pessoa temperamental, um sujeito esquentadinho, desses que não levam desaforo para casa. Como cheguei a essa conclusão? Fácil, por dedução, ao ler em sua biografia, que pouco depois de retornar da África, feriu, em Lisboa, um servo do Paço, que o teria provocado. Um sujeito calmo e cordato não faria isso. Acabou, como seria de se esperar, preso por essa atitude hostil. Mas foi perdoado pelo rei e partiu para o Oriente, onde passou muito tempo. Lá, também foi preso, e por diversas vezes, pelos mais variados motivos e, embora privado de um olho, voltou a pegar em armas, engajado às forças portuguesas.
Nesse período, todavia, seu maior feito (não para a sua geração, mas para as vindouras), não foi a exibição de sua coragem (ou imprudência?) de armas nas mãos. Foi a composição de um livro, mais especificamente, de uma epopéia, que se iguala, sdem favor algum, às duas de Homero, “!Ilíada” e “Odisséia”; à do romano Virgílio, “Eneida” e às duas indianas, “Ramaiana” e “Mahabarata”. Claro que me refiro a “Os Lusíadas”.
Tenho particular carinho por essa obra, não somente por sua importância histórica e literária, mas por uma razão bem mais prosaica. Nos tempos em que cursava o antigo ginásio, meu professor de Português, o saudoso Moisés Prates, a quem devo meu profundo amor pela literatura, dava suas magníficas aulas de análise sintática nos fazendo analisar (na verdade,virar no avesso) os versos de “Os Lusíadas”. Não nego que na ocasião cheguei a odiar esse livro, notadamente quando me enroscava em alguma análise. Hoje, sei décor trechos e mais trechos dessa epopéia, cujo valor, finalmente, está mais claro para mim do que um dia de sol.
Ao voltar a Portugal, Camões publicou seu extraordinário livro que, se lhe rendeu, na Corte, um relativo prestígio como intelectual e, sobretudo, como poeta, em termos de recursos financeiros não contribuiu em nada para sua subsistência. O rei, Dom Sebastião, determinou-lhe pequena pensão mensal, mas não pelos seus dotes poéticos, porém pelos serviços que prestou, como militar, à Coroa. O que ganhava, no entanto, mal dava para comer.
Seus últimos dias foram de penúria, de privações e de miséria. E também de frustrações. Entre outras coisas, Camões queixava-se da pouca importância que as pessoas davam ao seu livro e não se conformava com isso. Pudera! Numa Europa em que o analfabetismo era quase absoluto, o que ele poderia esperar em termos de leitura?! Como as pessoas poderiam ler sua genial epopéia se não sabiam juntar a com b?!
Quanto à sua obra lírica, o poeta sequer chegou a publicar em vida. Ela apenas foi publicada alguns anos após sua morte. Por todas essas circunstâncias, não é notável, e até miraculoso, o justíssimo prestígio que Camões goza atualmente, principalmente nos países de língua portuguesa? Sem dúvida! Com sorte e talento, o homem que hoje é símbolo de Portugal conseguiu vencer tanto o tempo, quanto, e principalmente, o esquecimento.
Boa leitura.
O Editor.
O poeta que consegue tocar a alma de quem o lê, que acumplicia o leitor e lhe desperta a sensibilidade e a emoção, tem maiores possibilidades de se consagrar e de se eternizar (na base possível a nós humanos, claro, do “eterno enquanto dura”). Não importa seu estilo, nem a escola em que os estudiosos o classificam e sequer os temas que aborda. Importa seu dom, seu talento e sua capacidade de despertar empatia.
Foi, entendo, o que aconteceu com Luiz Vaz de Camões, tido e havido como mito, como símbolo, até, do país em que nasceu. Tanto que a data da sua morte (10 de junho de 1580) é, também, o Dia de Portugal. Sua vida, porém, não foi caracterizada pela fama, pela fortuna, por homenagens de toda a sorte, enfim, pela glória. Pelo contrário. A se acreditar em seus biógrafos (e não há razões objetivas para não se crer), o hoje mítico poeta “comeu o pão que o diabo amassou”. Enfrentou sérias privações e justo na velhice, quando as pessoas tornam-se dependentes de terceiros, caso não hajam juntado um providencial pé de meia. E ele não juntou.
Claro que não são todos os bons poetas que acabam por se impor e cuja obra é lida, relida, decorada e declamada gerações afora, como ocorre com Camões, cuja poesia freqüenta os mais nobres espaços literários 431 anos após a sua morte. Esse reconhecimento póstumo depende de uma série de circunstâncias, alheias à qualidade da obra. Entre outras, está o feliz “acaso”, que alguns chamam de sorte, outros de destino, mas cujo significado, no final das contas, é o mesmo. Isso vale não apenas para os poetas, mas para todos os escritores e mais, para todas as pessoas, artistas ou não.
É particularmente admirável o fato de Camões ser tão reconhecido e admirado mais de quatro séculos após a morte por uma série de razões. Por exemplo, na época em que viveu e em que compôs sua obra, o hábito da leitura era um luxo. A quase totalidade da população européia, qualquer coisa em torno de 90%, era analfabeta. Publicar livros na ocasião, portanto, era péssimo negócio, se encarado, apenas, pelo aspecto comercial.
Raros, raríssimos escritores conseguiam convencer os primitivíssimos editores a publicarem seus livros. As pessoas de mais posses, principalmente a nobreza européia, não consideravam que, saber ler e exercitar esse conhecimento fossem coisas dignas da sua posição social. Para eles, um nobre, que merecesse de fato essa classificação, tinha que saber montar com perfeição, ser exímio cavaleiro, dominar a arte da guerra, ser perito em esgrimir uma espada ou um florete e ser corajoso em combate. “Ler? Para quê?”, era a pergunta que faziam. E essa mentalidade prevaleceu por muito tempo.
Em favor de Camões é necessário que se diga que, apesar de poeta e de saber, claro, ler e escrever (o que talvez o diminuísse aos olhos da nobreza), era, também, um guerreiro (posto que ditado pelas circunstâncias). Combateu, por exemplo, na África, onde perdeu um olho (dizem que se auto-exilou de Portugal depois de levar um fora de uma mulher pela qual estava apaixonado). Após essa aventura, regressou a Portugal.
Pelo jeito, devia ser uma pessoa temperamental, um sujeito esquentadinho, desses que não levam desaforo para casa. Como cheguei a essa conclusão? Fácil, por dedução, ao ler em sua biografia, que pouco depois de retornar da África, feriu, em Lisboa, um servo do Paço, que o teria provocado. Um sujeito calmo e cordato não faria isso. Acabou, como seria de se esperar, preso por essa atitude hostil. Mas foi perdoado pelo rei e partiu para o Oriente, onde passou muito tempo. Lá, também foi preso, e por diversas vezes, pelos mais variados motivos e, embora privado de um olho, voltou a pegar em armas, engajado às forças portuguesas.
Nesse período, todavia, seu maior feito (não para a sua geração, mas para as vindouras), não foi a exibição de sua coragem (ou imprudência?) de armas nas mãos. Foi a composição de um livro, mais especificamente, de uma epopéia, que se iguala, sdem favor algum, às duas de Homero, “!Ilíada” e “Odisséia”; à do romano Virgílio, “Eneida” e às duas indianas, “Ramaiana” e “Mahabarata”. Claro que me refiro a “Os Lusíadas”.
Tenho particular carinho por essa obra, não somente por sua importância histórica e literária, mas por uma razão bem mais prosaica. Nos tempos em que cursava o antigo ginásio, meu professor de Português, o saudoso Moisés Prates, a quem devo meu profundo amor pela literatura, dava suas magníficas aulas de análise sintática nos fazendo analisar (na verdade,virar no avesso) os versos de “Os Lusíadas”. Não nego que na ocasião cheguei a odiar esse livro, notadamente quando me enroscava em alguma análise. Hoje, sei décor trechos e mais trechos dessa epopéia, cujo valor, finalmente, está mais claro para mim do que um dia de sol.
Ao voltar a Portugal, Camões publicou seu extraordinário livro que, se lhe rendeu, na Corte, um relativo prestígio como intelectual e, sobretudo, como poeta, em termos de recursos financeiros não contribuiu em nada para sua subsistência. O rei, Dom Sebastião, determinou-lhe pequena pensão mensal, mas não pelos seus dotes poéticos, porém pelos serviços que prestou, como militar, à Coroa. O que ganhava, no entanto, mal dava para comer.
Seus últimos dias foram de penúria, de privações e de miséria. E também de frustrações. Entre outras coisas, Camões queixava-se da pouca importância que as pessoas davam ao seu livro e não se conformava com isso. Pudera! Numa Europa em que o analfabetismo era quase absoluto, o que ele poderia esperar em termos de leitura?! Como as pessoas poderiam ler sua genial epopéia se não sabiam juntar a com b?!
Quanto à sua obra lírica, o poeta sequer chegou a publicar em vida. Ela apenas foi publicada alguns anos após sua morte. Por todas essas circunstâncias, não é notável, e até miraculoso, o justíssimo prestígio que Camões goza atualmente, principalmente nos países de língua portuguesa? Sem dúvida! Com sorte e talento, o homem que hoje é símbolo de Portugal conseguiu vencer tanto o tempo, quanto, e principalmente, o esquecimento.
Boa leitura.
O Editor.
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Não cheguei a analisar "Os Lusíadas", mas fiz a leitura aos 18 anos, pois o livro foi indicado na minha época do vestibular.
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