Idas e vindas do Português
* Por Mara Narciso
Na esteira do livro do MEC, lá vamos nós! O modo de agir e de falar são parte da identidade de um povo. Algumas famílias têm seu modo peculiar de falar. Muitos sabem contar sobre palavras que apenas o grupo familiar entende, principalmente na infância. Também se sabe de palavras novas encontradas no convívio com amigos. Interessante falar “cabido” e “fechar a luz”. Quem chega tem um estranhamento, mas para quem sempre ouviu assim, o errado é o certo.
Ditas dessa maneira, as palavras “butar”, tumar”, “culuna” e “sabunete” soam estranhas para alguém do sudeste, mas não para quem é do nordeste. Em Montes Claros se falava “Governo de Lula”, “Casa de Diogo”, até a Rede Globo tomar pé e impor o correto(?): “Governo do Lula” e “Casa do Diogo”. Quem contestará?
Antigamente os recém-nascidos e lactentes eram chamados de “neném”, por aqui, mas hoje quem é louco de dizer tamanha heresia? Até nos comerciais locais fala-se em “Quarto do Bebê e Companhia”. Soaria mal para os ouvidos atuais falar “Quarto de neném e companhia”? Certamente. Ninguém quer ser diferente, pois se paga um preço por isso.
Ao invés de dizer “Vou lá em Bocaiúva”, dizia-se “Vou lá ‘ni’ Bocaiúva”, para desespero das professoras que corrigiam seus alunos. Ainda hoje há quem fale assim, por força da tradição. Mas é constrangedor ouvir na linguagem culta uma palavra mal colocada.
Algumas palavras ouvidas na infância, só serão decifradas mais tarde. Enquanto “burriscar” era rabiscar, cobrir com o cobertor era “ribuçar”, e “sujegar” é o que mesmo? Descobri que era subjugar. Demorei a descobrir o que era “fulano ‘suverteu’ no mundo”. Significava sumir, mas a palavra vem de subverteu. Para quem não sabe ler e nem imagina como seja a palavra, vai falando do seu modo e a língua viva vai se modificando. Na zona rural do norte de Minas, onde entre os adultos o índice de analfabetismo é uma vergonha nacional, e mais ainda há algumas décadas, ouvia-se “vou barrê lá”, querendo dizer “vou varrer lá”. Soube depois que em algumas palavras do Espanhol o “v” era grafado como “b”, daí a frequência desse falar.
Não é vantajoso ser diferente da maioria. Melhor ficar escondido na multidão, embora quase todos queiram ocupar um lugar de destaque. A fala diz tudo sobre a pessoa e a sua origem. Muitos doutores escorregam quando se esquecem e falam no palavreado familiar. E às vezes demoram a perceber a gafe cometida. Outros valorizam o falar errado, e até cultuam isso como parte do orgulho regional.
Quando um time de vôlei no clube fazia um ponto, alguém dizia ao adversário: “ponto ‘docês’”. Também era comum se falar “carro seus” e “casa suas”. Mas o que é isso? Substantivo no singular e pronome possessivo no plural?
Cada local tem o seu modo de expressão. Poderia ser chamado de erro? O famoso “um chops” dos paulistanos mereceria uma reforma no linguajar, uma mudança coletiva? Não creio. Quem vai ensinar a quem?
Quando começou a especialidade de intensivista, na Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte tinha escrito na porta a sigla CTI – Centro de Tratamento Intensivo. Aqui em Montes Claros também era assim. Mas em São Paulo e Rio de Janeiro é UTI – Unidade de Tratamento Intensivo. Então, por força da maioria, os demais passaram a falar como nessas cidades.
Quando se é forasteiro, mal se abre a boca e já chama a atenção. Acho um atraso mostrar espanto ao sotaque alheio. Um bom exercício é treinar os ouvidos e tentar decifrar de onde a pessoa veio. Mesmo com a globalização, é bom verificar que os 46 anos da Rede Globo e suas novelas massificantes não tornaram a fala nacional unificada. Permanecem os sotaques, e isso é bom. Mas com a internet, os modos de expressão serão igualados?
Alface é feminina e grama – a unidade de peso - é masculina. Não escrevo, mas volta e meia falo errado. Também não se deve falar “seje” e “esteje”, mas há quem os diga, mesmo sabendo o certo. Muitos ficam chateados em ser corrigidos, mas eu agradeço. Morrerei aprendendo, mas morrerei muito antes da hora caso pare de aprender.
* Médica endocrinologista, jornalista profissional, acadêmica da Academia Feminina de Letras de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”.
Na esteira do livro do MEC, lá vamos nós! O modo de agir e de falar são parte da identidade de um povo. Algumas famílias têm seu modo peculiar de falar. Muitos sabem contar sobre palavras que apenas o grupo familiar entende, principalmente na infância. Também se sabe de palavras novas encontradas no convívio com amigos. Interessante falar “cabido” e “fechar a luz”. Quem chega tem um estranhamento, mas para quem sempre ouviu assim, o errado é o certo.
Ditas dessa maneira, as palavras “butar”, tumar”, “culuna” e “sabunete” soam estranhas para alguém do sudeste, mas não para quem é do nordeste. Em Montes Claros se falava “Governo de Lula”, “Casa de Diogo”, até a Rede Globo tomar pé e impor o correto(?): “Governo do Lula” e “Casa do Diogo”. Quem contestará?
Antigamente os recém-nascidos e lactentes eram chamados de “neném”, por aqui, mas hoje quem é louco de dizer tamanha heresia? Até nos comerciais locais fala-se em “Quarto do Bebê e Companhia”. Soaria mal para os ouvidos atuais falar “Quarto de neném e companhia”? Certamente. Ninguém quer ser diferente, pois se paga um preço por isso.
Ao invés de dizer “Vou lá em Bocaiúva”, dizia-se “Vou lá ‘ni’ Bocaiúva”, para desespero das professoras que corrigiam seus alunos. Ainda hoje há quem fale assim, por força da tradição. Mas é constrangedor ouvir na linguagem culta uma palavra mal colocada.
Algumas palavras ouvidas na infância, só serão decifradas mais tarde. Enquanto “burriscar” era rabiscar, cobrir com o cobertor era “ribuçar”, e “sujegar” é o que mesmo? Descobri que era subjugar. Demorei a descobrir o que era “fulano ‘suverteu’ no mundo”. Significava sumir, mas a palavra vem de subverteu. Para quem não sabe ler e nem imagina como seja a palavra, vai falando do seu modo e a língua viva vai se modificando. Na zona rural do norte de Minas, onde entre os adultos o índice de analfabetismo é uma vergonha nacional, e mais ainda há algumas décadas, ouvia-se “vou barrê lá”, querendo dizer “vou varrer lá”. Soube depois que em algumas palavras do Espanhol o “v” era grafado como “b”, daí a frequência desse falar.
Não é vantajoso ser diferente da maioria. Melhor ficar escondido na multidão, embora quase todos queiram ocupar um lugar de destaque. A fala diz tudo sobre a pessoa e a sua origem. Muitos doutores escorregam quando se esquecem e falam no palavreado familiar. E às vezes demoram a perceber a gafe cometida. Outros valorizam o falar errado, e até cultuam isso como parte do orgulho regional.
Quando um time de vôlei no clube fazia um ponto, alguém dizia ao adversário: “ponto ‘docês’”. Também era comum se falar “carro seus” e “casa suas”. Mas o que é isso? Substantivo no singular e pronome possessivo no plural?
Cada local tem o seu modo de expressão. Poderia ser chamado de erro? O famoso “um chops” dos paulistanos mereceria uma reforma no linguajar, uma mudança coletiva? Não creio. Quem vai ensinar a quem?
Quando começou a especialidade de intensivista, na Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte tinha escrito na porta a sigla CTI – Centro de Tratamento Intensivo. Aqui em Montes Claros também era assim. Mas em São Paulo e Rio de Janeiro é UTI – Unidade de Tratamento Intensivo. Então, por força da maioria, os demais passaram a falar como nessas cidades.
Quando se é forasteiro, mal se abre a boca e já chama a atenção. Acho um atraso mostrar espanto ao sotaque alheio. Um bom exercício é treinar os ouvidos e tentar decifrar de onde a pessoa veio. Mesmo com a globalização, é bom verificar que os 46 anos da Rede Globo e suas novelas massificantes não tornaram a fala nacional unificada. Permanecem os sotaques, e isso é bom. Mas com a internet, os modos de expressão serão igualados?
Alface é feminina e grama – a unidade de peso - é masculina. Não escrevo, mas volta e meia falo errado. Também não se deve falar “seje” e “esteje”, mas há quem os diga, mesmo sabendo o certo. Muitos ficam chateados em ser corrigidos, mas eu agradeço. Morrerei aprendendo, mas morrerei muito antes da hora caso pare de aprender.
* Médica endocrinologista, jornalista profissional, acadêmica da Academia Feminina de Letras de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”.
Sou incapaz de corrigir os erros alheios
ResponderExcluira não ser que me peçam.Estaria expondo a pessoa
a uma situação constrangedora.
Se a mensagem enviada foi entendida, compreendida
e assimilada não vejo razão para a correção.
Porém concordo que ouví-los dói aos ouvidos.
Quando comecei a conversar na "net", disseram que eu estava "falando" errado", me desculpei e deixei bem claro que não saberia fazê-lo de outra forma. Confesso que alguns "cacoetes" inseridos no mundo virtual já fazem parte do meu cotidiano.
Abração Mara
Marcelo Sguassábia continua sem conseguir postar aqui no Literário e enviou-me pelo FaceBook o seguinte comentário:
ResponderExcluir"Dra. Mara, muito bom seu texto das "Idas e Vindas". O assunto está na ordem do dia. Meu abraço e meus parabéns."
Obrigada Marcelo pelo incentivo constante.
Núbia, antigamente, nos chats, me criticavam por que eu escrevia como falo, e era diferente dos demais. Mesmo lá, abrevio pouco. Sobre correção, quando a pessoa demonstra querer, eu dou palpite. A minha secretária, há 19 anos no consultório, gosta de falar correto e pede para que eu a corrija, quando necessário. Diz que assim pode ensinar certo ao filho dela, para que não seja discriminado.
Obrigada pela atenção, Núbia.
Mara,
ResponderExcluirhá quem fale " Adevogado"...e " Menas"....." seje " então...é campeão ! risos.
E como escrevem " quiZer".
Muito bom o artigo. Bom e atual.
Beijos !
Celamar, falamos errado, e escrevemos ainda mais. Quiser eu já aprendi, mas o estranho é que escrevo esplendor e "explêndido", com "x". Depois é que vou ver. Nos chats é uma raridade alguém escrever "há" do verbo "haver" com "agá". Já nem ligo mais.
ResponderExcluirObrigada pela visita e por comentar.