segunda-feira, 17 de janeiro de 2011


Uma noite e dois dias de pausa

* Por Adelcir Oliveira


Sentei-me. Eu estava cansado. Não dancei. Não danço. Aborreci-me com a insistência da moça. Sua indelicadeza fez de mim um antipático. Faltou-lhe habilidade de comunicação para depreender o outro. Exatamente o que não faltou em meu bom amigo, que me convidara para aquela festa sem graça.
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Desculpe-me, mas na dança vejo muito mais sensualidade que alegria. Chego a achar patético às vezes. Mas o que mais gosto na dança é observar algumas mulheres mexendo o corpo sensualmente. Quanto a mim, terceirizo o ato.
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Pensei que não dormiria. Sei quando a insônia vem. Não acendi a luz do quarto. Fiquei no escuro com meus pensamentos. Não rezei. Não sou religioso. Apenas divaguei na escuridão que me escondia. A noite não me foi boa. Há pouco no sofá uma companhia feminina. Tentei beijá-la como da outra vez. Acho que no primeiro encontro tudo começou em outro sofá. Não, não foi isso, recordo-me agora. Era mesa de bar... Hoje ela não quis nada. Negou-me o beijo com toda a sua delicadeza. Não insisti. Nem tentei outra vez. Eram 2h da manhã. Uma quinta-feira. Conversamos sobre algumas coisas. Eu não estava nem simpático, nem engraçado. A última frase que ouvi dela foi que sou “muito certinho”.
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Alguns minutos sob a escuridão da madrugada. A campainha tocou. Era o dono do apartamento. Conversamos. Eu queria saber se dera tudo certo com a moça. Ele a levara em casa. Tudo tramado para acontecer. Mas ela falou demais. E destampou a falar sobre o ex-namorado. Papo suficientemente chato para aborrecer o amigo. Não tentou com ela nem ao menos um beijo. Ela até pediu contatos. Não obteve êxito, senão indicações de como fazê-lo. Uma mulher bonita e atraente. O que será que se passou pela cabeça dela?
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Devo ter dormido um pouco. Mas não o suficiente para sentir-me melhor no dia seguinte. Pela manhã, tomei um banho. Improvisei no barbear, pois não havia um creme adequado. O jeito foi usar uma loção hidratante e água. O amigo, enquanto isso, fez o café. Ao passo que me vestia, ouvi dele que eu deveria ler a Bíblia. Narrei-lhe um pequeno fato. Uma professora de antropologia contou que dissera numa aula que o conteúdo da Bíblia não passa de mito. A aluna levantou-se e saiu da sala, para nunca mais voltar àquela faculdade. A Bíblia impediu-lhe de obter formação cultural. Digo isto sem saber se ela procurou outra instituição.
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Não leio a Bíblia, nem pretendo fazê-lo. Mas se disser que jamais li, estarei mentindo. Li e a erudição do texto é admirável. O conteúdo é para ser interpretado. Não se trata de acreditar ou não.
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Os dias se passaram. Entre os dois últimos parágrafos deste texto houve dois dias de pausa. Não podemos chamar de silêncio, pois os fatos se sucederam. O que se deu é que o texto ficou quieto, à espreita, creio. Tempo para escrever, houve. O fato exato da pausa, eu não sei.

• Jornalista e cinegrafista

Um comentário:

  1. Essas pausas...umas se tornam tão compridas
    que as palavras custam a fazer sentido.
    Ainda bem que passam.
    Abraços

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