Marilyn & Miller
* Por Urariano Mota
Perdoem por favor a falta de respeito. Mas das fotos de Arthur Miller que se divulgaram após a sua morte, as que mais insistem na retina são as fotos de Marilyn Monroe. Resistem e não saem da vista os seios, o sexo que insinuam os seios, a sensualidade, o sexo e os seios daquilo que o mercado um dia chamou e chama de Marilyn Monroe. Resiste na memória o decote de onde pulam os seios como um anúncio de Coca-Cola, como um outdoor do refrigerante no deserto. “Nunca fui santa”, diz o anúncio, como uma tentação de Tântalo.
Perdão, Mr. Miller. Na sua morte deveríamos falar da sua vida, de A Morte do Caixeiro-Viajante, do seu perfil de cidadão livre que se recusou a delatar colegas e companheiros de profissão. Perdoe o sentimento rebelde que não vai para onde manda o necrológio. Pois não podemos deixar de imaginar o que foi sua vida com Marilyn Monroe, com aqueles seios que nos chegam como uma antecipação da sua morte, Mr. Miller, como se Marilyn fosse uma viúva, ardente viúva antes de agora, bem antes de anteontem.
As informações acumuladas pela indústria de entretenimento nos dizem que vocês se casaram em 29 de junho de 1956. A vulgaridade exterior nos informa também que você procurou com esse casamento se apossar do sonho de milhões de homens, abocanhá-lo como se abocanha uma torta, um cake de carne, atingindo assim o Olimpo da fama e do desejo, porque se casava com uma deusa do sexo e da luxúria. E põem até aspas nessa realização, “quando devo parar de trabalhar e começar a viver?”, dizem que você se disse. Não resistimos à tentação de transcrever mais coisas vulgares e exteriores ao seu sentimento que, sabemos, continuou até o último dia, quando o seu coração deixou de pulsar por Marilyn.
"Marilyn necessitava ser querida e desejada e, para tanto, precisava de eterna confirmação - compensando os míseros dias de infância vivida. Miller precisava de algo desesperadamente para que todos os esforços tivessem valido a pena e para curar as mágoas da frieza de sua alma, que lhe servia de proteção”.
Esse purgante acima é estranho ao sentimento descrito por você, que assim se referiu à própria reação, quando foram apresentados: "Quando nos demos a mão, o movimento do corpo de Marilyn me atingiu como um choque". A distância podemos sentir essa corrente elétrica como a mensagem das imagens acumuladas no artista pelo mito da mulher voluptuosa dos filmes, mas tão indefesa, encarnada na mãozinha tenra, calorosa, da mocinha prostituída pela indústria do cinema. Não sabemos se com esse último período contribuímos com a nossa cota para o amontoado de vulgaridades. Se assim foi, tentaremos pagar a falta com esse novo período:
Se há uma coisa que um homem faz com prazer é pecar sob recomendação da moral e dos princípios mais éticos. Os cristãos entendem isso muito bem, quando matam em nome da fé, ou quando se reproduzem para cumprir um mandamento divino. Queremos dizer, no seu caso, é uma coisa muito boa salvar uma pessoa que virou atriz porque sabia virar bem o corpo na cama. Isso é recomendado por qualquer humanismo, e, como sofrer não pode nem deve ser um destino, nada de imoral existe em fazer com que a oprimida vire o corpo somente para um, para o teatrólogo sério e bem-intencionado. Se houvesse uma fórmula de cinismo, dir-se-ia, com um teatrólogo uma atriz é mais atriz.
Isto dizemos nós, estranhos ao sentimento dessa união. A distância das pessoas e do tempo é com freqüência maledicente. Quem os viu então, acreditou que vocês se casaram por amor, como de resto os casamentos de todo o mundo se proclamam. Marilyn escreveu na foto da cerimônia, “Esperança, esperança, esperança”. Você, na aliança, no que lhe pareceu inteligente como uma algema psicológica ou, esperança, esperança, com o efeito de um mantra, “Agora é para sempre”. Seria, poderia ser, deveria, quase foi. Não fosse Hollywood o que era, não fosse a inumanidade da fama o que é, não fosse Marilyn Marilyn, nem Arthur Miller Arthur Miller, o casamento do intelectual e da princesinha roubada à prostituição teria sido para sempre. Os plantonistas da vulgaridade anotaram que entre a eternidade do casamento e a realidade do sentimento houve a infidelidade com Yves Montand, Clark Gable, Tony Curtis, Kennedy, os Kennedys.... esperança, esperança de cama forever, no caminho de Marilyn. Os plantonistas pantomimos de profundidade publicaram que você, numa determinada altura, quis fazer de Marilyn uma intelectual .... esperança, esperança. Para sempre, Miller, Marilyn já havia declarado: “Eu possuo uma cabeça muito boa. O único problema é que não tenho nada dentro dela”. E isso não era bem uma piada. Era apenas o modo grosseiro de ser dos norte-americanos, de se exporem tão simples quanto um mecanismo de máquina, que se monta e desmonta.
Quando se divorciaram cinco anos depois do casamento, em 1961, você confidenciou que não dava mais para viver com a mulher que não possuía amor nem para ela própria. Em agosto de 1962 ela se matou, ou mataram-na, os garanhões de hambúrguer da Casa Branca. Você durou 42 anos mais depois dessa morte. Do rosto de Mr. Miller resiste mais o absurdo dessa imagem de Marilyn como uma viúva precoce. Do criador, do que afinal você foi, resiste para sempre a certeza de que as pessoas não são laranjas, que se chupam e se jogam fora.
* Jornalista e escritor
* Por Urariano Mota
Perdoem por favor a falta de respeito. Mas das fotos de Arthur Miller que se divulgaram após a sua morte, as que mais insistem na retina são as fotos de Marilyn Monroe. Resistem e não saem da vista os seios, o sexo que insinuam os seios, a sensualidade, o sexo e os seios daquilo que o mercado um dia chamou e chama de Marilyn Monroe. Resiste na memória o decote de onde pulam os seios como um anúncio de Coca-Cola, como um outdoor do refrigerante no deserto. “Nunca fui santa”, diz o anúncio, como uma tentação de Tântalo.
Perdão, Mr. Miller. Na sua morte deveríamos falar da sua vida, de A Morte do Caixeiro-Viajante, do seu perfil de cidadão livre que se recusou a delatar colegas e companheiros de profissão. Perdoe o sentimento rebelde que não vai para onde manda o necrológio. Pois não podemos deixar de imaginar o que foi sua vida com Marilyn Monroe, com aqueles seios que nos chegam como uma antecipação da sua morte, Mr. Miller, como se Marilyn fosse uma viúva, ardente viúva antes de agora, bem antes de anteontem.
As informações acumuladas pela indústria de entretenimento nos dizem que vocês se casaram em 29 de junho de 1956. A vulgaridade exterior nos informa também que você procurou com esse casamento se apossar do sonho de milhões de homens, abocanhá-lo como se abocanha uma torta, um cake de carne, atingindo assim o Olimpo da fama e do desejo, porque se casava com uma deusa do sexo e da luxúria. E põem até aspas nessa realização, “quando devo parar de trabalhar e começar a viver?”, dizem que você se disse. Não resistimos à tentação de transcrever mais coisas vulgares e exteriores ao seu sentimento que, sabemos, continuou até o último dia, quando o seu coração deixou de pulsar por Marilyn.
"Marilyn necessitava ser querida e desejada e, para tanto, precisava de eterna confirmação - compensando os míseros dias de infância vivida. Miller precisava de algo desesperadamente para que todos os esforços tivessem valido a pena e para curar as mágoas da frieza de sua alma, que lhe servia de proteção”.
Esse purgante acima é estranho ao sentimento descrito por você, que assim se referiu à própria reação, quando foram apresentados: "Quando nos demos a mão, o movimento do corpo de Marilyn me atingiu como um choque". A distância podemos sentir essa corrente elétrica como a mensagem das imagens acumuladas no artista pelo mito da mulher voluptuosa dos filmes, mas tão indefesa, encarnada na mãozinha tenra, calorosa, da mocinha prostituída pela indústria do cinema. Não sabemos se com esse último período contribuímos com a nossa cota para o amontoado de vulgaridades. Se assim foi, tentaremos pagar a falta com esse novo período:
Se há uma coisa que um homem faz com prazer é pecar sob recomendação da moral e dos princípios mais éticos. Os cristãos entendem isso muito bem, quando matam em nome da fé, ou quando se reproduzem para cumprir um mandamento divino. Queremos dizer, no seu caso, é uma coisa muito boa salvar uma pessoa que virou atriz porque sabia virar bem o corpo na cama. Isso é recomendado por qualquer humanismo, e, como sofrer não pode nem deve ser um destino, nada de imoral existe em fazer com que a oprimida vire o corpo somente para um, para o teatrólogo sério e bem-intencionado. Se houvesse uma fórmula de cinismo, dir-se-ia, com um teatrólogo uma atriz é mais atriz.
Isto dizemos nós, estranhos ao sentimento dessa união. A distância das pessoas e do tempo é com freqüência maledicente. Quem os viu então, acreditou que vocês se casaram por amor, como de resto os casamentos de todo o mundo se proclamam. Marilyn escreveu na foto da cerimônia, “Esperança, esperança, esperança”. Você, na aliança, no que lhe pareceu inteligente como uma algema psicológica ou, esperança, esperança, com o efeito de um mantra, “Agora é para sempre”. Seria, poderia ser, deveria, quase foi. Não fosse Hollywood o que era, não fosse a inumanidade da fama o que é, não fosse Marilyn Marilyn, nem Arthur Miller Arthur Miller, o casamento do intelectual e da princesinha roubada à prostituição teria sido para sempre. Os plantonistas da vulgaridade anotaram que entre a eternidade do casamento e a realidade do sentimento houve a infidelidade com Yves Montand, Clark Gable, Tony Curtis, Kennedy, os Kennedys.... esperança, esperança de cama forever, no caminho de Marilyn. Os plantonistas pantomimos de profundidade publicaram que você, numa determinada altura, quis fazer de Marilyn uma intelectual .... esperança, esperança. Para sempre, Miller, Marilyn já havia declarado: “Eu possuo uma cabeça muito boa. O único problema é que não tenho nada dentro dela”. E isso não era bem uma piada. Era apenas o modo grosseiro de ser dos norte-americanos, de se exporem tão simples quanto um mecanismo de máquina, que se monta e desmonta.
Quando se divorciaram cinco anos depois do casamento, em 1961, você confidenciou que não dava mais para viver com a mulher que não possuía amor nem para ela própria. Em agosto de 1962 ela se matou, ou mataram-na, os garanhões de hambúrguer da Casa Branca. Você durou 42 anos mais depois dessa morte. Do rosto de Mr. Miller resiste mais o absurdo dessa imagem de Marilyn como uma viúva precoce. Do criador, do que afinal você foi, resiste para sempre a certeza de que as pessoas não são laranjas, que se chupam e se jogam fora.
* Jornalista e escritor
Caro Urariano,
ResponderExcluirEssa sua crônica saiu da minha lavra (im)pensada, esperneada, escondida, calada e grudou em você para SER posta assim no mundo, no mundo, com a competência que me faltou em mãos, em cabeça, em sonho, em vida. Vou ficar sonhando com ela...
Abraços daqui
Só louco para imaginar prender alguém com uma aliança. Prender não prendeu, mas usufruiu do material por seis anos. Marilyn é maravilhosa, e perfeita sem plásticas nem Photoshop. Nunca envelhece e nem sai de moda. Ninguém liga de ela não ter conteúdo. Grande Urariano!
ResponderExcluirQue saudade dos anos em que a gente tinha a luz de Marilyn. Podem falar mal dela, mas foi a mais linda e a mais doce de todas as estrelas de Hollyood.
ResponderExcluirÉ uma pena que as mulheres, mesmo as mais poderosas sejam tão frágeis, e tão vítimas da maledicência, da inveja, e da incompreensão dos que as rodeiam.