Sucesso e circunstâncias
O
filósofo espanhol, José Ortega y Gasset, afirmou que o homem não
pode ser considerado isoladamente. Ao se avaliar sua história, devem
ser levadas em conta “suas circunstâncias”. Cada qual tem as
suas, que podem até ser parecidas, mas nunca iguais. Algumas pessoas
chamam isso de “destino” e afirmam, dogmaticamente, que quando
nascemos, o nosso já está predeterminado. Tolice.
As
circunstâncias são aleatórias. Contudo, às vezes, temos condições
de alterá-las. Nem sempre, todavia, contamos com essa possibilidade.
De acordo com Gasset, o sucesso ou insucesso nessa alteração das
circunstâncias é que irá determinar nosso êxito ou fracasso na
vida. Gosto de refletir sobre esse tema. Já escrevi inúmeros
ensaios e crônicas a respeito e, possivelmente, escreverei ainda
muitos mais.
Quantos
escritores já existiram, desde que um determinado sujeito inventou
de escrever o primeiro livro? Algumas centenas de milhões,
certamente. E quantos você conhece, pelo menos de nome, mesmo que
nunca tenha lido sequer uma reles linha do que escreveram? Poucos.
Pouquíssimos. Talvez não seja capaz de lembrar, sequer, de uma
centena deles, se tanto.
Esses
de que você se lembra são os que fizeram sucesso, o único
permitido a nós, efêmeros e mortais humanos. O dinheiro que
ganharam, as mulheres que tiveram, as homenagens que receberam não
representam coisa alguma. O que conta é permanecer vivo na lembrança
de gerações e gerações, através dos séculos e, alguns, de
milênios, muitíssimo tempo após a morte e, quem sabe, até virar
lenda ou mito. São os que ou tiveram circunstâncias favoráveis, ou
que souberam fazê-las assim.
Há
uma infinidade de escritores que só conseguiram notoriedade muitos
anos após terem morrido. Não conheceram, em vida, o doce sabor do
sucesso. Em contrapartida, há os que gozaram, enquanto vivos, das
benesses do êxito. Tiveram fama, dinheiro, prestígio e foram
assediados o tempo todo por admiradores. Bastaram, porém, poucos
meses após sua morte, nem seus parentes mais próximos se lembraram
mais de sua existência. Suas obras? Perderam-se em algum lugar e
jamais foram resgatadas.
Há
escritores que comeram o pão que o diabo amassou. Lutaram contra as
circunstâncias e tiveram vidas miseráveis. Escreveram
compulsivamente, porque se viram obrigados a tal. Camilo Castelo
Branco, por exemplo, foi um deles. Aos 21 anos, raptou a jovem
Patrícia Emília e acabou sendo preso, acusado de bigamia.
Mais
tarde, apaixonou-se por Ana Plácido. Esta, no entanto, era casada e
com um comerciante muito rico. E o escritor? Não tinha um gato para
puxar pelo rabo. Impossibilitado de viver seu amor, voltou-se para a
religião e ingressou num seminário. Isso, porém, durou pouco. Não
tinha vocação religiosa. Um dia, sua amada largou do marido e foi
viver com ele. Trocou uma vida de conforto e riqueza por outra de
privações. Não tardou a enviuvar e pôde, dessa forma, casar-se
com Castelo Branco. Nesses romances água com açúcar, este seria o
“happy end” ideal, o de fazer as mocinhas ingênuas suspirarem de
emoção. Não foi.
O
casal vivia endividado, assediado por credores, levando vida
miserável e infeliz. Afinal, essa história de que só de amor se
vive existe apenas em (má) literatura. Castelo produziu, produziu e
produziu. Publicou dezenas de romances. Não só porque tinha
admirável talento, mas, sobretudo, por necessidade. Todavia, a maior
parte do fruto do seu exaustivo trabalho foi parar em mãos alheias:
ou dos editores ou dos credores.
Para
complicar seu rosário de desventuras, em 1888 o escritor foi vítima
de um acelerado processo de decadência orgânica, que o levaria á
completa cegueira, em consequência de uma sífilis crônica. Não
suportando circunstâncias tão daninhas, Camilo Castelo Branco
suicidou-se, com um tiro de pistola, em 1° de junho de 1890.
Pelos
critérios de sucesso usualmente adotados pela maioria pode-se dizer
que foi tremendo fracassado. Mas foi? Você não se lembra do nome
dele? Já não leu pelo menos um ou outro romance que ele escreveu?
Seu nome não é usado para batizar ruas, centros culturais, escolas
etc. em várias cidades do seu país? Não há, pelo menos em
Portugal, estátuas dele por toda a parte?
Pois
é. Pelos critérios adotados para os escritores, ou seja, o da
lembrança por parte de gerações que lhe sucederam e do respeito,
quando não da reverência, pelo seu inegável talento, Camilo
Castelo Branco foi, na verdade um vencedor. A despeito das
circunstâncias.
Boa
leitura!
O
Editor.
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