O
silêncio dos culpados
* Por
Viegas Fernandes da Costa
O
silêncio dos culpados, porque não há inocentes neste curral. O
gado que marcha sem tino. “Deixa o homem trabalhar!” – grita
um, o rosto deslavado. Quarta-feira de cinzas, ao cair da noite em
Brasília, capital federal.
Nas
praças, o vazio lambido pelo vento. De uns a vergonha, doutros a
desesperança. “Mas tem um homem nu no museu!” Um homem nu, e a
família na boca imunda daqueles que chafurdam em malas. A família...
O que desestrutura é a fome, a falta de tempo no quarto e na sala, o
medo que espia da esquina, o emprego sem futuro, a bala perdida. A
família, esta união de seres humanos ligados pelo desejo de estarem
juntos na melhor parte das suas vidas. Quando foi que transformam a
família em pênis e vagina? Pênis e vagina, pode falar? Ainda pode?
Hoje
eu gostaria de falar das baleias que chegaram à praia de Garopaba em
pleno outubro. Dos filhotes aprendendo vida na enseada das canoas.
Mas as baleias e o mar temperado de leite não são suficientes para
estes tempos em que semeiam silêncio e violência nas escolas, nas
ruas, nas galerias de arte. De repente, o sonho acabou e andamos
cabisbaixos, amordaçados e levando duas moedas baratas sobre os
olhos. Na ilha da magia, alguém tropeça no céu atrapalhando as
compras. Atrapalhando as compras…
Não
há inocentes neste curral. Nunca houve! Há patos, gado e cabeças
de papel. Como se emoldurados em um poema de Drummond, vemos nascer
flores amarelas de medo sobre nossas sepulturas. O medo, pai dos
patíbulos e das fogueiras, nunca foi bom conselheiro. O medo
envergonha.
Tripalium
era, na antiga Roma, objeto de tortura aos escravos. O tripalium
batizou o trabalho. Ao ouvir um deputado gritar “deixa o homem
trabalhar”, penso que não há associação mais correta. Trabalho
de bandido é crime. Em rede nacional, o homenzinho pede alto para
que deixemos o crime impune. Tripalium! Em nome de Deus, da família
e de tudo aquilo que guardam nos bolsos e nas malas, “deixa o homem
trabalhar!”
Mas
o problema, acreditem ou não, é o homem nu no museu.
*
Escritor
e historiador.
Nenhum comentário:
Postar um comentário