sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

O silêncio dos culpados

* Por Viegas Fernandes da Costa

O silêncio dos culpados, porque não há inocentes neste curral. O gado que marcha sem tino. “Deixa o homem trabalhar!” – grita um, o rosto deslavado. Quarta-feira de cinzas, ao cair da noite em Brasília, capital federal.

Nas praças, o vazio lambido pelo vento. De uns a vergonha, doutros a desesperança. “Mas tem um homem nu no museu!” Um homem nu, e a família na boca imunda daqueles que chafurdam em malas. A família... O que desestrutura é a fome, a falta de tempo no quarto e na sala, o medo que espia da esquina, o emprego sem futuro, a bala perdida. A família, esta união de seres humanos ligados pelo desejo de estarem juntos na melhor parte das suas vidas. Quando foi que transformam a família em pênis e vagina? Pênis e vagina, pode falar? Ainda pode?

Hoje eu gostaria de falar das baleias que chegaram à praia de Garopaba em pleno outubro. Dos filhotes aprendendo vida na enseada das canoas. Mas as baleias e o mar temperado de leite não são suficientes para estes tempos em que semeiam silêncio e violência nas escolas, nas ruas, nas galerias de arte. De repente, o sonho acabou e andamos cabisbaixos, amordaçados e levando duas moedas baratas sobre os olhos. Na ilha da magia, alguém tropeça no céu atrapalhando as compras. Atrapalhando as compras…

Não há inocentes neste curral. Nunca houve! Há patos, gado e cabeças de papel. Como se emoldurados em um poema de Drummond, vemos nascer flores amarelas de medo sobre nossas sepulturas. O medo, pai dos patíbulos e das fogueiras, nunca foi bom conselheiro. O medo envergonha.

Tripalium era, na antiga Roma, objeto de tortura aos escravos. O tripalium batizou o trabalho. Ao ouvir um deputado gritar “deixa o homem trabalhar”, penso que não há associação mais correta. Trabalho de bandido é crime. Em rede nacional, o homenzinho pede alto para que deixemos o crime impune. Tripalium! Em nome de Deus, da família e de tudo aquilo que guardam nos bolsos e nas malas, “deixa o homem trabalhar!”

Mas o problema, acreditem ou não, é o homem nu no museu.

* Escritor e historiador.



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