sábado, 27 de janeiro de 2018


Uma ou duas histórias sobre a mulher na intimidade


* Por Marcos Alves


Ver uma mulher na intimidade pode ser algo maravilhoso e único, e também muito perigoso - principalmente para o expectador desavisado. Mesmo quando a presença do homem é consentida há sempre o risco de surgirem insinuações e intrigas vindas de outro homem. Independente do nível sócio-econômico, o que vai variar são os desdobramentos - que dependem diretamente da visão de mundo e estilo de vida de cada um.


1 - O banho


A vida é calma no bairro, onde nada acontece muito diferente da rotina. O comércio aberto, as conversas na porta. O sol a pino, velhas senhoras a passear e se queixar com as empregadas.

De repente, vejo a cena enquanto espero o ônibus. O jardineiro conversa com uma moça, perto de um dos canteiros. Ela estava alojada ali, em um barraco de madeira apoiado nas colunas da praça íngreme.

Abriu a torneira mas não mandou o rapaz embora. Pegou mangueira e balde e, bastante à vontade mas mantendo certa classe, começou a se banhar ali mesmo. Usava apenas um short apertado e a peça de cima, trajes convenientes para o calor de janeiro.

Ele muda a expressão. De repente, deixa de ser um autômato, tem um sossego das ordens: "Corta mais baixo essa grama!" Faça melhor essas aparas!" "Cuidado com as flores!" "Passa uma vassoura aí!".

Ficou ali, de braços cruzados encostado na mureta a observar a musa, toda desenvolta, a se contorcer para esfregar as axilas, a virilha, enxaguar as partes íntimas sem tirar a roupa. O cara ali, com a boca aberta, naquele calor insuportável. Um interlúdio, uma pausa na rotina dura e cinza da vida.

A cerca de dez metros, os taxistas não dão importância à cena. Mais longe um pouco, um moreno baixinho e forte grita: "Maria!". O jardineiro dá um pulo para o lado. A mulher joga a mangueira para o outro e entra no barraco. O ônibus chega e vou-me embora.


2 - Cena de quintal


A mulher que permite ser vista na intimidade tem o poder sobre o homem, principalmente se for nos primeiros encontros. No jogo da sedução esse é um momento forte e marcante. Inaugura novas fronteiras no jogo do amor. Se não acontece nada de especial das primeiras vezes, se tudo é como se fosse o de sempre, se não aparecem sinais, odores, calafrios e arrepios, estômago queimando, nada, então com essa pessoa nunca vai acontecer nada de diferente mesmo.


Joel aparece na rua, desce a ladeira de bermuda e camiseta. Cumprimenta o pessoal na praça, como se habituou a fazer nos últimos meses, desde que se mudara para o bairro.

A vizinhança era tranquila, e isso o deixava satisfeito. Mudara-se para Belo Horizonte há pouco tempo. "Vinha tentar a vida", costumava dizer quando perguntado sobre o motivo da estada na capital.

Alugou um barracão de fundos no Carlos Prates, bairro antigo - se é que há bairros antigos na cidade com pouco mais de cem anos. Belô era jovem, como jovem era Joel e larga era sua esperança. Viera para trabalhar, ganhar um bom dinheiro e assim "construir uma casinha para a mãe lá em Guaipava".

Trabalhava como vigia à noite e durante o dia fazia bicos no bairro. Lavava carros, cuidava de jardins, "até uns tanquinhos de lavar roupa andei consertando". Foi assim que foi conquistando confiança e simpatia no lugar, principalmente o pessoal que mora na frente do barracão alugado por ele. "Stela e Moacir eram gente da melhor qualidade", costumava dizer sobre o casal.

Morava numa dessas casas compridas, que o proprietário vai aumentando nos fundos para alugar. Em Belo Horizonte essas moradias são conhecidas por barracões.

Era domingo e tinha tomado umas 3 ou 4 cervejas, para esfriar a cabeça. Enfiou a mão pelo buraco que fica entre a parede e o portão, abriu a fechadura e empurrou o portão de madeira que ficava ao lado da casa. Dava para um corredor de uns 5 metros, o muro bem rente cheirando a musgo por causa da umidade. Algumas espécies de plantas nasceram ali, algumas parecidas com samambaias - primas distantes, talvez. Quando chegou na área descoberta deu de cara com a vizinha de biquini na área descoberta do quintal tomando sol.

Você disse que ia demorar Joel, não esperava você aparecer! - Disse assustada, e pôs-se a levantar, as mãos puxando a toalha estirada no cimento quente da área comum onde fica o varal de roupas.

- Resolvi voltar para dar um cochilo.

A desvantagem de morar em um desses barracões é a proximidade inevitável e certa falta de privacidade. Mas tudo costuma ser resolvido na base do respeito a certas regras de convivência.

Joel pede licença e atravessa a área rumo à escadinha que dá acesso ao barracão dele. No caminho, deixa-se perturbar por pensamentos sobre a vizinha. Era uma mulher bonita, atraente e, na poucas vezes em que conversaram, muito agradável. O celular toca. É o Chico.
- E aí? Falou com o advogado?

Rapidamente os pensamentos agradáveis desapareceram e deram lugar às preocupações. Enquanto Joel fala ao celular, Stella acena da janela, gestos nervosos. Para Joel aquilo tinha um significado claro. "É a minha chance", pensou. Desligou o telefone na cara do Chico, foi até a janela.

- O que foi, bem? Arriscou logo uma frase carinhosa, sugerindo intimidade.

- Que bem, que nada rapaz! Olha o respeito! Vem trocar o botijão que o gás acabou e o almoço tem que sair, já é quase meio-dia. Bem! Ah, Joel, se eu não fosse com a tua cara te entregava pro Moacir!

- Faz isso não, dona Stella! Cadê o botijão?

E entrou na casa da vizinha com aquele jeito de caipira envergonhado.


* Jornalista.


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