Silêncio do constrangimento
O
silêncio é, em muitas e muitas situações da vida, a melhor
atitude que podemos adotar diante de determinadas circunstâncias.
Por exemplo, quando estamos em uma roda de amigos e é levantado, em
conversa, um tema do qual tenhamos pouco conhecimento (quando não
nenhum), manda a prudência que nos mantenhamos a boca fechada, para
não cairmos em ridículo. Nem sempre agimos assim e não podemos
reclamar quando pagamos o preço por nossa tagarelice.
Calado,
o mais estúpido dos mortais pode, até, se passar por sábio.
Todavia, a recíproca é verdadeira. Ou seja, falando demais, até
mesmo o mais douto dos doutos, reconhecido como gênio, caracterizado
por profunda sabedoria, corre o risco de dar seus escorregões e
passar, diante dos outros, por rematado idiota.
Há
situações, porém, em que calar reflete ou omissão, ou covardia,
quando não ambos. É o caso de termos ciência de alguma injustiça
sendo cometida (e, convenhamos, sequer precisamos procurar para
encontrar algum caso desse tipo) e nos mantermos calados, por medo ou
por não querermos nos envolver na questão. Nesses casos, o
silencio, óbvio, deixa de ser virtude e depõe enfaticamente contra
nós.
Por
outro lado, há ocasiões (e muitas) em que nos confrontamos com
pessoas tão ignorantes, e além disso tão agressivas, que nos
forçamos a nos calar diante do que dizem, mesmo que o teor de suas
declarações seja, nitidamente, de despautérios e, não raro, a
respeito de temas dos quais somos especialistas.
E
por que nos calamos e não nos impomos como conhecedores do assunto?
Por medo? Por mera covardia? Não! Por constrangimento! Percebemos a
inutilidade de falarmos qualquer coisa, que será, certamente,
rebatida não com argumentos, mas com atitudes agressivas do infeliz
interlocutor. Procuro evitar, quando posso, pessoas desse tipo.
Refiro-me,
neste caso, a duas das acepções constantes no dicionário para a
palavra “constrangimento” (existem várias outras): coação e
embaraço. Sentimo-nos coagidos pelo interlocutor, que busca se impor
mediante atitudes violentas (não necessariamente de desforço
físico), como tom de voz, gestos, olhar etc. É essa atitude que nos
causa embaraço, nos deixa sem ação, nos paralisa até e diante da
qual sequer sabemos o que dizer. Trata-se de situação muito mais
comum do que pensamos.
Aliás,
é por não saberem se calar em circunstâncias como esta que muitas
pessoas acabam fazendo bobagem, tomando atitudes das quais se
arrependem, invariavelmente, muitas vezes, contudo, muito tarde.
Quantas discussões bestas, às vezes por causa de times de futebol,
não poderiam ser evitadas, se um dos protagonistas tivesse a
humildade, ou a prudência, de se calar? Não raro esses bate-bocas
descambam para a violência física, quando não para assassinatos.
Esta é uma armadilha que, não raro, enreda pessoas até pacatas,
cujo ato extremo surpreende parentes, amigos e conhecidos.
Não
gosto de constranger ninguém e nem admito que me constranjam. Mas já
fiquei constrangido por falar demais. O engraçado é que, naquele
tipo de circunstância, o constrangimento é mais comum em quem ouve,
não em quem fala. O fato ocorreu há uns trinta anos, quando fui
contratado como editor de determinado jornal (cujo nome prefiro
omitir para não me sentir constrangido diante de você, paciente
leitor), no qual todos os companheiros de trabalho, sem exceção, me
eram estranhos (fato raro em minha carreira).
Ao
tentar estabelecer amizade com alguns colegas, estes recomendaram-me,
de forma bastante especial, que tomasse “cuidado com o Alípio”,
tido e havido como um “leva e traz” da redação. E contaram-me
poucas e boas a respeito desse funcionário.
Eu,
em vez de guardar a “informação” apenas para mim, não consegui
segurar a língua diante da boca. Puxei conversa com a primeira
pessoa que encontrei na redação. Falamos da empresa, da minha nova
função, dos lugares em que eu havia trabalhado etc.etc.etc. Em
determinado momento, o papo descambou para os colegas de redação.
E, sem essa ou mais aquela, eu logo sapequei, na bucha: “Fui
instruído a tomar cuidado com o Alípio, um pilantra leva e traz”.
E continuei tagarelando, desfiando para o meu interlocutor todas as
fofocas que havia ouvido a respeito do supostamente perigoso novo
companheiro de trabalho. O sujeito à minha frente, só ouvia. Não
fez nenhuma observação, nem de anuência e nem de discordância.
Em
dado momento, perguntei-lhe o nome. E ele respondeu, com a maior
serenidade: “Alípio, ao seu dispor”. Nem preciso descrever o
tamanho do meu constrangimento, não é verdade? Não sabia onde
enfiar a cara. Gaguejei qualquer coisa (que nem lembro o que foi) e
afastei-me de imediato, de mansinho, para o meu canto, totalmente
desconsertado. Por ironia, o Alípio acabou sendo o melhor amigo que
tive nos anos em que trabalhei naquela empresa. Poderia não ter
sido.
Quanto
a pessoas ignorantes, que nos constrangem com palavras e gestos,
mesmo fazendo força para evitá-las, há ocasiões em que os
encontros com elas são inevitáveis. E o constrangimento que elas
nos causam provoca reações até físicas, diante do tom de voz, da
postura tensa e ameaçadora etc.etc.etc. do interlocutor.
Fica-nos
uma sensação até mais desagradável do que a causada pelo medo. O
editor alemão, R. Kempf, fez a seguinte observação a respeito:
“Não falar, não é apenas calar. O silêncio do constrangimento
marca uma sujeição seja à voz do outro, seja às forças do corpo
emocionado”. Fuja de gente assim! Mas não aja como eu: analise,
sempre, o que, como e para quem você vai dizer o que quer que seja.
E se tiver qualquer dúvida, por mínima que seja, já sabe de
antemão o que fazer: cale-se!!!
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
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